Meio Ambiente

Pesquisa-ação sobre Mudanças Climáticas Destaca Papel das Catadoras e Catadores para a Resiliência Urbana

Pesquisa-ação sobre Mudanças Climáticas Destaca Papel das Catadoras e Catadores para a Resiliência Urbana

por Sonia Dias

O que acontece quando a força da natureza se depara com a precariedade das condições de trabalho e vida de catadoras e catadores de materiais recicláveis? Como esses trabalhadores experimentam, enfrentam, reinventam e resistem aos impactos de um dos maiores desafios da humanidade – as mudanças climáticas? Que papel as políticas públicas e a sociedade têm como catalisador da capacidade adaptativa desses importantes agentes ambientais? Essas e outras questões levaram a rede internacional Mulheres no Trabalho Informal: Globalizando e Organizando (WIEGO em inglês – https://www.wiego.org/about-us) a realizar uma pesquisa exploratória de âmbito nacional de mapeamento de percepções de catadores de materiais recicláveis sobre mudanças climáticas e identificação de impactos no trabalho de cooperados e autônomos nas principais cidades do Brasil.

Embora os desastres ambientais extremos tenham ganhado cada vez mais espaço nos noticiários ao longo desses últimos anos, evidenciando, por um lado, a relevância da pauta da emergência climática e de seus impactos sobre saúde e o bem-estar humanos e, por outro, os enormes custos sociais e econômicos decorrentes desses eventos extremos, a documentação de seus impactos sob catadoras e catadores de materiais recicláveis é ainda um tema invisível.

E é essa a lacuna que a pesquisa da WIEGO Impactos das Mudanças Climáticas e Estratégias de Adaptação: Experiências de Catadoras e Catadores de Materiais Recicláveis do Brasil (https://www.wiego.org/publications/impactos-das-mudancas-climaticas-e-estrategias-de-adaptacao-experiencias-de-catadoras) veio preencher. A pesquisa realizada em parceria com o “Low Carbon Action in Ordinary Cities Lab”, da Universidade de Sheffield, com catadoras e catadores organizados e autônomos, documentou suas percepções e experiências em relação às mudanças climáticas, em 2022 e 2023. O estudo incluiu uma pesquisa com 93 catadores de materiais recicláveis, grupos focais participativos e entrevistas com informantes-chave, fornecendo análises detalhadas sobre suas experiências diárias em um ambiente em mudança.

Em primeiro lugar, a pesquisa trouxe à tona a importância da documentação sistemática sobre impactos das mudanças climáticas nas condições de trabalho e vida de catadoras e catadores, mas também sob o papel das cidades no monitoramento e ação climática.

Em relação a como a questão das mudanças climáticas afetam catadoras e catadores, é importante ressaltar que uma das principais conclusões do estudo revelou que uma maioria substancial dos catadores (91% dos entrevistados) sofreu um ou mais impactos atribuíveis ao clima em mudança nos seis meses anteriores à pesquisa. Isso significa que, para a maioria das catadoras e catadores, a mudança climática já é uma realidade vivida. Elas e eles expressaram uma compreensão de como seu trabalho está interligado com condições ambientais mais amplas em todo o mundo.

Apesar desses desafios, o estudo mostrou que as catadoras e catadores desenvolvem uma série de estratégias para lidar com os diferentes impactos das mudanças climáticas sem, contudo, terem acesso a apoios consistentes para o enfrentamento da questão. Faz-se necessário que temas como infraestrutura de trabalho sensível ao clima (galpões de triagem adequados ao calor extremo e chuvas torrenciais por exemplo), sensibilização ambiental, saúde ocupacional das catadoras e catadores, entre outros aspectos, façam parte dos planos de adaptação climática das cidades. A questão de catadoras e catadores de rua, em especial dos autônomos, foi destacada no estudo que evidenciou que, enquanto esses trabalhadores são os que mais sofrem os impactos de eventos extremos, são os que também dispõem de uma rede de apoio mais frágil.

Um segundo ponto de destaque da pesquisa é chamar a atenção para o fato de que as cidades têm uma grande responsabilidade nas alterações que vêm provocando as mudanças climáticas (devido ao aumento da população e dos poluentes, diminuição das áreas verdes etc.) mas também uma capacidade única de enfrentar os desafios da mudança climática global. As escolhas feitas nas cidades hoje, em relação à infraestrutura urbana duradoura, determinarão a extensão e o impacto das mudanças climáticas, nossa capacidade de alcançar a redução necessária nas emissões de gases de efeito estufa e nossa capacidade de nos adaptarmos às mudanças climáticas. A implementação de sistemas lixo zero que passem por programas de reuso, redução do consumo, compostagem e coleta seletiva solidária (com contratação de catadoras e catadores) é uma das respostas à questão da emergência climática.

Em plena realização da Conferência do Clima – COP28, é crucial pautar a questão da justiça climática e trazer à luz a forma como grupos em vulnerabilidade social são impactados pelas mudanças climáticas. As catadoras e catadores de materiais recicláveis estão na linha de frente das mudanças climáticas nas áreas urbanas. Do aumento das temperaturas às mudanças nas condições de trabalho, esse novo estudo destaca o papel vital que catadoras e catadores desempenham na gestão dos resíduos urbanos e como eles enfrentam os desafios de um clima em mudança no Brasil.

O papel central das catadoras e catadores na redução da utilização de recursos naturais e na minimização dos resíduos é fundamental para a construção de economias circulares e para a mitigação das emissões de carbono. A contribuição das catadoras e catadores na mitigação dos gases de efeito estufa (GEE) foi um dos aspectos destacados na Carta Compromisso que o Ministério Público de Minas Gerais, através da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Social (CIMOS), assinou com a WIEGO no lançamento da pesquisa, em 7 de novembro de 2023, que prevê o uso da calculadora de GEE da WIEGO (https://www.wiego.org/ghg) pelo MPMG/CIMOS no estado de Minas Gerais. Outra carta compromisso assinada foi entre o Fórum Municipal de Lixo e Cidadania de Belo Horizonte com a WIEGO, na qual o Fórum se comprometeu a trabalhar no monitoramento dos impactos das mudanças climáticas nas cooperativas de catadoras e catadores de materiais recicláveis em Belo Horizonte.

Uma importante mensagem para a COP28 que o estudo da WIEGO destaca é que o fortalecimento da resiliência das catadoras e catadores contribui na resiliência da cidade como um todo. O tempo para a ação climática é hoje, é agora, é já!

Dra Sonia Dias – sonia.dias@wiego.orgEspecialista global em resíduos sólidos – Women in Informal Employment: Globalizing and Organizing (WIEGO); Membra da Frente Ampla Democrática Socioambiental (FADS).

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Redação

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