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Comunicação livre e plural é pressuposto da democracia

Sugerido por Assis Ribeiro

Do Correio Braziliense

Atraso na comunicação impede avanço da democracia

Helenice Brant

Jornalista, foi diretora de jornalismo da Radiobrás e gerente-executiva da Empresa Brasil de Comunicação (EBC)

Democracia só é plena quando a sociedade é capaz de produzir e acessar informações e conteúdos culturais em volume e qualidade suficientes para acompanhar, debater e deliberar sobre o próprio destino. Democracia, portanto, pressupõe comunicação livre, plural e diversificada. Mas, no Brasil, as estruturas de comunicação ainda são as mesmas dos anos de chumbo e reservam a um pequeno grupo o controle dos meios de produção e de transmissão de conteúdos. Não é à toa que as manifestações iniciadas em junho reclamam amplos espaços de diálogo e revelam que novos canais de comunicação estão sendo abertos com ou sem as instituições formais.

O movimento de democratização da comunicação, iniciado em 2006 pelo presidente Lula (as marcas mais nítidas são a Empresa Brasil de Comunicação, EBC, e a Conferência Nacional de Comunicação, Confecom), perdeu força no governo Dilma. A discussão de nova Lei dos Meios, que enfrenta questões como o monopólio da mídia e a concessão de rádio e de televisão a políticos, saiu da agenda do Ministério das Comunicações.

O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, engavetou a proposta de novo marco regulatório das telecomunicações, o que prolonga o entulho autoritário e coloca o Brasil em posição de atraso em relação a vizinhos como Argentina, Uruguai, Venezuela e Bolívia, que já fizeram suas leis dos meios e regulamentaram a comunicação em bases democráticas. Bernardo é também responsável pelo freio na política autônoma de banda larga, área estratégica para o desenvolvimento e para a soberania do país.

A EBC, por sua vez, se afasta da missão de produzir conteúdos tão criativos, inteligentes e inovadores a ponto de tornar a tevê pública alternativa viável às tevês privadas. A TV Brasil, seis anos depois de sua criação, em vez de avançar, tergiversa. É importante descontar os primeiros quatro anos de organização da empresa, quando se tratou de criar um modelo de gestão capaz de conciliar as vicissitudes da burocracia estatal com a agilidade e criatividade necessárias a uma tevê pública. A infraestrutura precária foi expandida e modernizada. Essa fase consumiu quase todo o mandato da primeira diretoria da EBC, mas houve tempo de traduzir em conteúdos televisivos um pouco das expectativas do 1º Fórum Nacional de TVs Públicas. 

A programação infantil da TV Brasil é um exemplo. Em pouco tempo, oferecia programação de qualidade em faixa que a mídia comercial abandonou. Outra a destacar é a série Nova África, que cumpriu pelo menos três fundamentos da tevê pública: foi resultando de um pitching — modelo ágil, transparente e democrático de aquisição de conteúdo; é realizada por produtores independentes e trouxe para a tevê aberta conteúdos inéditos sobre uma região negligenciada na mídia comercial. Nova África é uma inovação dentro do processo de construção de uma política pública de comunicação, mas parece que não sobreviverá à segunda temporada. 

Mas é no jornalismo que a EBC se mostra mais distante da comunicação pública moderna. Os telejornais da TV Brasil não se diferenciaram no conteúdo, não inovaram na forma e em nada contribuem para qualificar o debate sobre questões relevantes para o país. Cada edição que vai ao ar comprova esse anacronismo. Mas foi em junho, durante as manifestações que tomaram as ruas em todo país, que o problema ficou gritante. 

No dia 19, quando as manifestações ganharam proporções históricas, o mundo olhou para o Brasil. Premidas pelos fatos, as emissoras de televisão passaram a transmitir ao vivo, a debater, buscar explicações. Só a TV Brasil seguiu com sua programação gravada. Já quase no fim da noite, colocou no ar um telejornal burocrático que nem remotamente conseguiu expressar a força, a potência e o caráter transformador das manifestações. Tem sido assim, alheio e frio, o jornalismo praticado pela TV Brasil. 

Com base no imperativo constitucional que sustenta a existência da tevê pública, o que se espera é que a TV Brasil tenha linha direta com a sociedade, que seja uma caixa de ressonância dos anseios das ruas, uma arena de crítica e de análise da contemporaneidade, espaço de criação e de experimentação de novas formas de entender e interpretar o mundo. Lamentavelmente, a TV Brasil está longe disso. Mas a hora é boa para corrigir os rumos, buscar a sintonia e avançar.

Luis Nassif

Luis Nassif

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