Sobre palestras e a apropriação do público pelo privado, por Eugênio Aragão

Sobre palestras e a apropriação do público pelo privado

por Eugênio José Guilherme de Aragão

Credores têm melhor memória do que devedores (Benjamin Franklin).

Prezado ex-colega Deltan Dallagnol,

Primeiramente digo “ex”, porque apesar de dizerem ser vitalício, o cargo de membro do ministério público, aposentei-me para não ter que manter relação de coleguismo atual com quem reputo ser uma catástrofe para o Brasil e sobretudo para o sofrido povo brasileiro. Sim, aposentado, considero-me “ex-membro” e só me interessam os assuntos domésticos do MPF na justa medida em que interferem com a política nacional. Pode deixar que não votarei no rol de malfeitores da república que vocês pretendem indicar, no lugar de quem deveria ser eleito para tanto (Temer não o foi), para o cargo de PGR.

Mas, vamos ao que interessa: seu mais recente vexame como menino-propaganda da entidade para-constitucional “Lava Jato”. Coisa feia, hein? Se oferecer a dar palestras por cachês! Essa para mim é novíssima. Você, então, se apropriou de objeto de seu trabalho funcional, esse monstrengo conhecido por “Operação Lava Jato”, uma novela sem fim que já vai para seu infinitésimo capítulo, para dele fazer dinheiro? É o que se diz num sítio eletrônico de venda de conferencistas. Se não for verdade, é bom processar os responsáveis pelo anúncio, porque a notícia, se não beira a calúnia é, no mínimo, difamatória. Como funcionário público que você é, reputação é um ativo imprescindível, sobretudo para quem fica jogando lama “circunstancializada” nos outros, pois, em suas acusações, quase sempre as circunstâncias parecem mais fortes que os fatos. E, aqui, as circunstâncias, o conjunto da obra, não lhe é nada favorável.

Sempre achei isso muito curioso. Muitos membros do Ministério Público não se medem com o mesmo rigor com que medem os outros. Quando fui corregedor-geral só havia absolvições no Conselho Superior. Nunca punições. E os conselheiros ou as conselheiras mais lenientes com os colegas eram implacáveis com os estranhos à corporação, daquele tipo que acha que parecer favorável ao paciente em habeas corpus não é de bom tom para um procurador. Ferrabrás para fora e generosos para dentro.

Você também se mostra assim. Além de comprar imóvel do programa “Minha Casa Minha Vida” para especular, agora vende seu conhecimento de insider para um público de voyeurs moralistas da desgraça alheia. É claro que seu sucesso no show business se dá porque é membro do Ministério Público, promovendo sua atuação como se mercadoria fosse. Um detalhe parece que lhe passou talvez desapercebido: como funcionário público, lhe é vedada atividade de comércio, a prática de atos de mercancia de forma regular para auferir lucro. A venda de palestras é atividade típica de comerciante. Você poderia até, para lhe facilitar a tributação, abrir uma M.E., não fosse a proibição categórica.

E onde estão os órgãos disciplinares? Não venha com esse papo de que está criando um fundo privado para custear a atividade pública de repressão à corrupção. Li a respeito dessa versão a si atribuída na coluna do Nassif. A desculpa parece tão abstrusa quanto àquela do Clinton, de que fumou maconha mas não tragou. Desde quando a um funcionário é lícita a atividade lucrativa para custear a administração? Coisa de doido! É típica de quem não separa o público do privado. Um agente patrimonialista par excellence, foi nisso que você se converteu. E o mais cômico é que você é o acusador-mor daqueles a quem atribui a apropriação privada da coisa pública. No caso deles, é corrupção; no seu, é virtude. É difícil entender essa equação.

Todo cuidado com os moralistas é pouco. Em geral são aqueles que adoram falar do rabo alheio, mas não enxergam o próprio. Para Lula, não interessa que nunca foi dono do triplex que você qualifica como peita. Mas a propaganda, em seu nome, de que se vende regularmente, como procurador responsável pela “Lava Jato”, por trinta a quarenta mil reais por palestra, foi feita de forma desautorizada e o din-din que por ventura rolou foi para as boas causas. Aham!

Que batom na cueca, Deltan! Talvez você crie um pouco de vergonha na cara e se dê por impedido nessa operação arrasa a jato. Afinal, por muito menos uma jurada (“Schöffin”) foi recentemente excluída de um julgamento de um crime praticado pelo búlgaro Swetoslaw S. em Frankfurt, porque opinara negativamente sobre crimes de imigrantes no seu perfil de Facebook (http://m.spiegel.de/panorama/justiz/a-1152317.html). Imagine se a tal jurada vendesse palestras para falar disso! O céu viria abaixo!

Mas é assim que as coisas se dão em democracias civilizadas. Aqui, em Pindorama, um procuradorzinho de piso não vê nada de mais em tuitar, feicebucar, palestrar e dar entrevistas sobre suas opiniões nos casos sob sua atribuição. E ainda ganha dinheiro com isso, dizendo que é para reforçar o orçamento de seu órgão. Que a mercadoria vendida, na verdade, é a reputação daqueles que gozam da garantia de presunção de inocência é irrelevante, não é? Afinal, já estão condenados por força de PowerPoint transitado em julgado. Durma-se com um barulho desses!

Redação

Redação

View Comments

  • O juiz do caso Microsoft

    Eugênio Aragão fala do caso, na Alemanha, de uma jurada excluída do processo por comentários em redes sociais.

    No início deste século, nos EUA, o juiz Thomas Jackson foi excluído de um processo contra a Microsoft por ter dado UMA entrevista sobre o caso.

    Mas, como costuma dizer o juizticeiro Moro, não vem ao caso.

    • Esse critério americano não

      Esse critério americano não pode ser usado aqui, se não vai ter juiz do STF que nunca mais participa de um processo.

    • O MP pode e deve ser parcial. O juiz, não

      O Deltan Dallagnol, enquanto Procurador, representa a sociedade, sendo, portanto, parte no processo. Ele pode e deve ser parcial. Quem deveria ser imparcial era o $érgio Moro.

  • Fascistas amarelos

    Um bando, com valores fascistas, apropiou-se de parte do sistema Judiciário para atuar politicamente, contra a legislação que um dia esteve vigente.

    Dallagnol acusa sem provas. Moro prende primeiro e depois condena sem provas. Gebran (desembargador do TRF 4 e amigo íntimo de Moro) ratifica as sentenças de Moro e às vezes até amplia o tamanho das penas.

     

  • ....

    Caro Aragão,

    Pelo que entendi no seu texto o procurador mencionando, e qualquer outro funcionario publico que o mesmo fizesse, cometeu no minimo 03 infrações para não dizermos crimes.

    Se meu entendimento está correto, ele se utilizou seu conhecimento do conteúdo da operação lava-jato, publico e em segredo de justiça, para elaborar as paletras.

    Sendo assim também caberia a abertura de um braço da operação para investigar que tem se beneficiado com esta operação?

    Seria muito interressante ver os procuradores investigando os seus pares e o juiz julgando os mesmos.

  • Caro Eugenio Aragão, não seja injusto com o Dallagnol.

    Caro Eugenio Aragão, não seja injusto com o Dallagnol, pois se ele ganha dinheiro especulando com imóveis do "Minha Casa Minha Vida", certamente é porque pretende usar este recurso financeiro para combater a corrupção, pois outro motivo não haveria, aliás sugiro a ele que comece a cobrar 10% dos salários de seus seguidores para ampliar estes recursos, desta forma acabaremos de vez com a corrupção em nosso País.

    AMÉM !!!

  • depois dessa espinafração,

    depois dessa espinafração, posso riscar o nome do power point boy do meu dicionário está reduzido a pó. não merece mais uma linha. Parabéns, Ministro Aragão, por escrever com toda propriedade o que estava entalado. 

  • MP processa no RS

    Solidariedade

    Processados, pais de vítimas da Kiss recebem apoio nas redes sociais

    Familiares de jovens mortos no incêndio podem ser condenados, enquanto os responsáveis pela tragédia seguem impunes 

     Por: Zero Hora18/06/2017 - 17p3min | Atualizada em 18/06/2017 - 17p3minCompartilharFoto: Reprodução / Facebook / Facebook

    Processados pelo MP, pais das vítimas da Boate Kiss vão recorrer à OEA

        

  • Além das palestras

    Circulando recentemente por uma grande livraria, deparei-me com um livro sobre corrupção e lava jato. Autor: esse mesmo procurador, Deltan Dellagnol. A minha dúvida: tem tempo para palestras, escrever livros, "investir" no mercado imobiliário, mas e tempo e disposição para participar das audiências da lava jato? Parece que não há, afinal não esteve em uma sequer para enfrentar Lula. E o meu (nosso) dinheiro sendo gasto no alto salário e penduricalhos deste "atuante" procurador.

  • Pois é, o que Dallagnol faz é

    Pois é, o que Dallagnol faz é a mais pura e perfeita forma de corrupção passiva. Artigo 317 do CP, textualmente:  "solicitar ou receber, para si ou para outros, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem."

    Note-se: "para si ou para outros". Não impora se Dallagnol enfia o que ganha no próprio bolso ou se vai doar a uma ONG ou ao diabo. Não pode receber "vantagem indevida" sem ficar exposto ao rigor da lei. Se quem está encarregado do cumprimento da lei não está cumprindo com suas obrigações, aí já é problema dele. E é mais um crime: prevaricação.

    Aliás a fama já é uma vantagem indevida. Exceto se o cargo público fosse "Celebridade", fama e prestígio, mesmo que não revertessem em pecúnia, já seria algo indevido ao cargo. E isso piora muito quando há dinheiro envolvido. E pode-se incluir sem o menor risco de incorrer em imprecisão, o mesmo crime ao juiz Moro, quando aceita prêmios de firmas da iniciativa privada, seja em forma de troféus ou em forma da mercadoria que essa firma produz e vende. Por exemplo, a firma "Globo" produz e vende fama e prestígio. E não cobra pouco, hein?

    Qual é a diferença entre o fiscal em cujo bolso é enfiado um pacote de dinheiro e juiz ou promotor que recebe prêmio da iniciativa privada?

    E o pior: fazendo com que seus trabalhos resultem em perda da soberania nacional!
     

    Essa turma da "Lava Jato" está tão emporcalhadamente impregnada de corrupção que pouco ou nada sobra do Direito ali. É um que quer comissão sobre recuperação de produto de crime, outro que quer atravessar o mínimo de conquista civilizatória tentando obter algo que só nas mais delirantes ficções alguém tem (007 tem licença para matar, incorrer em crime sem ser punido)...

    Não se pode jogar assim na lata do lixo o Direito como instituição. O certo seria essa turma ser afastada da vida pública sem vencimentos, com obrigação de devolver o que obteve indevidamente e mais: exemplarmente ser desonrada na mesma medida em que recebeu - ainda que não tenha solicitada - o capital da fama: desonrada publicamente.

    • Veja que o art. 317 não fala

      Veja que o art. 317 não fala em dinheiro, fala em vantagem indevida. Ora, se o acesso do funcionário público, em função do cargo pelo qual responde, ao mercado de palestras especificamente, mas à fama de forma genérica, inclusive para vender livro, não é vantagem indevida, não sei o que seria isso.

      Até quando as pessoas do CNJ, da Corregedoria e de outras instituições de controle do judiciário continarão prevaricando?

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