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Entrevista com o rapper De Leve

O artista fala sobre seu novo trabalho, agora nos quadrinhos.

Um dos rappers brasileiros mais influentes, o niteroiense Ramon Moreno foi um dos fundadores do coletivo Quinto Andar. Depois se lançou em carreira solo como De Leve, mantendo o humor ácido e o sarcasmo de suas críticas sociais bem-humoradas. A leveza do seu estilo ajudou a quebrar barreiras e levou o rapper a atingir um público maior. Lançou três discos solo O Estilo Foda-se, Manifesto 1/2 171 e De Love, além de Piratão com o Quinto Andar – e um EP com Speed Freaks, em 2010. Teve que se afastar da música para cuidar do filho, porém, depois do hiato, lançou o EP Estalactite, com muito funk, beats feras, suingue e o deboche de sempre.

 

Seu mais recente trabalho é a história em quadrinhos Que Nem Morcego, sobre um MC iniciante que descobre ter o dom da rima e de perceber a vibração dos beats. Publicada na coletânea Na Quebrada, da editora Draco, a HQ foi escrita em parceria com o roteirista Cirilo Lemos (O Alienado, E de Extermínio, Devorados) e tem desenhos de Giovanni Pedroni (Kimera – A Última Cidade e Space Opera em quadrinhos).

 

 

Abaixo segue uma entrevista que fiz com rapper.

 

O que o De Leve quer?

De leve quer mexer com sua imaginação e com seu humor por intermédio do rap. Às vezes, costumam achar que o rap é uma crítica social o tempo todo e que, por ser assim, precisa ser didático e chato, e não zoado e bem-humorado. Quando veem que é possível fazer os dois ao mesmo tempo e ainda assim fazer música, costumam mudar sua percepção sobre o gênero musical. É o que quero, desmistificar o gênero. Estou nessa há quase 20 anos. Humildemente, consegui bastante coisa e continuo conseguindo. Devagar e sempre, como o Caramujo Sonolento (um outro personagem meu dentro do rap, além de De leve).

 

Como o pessoal da quebrada se relaciona com arte e entretenimento, seja como público, seja como artista?

A arte de rua, a música de rua, as rodas de rima, hoje funcionam muito como a praça funcionava tempos atrás. Nelas as pessoas se reúnem, algumas se expressam nas rimas, outras nas roupas e tatuagens que usam e outros nas latas de spray. É um ambiente muito dinâmico, e nele as pessoas se encontram, nem que seja para conversarem e apreciarem o ritmo que faz suas cabeças e mexe com seus pescoços. É desse ambiente que geralmente sai o novo MC do momento, o grafiteiro que você admira ou o DJ do artista que você vê na televisão.

 

Como a cultura hip hop, o rap, o break, o grafite, que nascem nos guetos americanos, ganham uma identidade brasileira? Qual o ingrediente que a nossa cultura negra traz à mistura?

Curioso é que o Brasil não costuma inventar muita coisa, mas transformar o que passa por aqui. Seja comida, esporte, ritmo, religião, não importa. Sendo assim, o nosso ritmo ganhou chinelos, bermudas, camisetas e misturas rítmicas que só poderiam ser feitas em nosso solo. Interessante observar que, mesmo em ambiente americano, o rap de lá também foi feito por diversas culturas que viviam nos guetos, fossem judeus, mulheres, negros, latinos, jamaicanos, cada um expressava um pouco de sua cultura por intermédio da cultura hip hop. Ou seja, o que já veio misturado ganhou azeite de dendê e farinha de aipim.

 

Por que você escolheu o rap como forma de se expressar? Como você encontrou a sua identidade aí?

Eu me vi no hip hop ainda bem cedo, com meus 14 anos, numa época em que chegar à cultura e aos discos e vídeos dava muito trabalho, e demorava um bocado. Mesmo assim, nunca desistimos de nos reunir pelas batidas, que tanto falavam conosco, com nossos ouvidos, com nossas emoções. Nessa época, éramos muito poucos e não éramos bem-vistos (risos). Hoje, o ritmo é o mais popular do mundo, inclusive entre os meus amigos que muitas vezes diziam que eu ouvia “música de maluco com uns caras falando sem parar”. Era o que me diziam à época.

 

Por que as formas de expressão artística do negro, da favela, são marginalizadas pela classe média e a mídia mainstream?

A visão eurocentrista colonizada da nossa elite econômica e intelectual vê como inferior as expressões artísticas do povo. É tanto histórico quanto errado. Por isso, dão pouco valor à nossa arte e só passam a valorizá-la quando algum artista consegue ultrapassar essa visão e faz sucesso em outra sociedade, outro país. Daí, então, pode ser que vejam alguma virtude em nossa arte. Mas não acho que temos que pensar muito nisso, temos mais é que fazer arte para os nossos mesmo. São eles que vivem o que escrevemos, entendem, valorizam e para eles que devemos focar nossa arte.

 

O seu trabalho mais recente é a história em quadrinhos Que Nem Morcego, publicada na coletânea Na Quebrada, da editora Draco. Como foi a experiência pra você? Foi novidade?

Foi inédito pra mim. Admiro a nona arte muito, mas nunca havia participado de nada parecido. Quando vi que a Draco tinha aberto oportunidade para novos talentos para essa coletânea, pensei “por que não?” e me envolvi e saí escrevendo. Quando fui selecionado, fiquei muito feliz, mas aí era que o trabalho começava, e sem a ajuda de Cirilo Lemos [corroteirista] eu não teria feito metade do que fiz.

 

Como a linguagem dos quadrinhos pode contribuir para a expressão dos temas da periferia no Brasil?

O quadrinho independente acaba fazendo um resgate e funciona como se fosse um cordel urbano, chegando diretamente ao público direcionado e falando sua língua, sobre sua vivência, seus dilemas e problemas e também sobre suas esperanças e desesperos.

 

A coletânea “Na Quebrada – Quadrinhos de hip hop”, da editora Draco, reúne oito histórias de 20 páginas sobre o universo do rap, do grafite, do break e do estilo de vida da periferia, e está em pré-venda na plataforma Catarse, com diversas recompensas (www.catarse.me/naquebrada).

 

Para acompanhar o De Leve, siga-o no Instagram.

 

E também:

https://deleve.bandcamp.com/

https://open.spotify.com/artist/36BZD4FCNMALjIkKSpJABE

 

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