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Sobre a sustentabilidade do crescimento econômico

Nassif, aqui vai um resumo de alguns argumentos para artigo que estou escrevendo. Acredito ser importante chamar à atenção o relatório do UNEP visto que ele define o marco e condução das políticas relacionadas à sustentabilidade (mais precisamente, ao que é sustentabilidade, como definição mais bem aceita pelamainstream). 

Com a aproximação do encontro Rio+20 em maio de 2012, e tendo em vista a crescente visibilidade da temática ecológica nos dias de hoje, temos que os pronunciamentos do United Nations Environmental Programme (UNEP – ou, em português Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, PNUMA) ecoam globalmente em diferentes estratos, desde a comunidade acadêmica até empresas e impactando fortemente no modus operandi dos policy-makers e instituições internacionais.

O modo de propagação mais recente desta ideologia de crescimento econômico “verde”, o relatório do “Greening the Economy” do UNEP, busca atualizar a posição de desenvolvimento sustentável da ONU o que representa, ao menos em parte, a posição do mainstream de teoria econômica no que tange a relação entre crescimento econômico e sustentabilidade ecológica.

(Este relatório foi lançado em fevereiro deste ano, e pode ser encontrado aqui:http://www.unep.org/greeneconomy/GreenEconomyReport/tabid/29846/Default.aspx )

A ideia de “esverdeamento” da economia é apresentada como forma gradual de se adequar o funcionamento social e econômico rumo a uma “economia verde”, definida como uma em que seja possível o crescimento econômico contínuo em conjunto com completa sustentabilidade ecológica e grande equidade social.

É interessante notar que a posição do UNEP é de completo otimismo com relação ao cenário futuro possível, e que a ideia de rumar para uma “economia verde” tem a capacidade de alcançar o desenvolvimento sustentável e erradicar a probreza numa escala nunca antes vista, com rapidez e eficiência.

No debate sobre a existência ou não de contradições entre crescimento econômico e sustentabilidade ecológica (trade-off entre progresso econômico e sustentabilidade ecológica) o posicionamento do UNEP é claramente de que este não existe, como transcrito abaixo:

“One of the major findings of this report is that a green economy supports growth, income and jobs, and that the so-called trade-off between economic progress and environmental sustainability is a myth, especially if one measures wealth as stocks of useful assets, inclusive of natural assets, and not narrowly as flows of produced output.” (UNEP, 2011:622)

O segundo ponto do posicionamento do UNEP é que não apenas não existe este trade-off como o cenário futuro projetado é superior em todos os sentidos com relação ao padrão atual de funcionamento da economia (business-as-usual), inclusive no cenário de economia verde há criação de mais empregos, maior rentabilidade em paralelo com a sustentabilidade ecológica.

Este viés de argumentação permeia todos os capítulos do relatório e, por isso, procurarei expor, a seguir, as fragilidades que abragem o relatório inteiro em sua fonte, o capítulo que trata da modelagem econômica utilizada para embasar as conclusões tiradas pelo estudo. É lá onde estão declaradas as premissas e hipóteses utilizadas e que podem ser analisadas de uma maneira crítica.

As premissas do modelo T21 Mundial (T21 World model), utilizado pelo UNEP na construção do “Greening the Economy”, incluem a noção de equilíbrio presente no mainstream econômico, derivado da interação entre os atores econômicos. Outro ponto que deve ser deixado claro é que o tratamento do modelo econômico, apesar de “endogeneizar” algumas variáveis ambientais como os estoques de combustíveis fósseis e ter componentes de consideração em relação às variáveis que compõe a “pegada ecológica”, ainda considera ser possível a substituição de capital natural por alguma combinação de trabalho e capital (através de uma função de produção do tipo Cobb-Douglas), mesmo que de forma não perfeita. Daí é possível traçar o surgimento da sobre-ênfase dada ao papel da tecnologia como poupadora de recursos naturais que permeia todo o relatório em termos como decoupling.

Tim JACKSON (2009) contrasta esta ideia de decoupling com os fatos, por exemplo, de que a escala de melhorias com relação a este paradigma de decoupling é totalmente irreal – num mundo de 9 bilhões de pessoas, a intensidade de carbono deveria reduzir 11% ao ano para estabilizar as mudanças climáticas, 16 vezes mais rápido do que vem declinando desde 1990. Em 2050, a intensidade de carbono deveria ser pelo menos 130 vezes menos do que é hoje. Para o autor, não há um cenário crível e justo social e ecologicamente para uma economia de 9 bilhões de pessoas. Neste contexto, a assunção simplista de que a propensidade intrínseca do capitalismo em relação ao aumento de eficiência vai estabilizar o clima e nos proteger contra a escassez torna-se, no mínimo, discutível.

Com relação à suposta neutralidade científica do texto do UNEP, um comentário que acredito ser bem cabido aqui advém de Marcos  NOBRE (2002), onde ele expressa de maneira clara a opinião da qual partilho com relação a institucionalização do conceito de desenvolvimento sustentável e do papel da UNEP como propagadora desta visão:

“Dentre os fatores que permitiriam a conquista e a manutenção da hegemonia, por parte da economia ambiental neoclássica, do conceito de DS [desenvolvimento sustentável], certamente é preponderante o proceso de institucionalização da problemática ambiental […] Mas poderíamos listar ainda outros fatores, como: a teoria econômica neoclássica já é previamente hegemônica no campo mais amplo da teoria econômica; o rigor formal das formulações neoclássicas em geral e para o DS em particular reveste tais formulações da chancela do “científico” e, portanto, garante sua aceitação como “verdade” em amplos círculos; a abordagem neoclássica demonstra grande capacidade de prover, nos seus termos, respostas “precisas” e diretrizes operacionais claras; as principais instituições econômicas, principalmente a dos países centrais e as agências multilaterais, apropriam-se política e ideologicamente das formulações ambientais neoclássicas, fechando e realimentando o ciclo de formação de hegemonia.”

Com isso, complementa Marcos NOBRE (2002), incorre-se em que hoje a crítica da perspectiva neoclássica é também a crítica dessa determinada apropriação da noção de desenvolvimento sustentável que desfruta de posição hegemônica no debate, não sendo assim descabido, na minha opinião, tratar dos problemas de formulação teórica e expôr o viés neoclássico que fundamenta o modelo econômico, visto que é com base nisso que o relatório do UNEP se sustenta.

A grande jogada por trás do conceito de desenvolvimento sustentável utilizado pelo UNEP é que conseguiu-se esvaziar-se o debate sobre suas contradições através da “vaguidão” de sua definição, abarcando duas visões antagônicas (preservacionistas e desenvolvimentistas) sob o mesmo semblante, que proclama a “desmistificação” do conflito entre crescimento econômico e sustentabilidade, legitimando seu argumento conciliador entre os dois através de um modelo econômico que traz imbuido em sí, implicitamente, o modo de apreender o mundo dado pela economia neoclássica.

Como último comentário aqui, acredito ser de suma importância notar que o conceito de desenvolvimento sustentável está longe de ter uma definição precisa e ainda mais distante de estabelecer um campo “neutro” de disputa política, o que implica que para fazer uma leitura crítica de UNEP (2011) é necessário, antes de mais nada, atentar para o seu caráter político como reforçador de uma definição específica de desenvolvimento e de sustentabilidade.

Vitor Bukvar Fernandes,

Mestrando em Desenvolvimento Econômico pela UNICAMP.

bibliografia:

UNEP. Greening the Economy – Pathways to Sustainable Development and Poverty Eradication. 2011.

NOBRE, Marcos. Desenvolvimento sustentável: origens e significado atual. In: NOBRE, Marcos e AMAZONAS (org.), Maurício de Carvalho. Desenvolvimento Sustentável: A Institucionalização de um Conceito. Ed. IBAMA. Brasília, 2002.

JACKSON, Tim. Prosperity without growth? The transition to a sustainable economy. 2009.

Luis Nassif

Luis Nassif

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