Sobre depoimentos, manchetes e agenda da mídia, por Luís Felipe Miguel

Sobre depoimentos, manchetes e agenda da mídia

por Luís Felipe Miguel

Vamos supor que, em determinado país, houvesse uma megaoperação judicial destinada a “limpar” a política, liderada por um magistrado alçado à posição de salvador da Pátria. Que dessa operação nascesse a derrubada de uma presidente eleita pelo povo, a denúncia e prisão de inúmeros políticos, empresários e operadores associados e ainda a quase-criminalização do partido que, até então, era o maior daquele país. Que, em consequência do rearranjo de forças assim produzido, o país mergulhasse num momento de acelerado retrocesso nos direitos sociais e nas liberdades, além da desnacionalização da sua economia.

A megaoperação pautou o noticiário da mídia por anos. Manchete após manchete – e foram muitos milhares dela – a mídia contribuiu para criar a aura de heroicidade em torno do tal juiz. Mesmo com eventuais atropelos, endossou a narrativa de que o país estava sendo passado a limpo.

Eis que surge um depoimento, com apresentação de provas materiais, indicando que o tal justiceiro de terno preto age motivado por outros interesses que não a justiça. Que a megaoperação é enviesada de nascença; que seus efeitos políticos não são consequências das investigações, mas, ao contrário, as investigações são orientadas para obter os efeitos políticos desejados. Que há até uma busca de ganhos pessoais pelo círculo do juiz-herói: que ironia, a redezinha de corrupção formada em torno do sacrossanto combate à corrupção. Denúncias que já tinham surgido antes, mas que agora aparecem sustentadas em evidências mais fortes do que a mera aplicação da lógica.

E o que faz a mídia, diante de tamanho plot twist? Investiga o que o depoimento implica? Reavalia o significado da megaoperação judicial? Exige cautela até que as denúncias sejam de fato comprovadas (em desacordo com seu comportamento em casos que envolviam outras personagens, mas tudo bem)? Desacredita o depoimento com base em outros elementos?

Não. A mídia simplesmente ignora. A Folha, por exemplo, baniu Tacla Durán da capa. Deu uma matéria pequena, no meio de página par, sem as acusações centrais a Moro e à Lava Jato. Parece que o sentido do depoimento era defender Michel Temer.

O pior: isso nem surpreende. Já faz muito tempo que a mídia brasileira perdeu a vergonha na cara.

 

Luis Felipe Miguel

Luis Felipe Miguel

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  •  Uma questão nacional
    Quem é

     Uma questão nacional

    Quem é DD? Seria deltol dalagnan, Djair Djalma, Duís Dinácio ... Pelo amor de Deus, hoje era dia dos moralistas de plantão perguntarem a todos os órgãos de justiça quem é este cara? Mas como já era de se esperar, o velho bordão está em plena ação. "Aconteceu virou manchete " Se não virou manchete é por que não aconteceu. Então, quem tem poder de criar manchetes é quem pode fzer acontecer. Esta foi talvez o grande erro do Pt. Acabar com as fake news deveria ser a prioridade número um da Dlma e do Lula. Exigir a verdade e não a manipulação da máfia pig.

  • Sobre depoimentos, manchetes e agenda da mídia

    O buraco negro da midia sugou o corajoso depoimento do Duran. Viva o JB que foi o único jornal onde consegui ler a reportagem sobre o depoimento. 

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