Não há regulamentação que permita Dallagnol receber por palestras


Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
Jornal GGN – Após a descoberta de que o procurador da República Deltan Dallagnol recebe pagamentos por palestras e seminários, o coordenador da Operação Lava Jato no Paraná tratou de mitigar a polêmica informando que quase a totalidade dos recursos foram doados para entidades e fundos. O GGN apurou todas as regulamentações existentes e revela que, independente de doações, o procurador não poderia realizar este tipo de atividade remuneratória.
O órgão que fiscaliza os procuradores da República é o Conselho Nacional do Ministério Pública (CNMP). Publicamente, Dallagnol defende que o ato é “legal, lícito e privado”, “autorizada por resoluções”, seja no CNMP ou “do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)”.
Após analisar todas os dispositivos existentes para o exercício de palestras e seminários, o GGN identificou que a atividade é regulamentada apenas pelo CNJ que, por sua vez, não é o órgão competente para fiscalizar membros do Ministério Público, mas apenas juízes, desembargadores, ministros, ou seja, integrantes da Magistratura.
Ainda assim, apresenta controversas. O CNJ publicou a Resolução 34, de 2007, que em seu artigo 4º estabelece que “a participação de magistrados na condição de palestrante, conferencista, presidente de mesa, moderador, debatedor ou membro de comissão organizadora, inclusive nos termos do art. 4º da Resolução CNJ 170/2013, é considerada atividade docente”.
É com base neste trecho que Deltan Dallagnol se defende e sustenta a teoria de que receber remunerações por suas palestras é legítimo. Entretanto, o artigo 4º deixa claro outro ponto: as palestras, conferências, moderações ou debates fazem referência a atividades “desempenhadas por magistrados em cursos preparatórios para ingresso em carreiras públicas e em cursos de pós-graduação”.
Ou seja, considera tais atividades legais desde que tenham relação direta e explícita com a docência, seja em cursos preparatórios ou instituições de ensino, não mencionando casos de palestras em outras instituições privadas.
Além disso, o artigo impõe repetidamente que o dispositivo, assim como todos publicados e editados pelo CNJ, são para “magistrados” e não membros do Ministério Público.
Já junto ao CNMP, o órgão que compete diretamente a fiscalização do procurador Deltan Dallagnol, o GGN questionou quais são as regulamentações hoje existentes para a prática de atividades externas remuneradas. Perguntamos sobre os próprios dispositivos mencionados por Dallagnol em suas falas públicas e respostas.
Contrariando a auto-defesa do procurador da República, obtivemos a seguinte resposta: “não há no Conselho Nacional do Ministério Público nenhum dispositivo legal que autorize ou proíba o assunto questionado”.
O coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Paraná havia mencionado a “resolução do CNMP 73, de 2011”, que, segundo ele, “trata das aulas” e Ato Ordinatório 3, de 2013, do Conselho Superior do Ministério Público Federal.
Tentamos verificar quais relações o procurador da República quis utilizar para defender que a atividade remuneratória é legal, apesar de o próprio CNMP informar ao jornal que não existe regulamentação.
A resolução 73 de 2011 expõe, logo de imediato: “Aos membros do Ministério Público é vedada a acumulação de funções ministeriais com quaisquer outras, exceto as de magistério, nos termos do art. 128,II, ‘d’, da Constituição”.
Apesar de tratar sobre a docência, o dispositivo não proíbe diretamente outras atividades, mas especificamente delinea o que pode ser feito por um procurador dentro da área de ensino. Não há uma linha sequer sobre palestras, seminários ou exposições. Todas as determinações dizem respeito a atuações dentro de “sala de aula” e em instituições de ensino.
Impondo, ainda, restrições: Procuradores não podem, por exemplo, ocuparem cargos de diretor e a atividade docente “deverá ser comunicada pelo membro ao Corregedor-Geral da respectiva unidade do Ministério Público, ocasião em que informará o nome da entidade de ensino, sua localização e os horários das aulas que ministrará”.
Já o Ato Ordinatório 3, de 2013, do Conselho Superior do MPF apenas dispõe sobre o preenchimento de um formulário eletrônico para o CNMP conseguir fiscalizar o que estabeleceu esta última regulamentação. O documento, que deve ser preenchido pelos procuradores e membros do MP, serve para acompanhar “o exercício da atividade de magistério quando cumulada com as funções ministeriais”.
Apesar de não proibir, os dispositivos hoje existentes não trazem nenhuma permissão para membros do Ministério Público de concederem palestras fora do meio acadêmico e de instituições de ensino, sejam públicas ou privadas, conforme informou o órgão ao GGN.
Investigação contra Dallagnol
É com base nesse pressuposto que os deputados da oposição Wadih Damous (PT-RJ) e Paulo Pimenta (PT-RS) entraram com uma representação no CNMP pedindo esclarecimentos e uma investigação.
Ao jornal, a Corregedoria Nacional do Ministério Público informou que instaurou a reclamação disciplinar para apurar os fatos. Até a última sexta-feira (23), nenhuma etapa deste procedimento havia sido feita, uma vez que o corregedor nacional estava participando de uma correição em Goiás, naquele dia.
Desde que uma reclamação é instaurada, são diversos os processos que são adotados dentro da Corregedoria que, após analisar o pedido, pode imediatamente:
1 – Arquivar se o fato narrado não configurar infração disciplinar ou ilícito penal.
2 – Notificar o reclamado para prestar informações no prazo de dez dias.
3 – Realizar diligências.
4 – Encaminhar a reclamação ao órgão disciplinar local para instaurar procedimento lá ou para informar a preexistência de procedimento disciplinar sobre os fatos.
A Corregedoria-Geral do MPF tem o prazo de dez dias, desde a última sexta-feira (23), para informar à Corregedoria Nacional as providências que serão adotadas. Caso sejam solicitadas informações, neste caso, a Dallagnol e realizadas as diligências, após o prazo de investigação, o corregedor deve tomar uma nova decisão de:
1 – Arquivar a reclamação, se o fato não constituir infração disciplinar ou ilícito penal.
2 – Instaurar sindicância, se as provas não forem suficientes ao esclarecimento dos fatos;
3 – Encaminhar cópia da reclamação ao órgão disciplinar local.
4 – Instaurar, desde logo, processo administrativo disciplinar, se houver indícios suficientes de autoria da infração.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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  • ponto de interrogação antes do link

    Sempre que compartilho os links dos artigos, um ponto de interrogação aparece depois do título do artigo, fazendo com que pareça uma pergunta, alterando, obviamente, o sentido.

  • Além de especulador imobiliario....

    Para quem tem tanta convicção sobre o que é corrupção, sobre o que é moral ou ética, Dallagnol deveria passar longe desse tipo de palestra, pelo menos enquanto for procurador publico, mas eis que a vaidade e a ideologia, oh vaidade, oh veritas! falam mais alto.

    • Concordo com você Maria Luisa, mesmo não havendo regulamentação que o proíba. Lembremos que por enquanto é só uma ideia.

  • Vale somente o permitido, o resto é proibido

    No Direito Administrativo, não vale somente o que é explicitamente permitido, no mais tudo é proibido? O citado procurador não deveria seguir essa premissa?

  • Deve ser punido. Perda de cargo.

    Sem falar que milhões de pessoas têm a convicção que ele tem feito besteiras e que agora cometeu um ato indevido e angariou tutu indevido. E do dinheiro arrecadado, ele deu nota fiscal, pagou os impostos, abriu uma firma para dar nota fiscal e receber estes depósitos, se doou, tem recibos? Usou tempo e recursos do seu serviço oficial, como computador, passagens, refeições, etc? Ou ele recebeu isso dos clientes? Recebeu diárias por isso, recebeu horas extras da própria procuradoria????

    Ele já havia dado vários motivos para ser afastado do cargo, este é só mais um.

    Nem precisa usar os critérios que ele usa para denunciar sem provas quem ele investigou tanto, provou que é inocente, mas quer condenar assim mesmo. 

    Que país é esse? Moral, oh...!

     

  • Vedação de atividade

    Lembre-se sempre que se, na iniciativa privada, é permitido tudo o que não é proibido, na atividade pública é o contrário: é proibido tudo o que não é explicitamente permitido.

    • Exato, Fernando Tolentino. Por isso é que Dallagnol cogitou em abrir uma empresa privada. Conforme o art. 117 da Lei nº 8.112/1990, é proibido ao servidor público “participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário”

  • Tratando-se de direito público, o que não é permitido é proibido

    Além do mais, o Dallagnol não é do poder judiciário, isto é, ele não é magistrado, ele é do poder executivo, é promotor.

    E o fato de ele, supostamente, doar o dinheiro para entidades pilantrópicas nao torna a lícita a sua atividade ilícita.

    Pau nesse Coxinha safado!

     

  • Dallagnol e protetores sabem que infringem a Lei

    Nesta reportagem o GGN pega leve, sendo até muito benevolente, com Dallagnol e colegas dele, que saíram em defesa do pastor-ator-especulador-procurador.

    Não é preciso ser graduado, muito menos, especialista ou ter títulos de mestre ou doutor em Direito, para saber que que a Lei é mais restritiva com os servidores públicos, em relação ao exercício de atividade remunerada em âmbito privado. Pela legislação brasileira ao cidadão comum é permitida qualquer atividade desde que não expressamente proibida por Lei e nem  tipificada como crime. Já o servidor público só pode realizar acções e atividades expressamente previstas em Lei. 

    Ora, se a Lei não expressa claramente que os procuradores do MPF possam proferir palestras remuneradas em âmbito privado, independentemente de os recursos com elas amelahados virem a ser aplicados em instituições filantrópicas ou com fim social, tal atividade é vedada a essa categoria de servidores públicos. Não há o que inventar, em termos de interpretação dos códigos legais, mas apenas cumpri-los.

    É claro que o a representação no CNMP não vai dar em nada, pois esse conselho não fiscaliza e não pune ninguém na corporação. Apesar disso, é de grande valia a iniciativa dos deputados Paulo Pimenta e Wadih Damous, pois assim eles desmascaram e desnudam o corporativismo do MPF e do CNMP. Quanto mais expostos estiverem os crimes e ilegalidades dos lavajateiros, mais o cidadão comum poderá concluir que a Fraude a Jato é uma ORCRIM institucional, que sempre esteve a serviço do golpe e do desmonte do Estado Social e do desenvolvimento soberano do Brasil

  • O que não está explícito, é vedado.
    No Direito Administrativo, no que trata sobre regulamentações na área do Serviço Público, o que não está explicitamente permitido, é vedado.

  • Pilantragem total.
    Usar o

    Pilantragem total.

    Usar o cargo de servidor para se lucupletar com palestras.

    Por que não pede demissão e vai ganhar com palestras ?

    Aliás, se se demitir alguem paga 1 centavo por alguma palestra dele ?

     

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