Justiça

Pastor do PCC fica milionário lavando dinheiro com igreja: o elo entre o crime organizado e a política no Brasil

Uma denúncia do Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) aponta que Geraldo dos Santos Filho, conhecido como pastor Júnior, estabeleceu um patrimônio avaliado em pelo menos R$ 6 milhões, a partir de um esquema de lavagem dinheiro para o Primeiro Comando da Capital (PCC) por meio de igrejas evangélicas. 

Conforme detalhes da reportagem de Alfredo Henrique, publicada pelo site Metrópoles, nesta quinta-feira (25), Geraldo é irmão de Valdeci Alves dos Santos, o Colorido, o segundo nome do PCC no Rio Grande do Norte, usado pelo jornalista e pesquisador Bruno Paes Manso, para ilustrar como a facção passou a usar de empreendimentos religiosos como ferramenta para movimentar parte dos seus lucros bilionários obtidos por meio do mercado internacional do tráfico de drogas.

Paes Manso é autor da obra “A fé e o fuzil: Crime e religião no Brasil do século XXI”. Justamente no último capítulo dessa obra, o pesquisador apontou como empresas que prestam serviços aos estados, como as de transporte, além de organizações sociais, times de futebol e até fundos de investimento privados, foram tomadas pelo PCC, afinal do fato de “faturando mais de 1 bilhão de dólares por ano fez com que tivesse que sofisticar o esquema de lavagem de dinheiro”. 

A partir do caso das igrejas é que surgiu o exemplo de Colorido, que “investiu em sete Assembleias de Deus para também proporcionar um esquema de lavagem de dinheiro” ao PCC, contou o jornalista em entrevista à TVGGN 20h, programa diário do GGN exibido no Youtube. [Assista no final da matéria].

É em meio a este e outros casos que é consolidada a arma em comum entre o crime organizado e política no Brasil: a religião. “O discurso religioso passa a ser usado como forma de justificar autoridade e poder, a partir de um discurso de guerra do bem contra o mal, de batalha espiritual, de teologia do domínio, que passa a transformar a cena da política e a cena do poder no Brasil“, explicou.

Mundos opostos, mas complementares

Ao se debruçar sobre o tema, Paes Manso destaca sua complexidade por compor dois mundos opostos, uma vez que a religião ainda é a porta de saída do crime, mas que cada vez mais tem sido usada como escada de Poder. 

A religião de uma forma geral, a religião evangélica que nasce também nas periferias do Brasil são fundamentais como porta de saída do crime (…) Mas com o passar do tempo, principalmente a partir da teologia da prosperidade, que passa a ver o dinheiro como uma bênção divina e conforme esses grupos vão se profissionalizando, se deixa de enxergar o traficante, porque ele se torna um empresário. Essa mistura acontece a partir desse novo degrau do desenvolvimento do mercado de drogas, que tem 50 anos no Brasil e foi se tornando cada vez mais sofisticado”, falou.

Indo mais a fundo, o pesquisar usa o exemplo do Rio de Janeiro, um caso “diferente, até mais caricato, pelas disputas de territórios entre milícias e facções“, mas que conta com uma figura interessante: “um traficante pastor da região de Parada de Lucas e Vigário Geral, que eram dois bairros que viviam em conflitos, mas que se juntaram em torno da bandeira do terceiro comando puro”.

Esse personagem é conhecido como Peixão que “se enxergava como um traficante ungido de Deus”, por ter sonhado com essa figura, que teria dito que tinha um plano pra vida dele. “A partir desse momento ele passa a usar esse discurso místico para justificar sua autoridade“, contou Paes Manso.

Quando a religião começou a ser usada na política e o Peixão foi o grande exemplo disso – ele conquistou mais três bairros, criou o complexo de Israel, tem uma ascendência política, nunca foi preso no Rio de Janeiro – eu achei que era o momento de entrar no assunto, porque a religião estava sendo usada para justificar a autoridade pública, para justificar o poder e veio o bolsonarismo confirmando ainda mais essa tendência, com a igreja e a religião entrando com todos os pés na porta da política”, disse. 

O papel do mercado

O pesquisador ainda explicou como a falência do estado, usada nos discursos das igrejas em conjunto com o mercado, passou a fortalecer todo esse esquema, que beneficia em geral, o crime. 

Quando participamos da discussão sobre o processo de redemocratização existia uma espécie de utopia de – talvez pela luta democrática e pelo debate público – quais seriam as medidas mais adequadas e quem sabe o Brasil se tornasse uma grande Suíça, um país mais justo, com liberdade, igualdade, menos injustiças, com políticos eleitos por pessoas que conheciam os seus problemas. A igreja trabalhou nesse processo da conscientização dos pobres para votarem em políticos que atuassem em benefício dos interesses dos pobres. Houve toda a luta dos movimentos sociais nas periferias para direcionar o Estado para uma política pública mais efetiva de redução de desigualdade e de injustiças”, pontou.

Mas o que vimos foi justamente um estado fragilizado com todos os seus limites fiscais e que impunha para vida urbana a intensa necessidade de ganhar dinheiro. Dinheiro é oxigênio nas cidades, se você não tem dinheiro você vai para rua, você passa fome, você é morto… então a necessidade de ganhar dinheiro se mostrou urgente. E é justamente nesse mundo, onde o mercado é a instituição vitoriosa e mais forte, que os evangélicos surgem com muita força, criando essa maçonaria de pobre, essa rede de apoio, de empreendedorismo, falando de dinheiro, sendo abraçada pelos crentes defendendo a disposição pessoal para ganhar dinheiro e não tendo que aguardar favores do estado”, acrescentou.

Esse é o discurso de extrema-direita, que foi ganhando força principalmente depois de 2014, com a chegada das redes sociais, e a articulação de uma série de discursos que dialogavam da mesma forma. Então, o discurso dos Evangélicos foi juntando com os discursos dos ‘olavistas’, com os discursos do mercado, os discursos da conspiração internacional, da grande batalha cultural e da batalha espiritual, se tornando um discurso [único] de guerra em defesa dos valores judaicos cristãos, dos valores ocidentais, contra o comunismo, com um propósito para esse grupo que passou a ser protagonista da política”, completa.

Assista a entrevista na íntegra:

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Ana Gabriela Sales

Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.

Ana Gabriela Sales

Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.

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