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A ”pobreza sociológica” do ronck’n roll

Por Antonio C.

Comentário do post “O ativismo no rock’n roll”

Eu me sinto tentado, na maioria das vezes, em não comentar sobre posts musicais. Não apenas pelo fato de verificar que o próprio juízo em relação àquilo que é postado é individual (“cada um tem um gosto”), mas que esse mesmo juízo tem determinantes que não são individuais, como a própria influência da mídia e a formação musical que, de modo administrado, forma o imaginário do julgador. Isso tem se evidenciado sobre a discussão em torno de músicas como as de Michel Teló, música “brega” e congêneres que apareceram por aqui.

Já ouvi muito rock, continuo ouvindo, mas aos poucos percebi a “pobreza sociológica” a que foi relegada sua presença na cabeça das pessoas.

O rock não tem no seu DNA o inconformismo. Daria exemplos diversos de bandas de rock declaradamente de direita, racistas e, inclusive, neonazistas, às expensas das raízes brancas “caipiras” e negras. Aliás, quem deu a pá de cal para o fim da relação entre rock e origem popular foram os Beatles – para o possível horror de seus adorados fãs. Claro, num primeiro momento, isso não tira o valor daquilo que realizaram, mas a ruptura entre a origem social do rock e o rock em si mesmo parte daí.

Antes de tudo, grande parte dos músicos que deram origem ao rock eram pessoas de uma determinada comunidade que faziam música; não eram músicos em si mesmos, profissionalmente . Esse fenômeno é, sobretudo, rural ou de pequenas cidades. Com o processo técnico de eletrificação da música (já por volta de 1940) e da urbanização, a música country e o blues (na verdade, o boogie woogie) tomaram conta da garotada. Por questão de espaço, simplifico: o rock surge no espaço em que a população juvenil explode (baby boomers) ao fim da Segunda Guerra, uma economia pujante (dinheiro para gastar) e essa população não se identifica com as origens rurais da música e muito menos com a música adulta “dance hall”. É nesse vácuo que o rock fica comercialmente viável.

Quanto ao inconformismo do rock, talvez as plateias brancas e de classe média ficassem horrorizadas com o estilo do Elvis, dos cabelos mais compridos dos Beatles e dos Stones (aliás, se esses dois último pagassem os direitos autorais das músicas que executaram e gravaram, tirariam muita gente boa da penúria eterna). Porém, é no folk e em subculturas juvenis que não devem em nada ao rock que vão surgir aspectos de tolerância mais fortes. O Bob Dylan e o Bruce Springsteen devem até a medula para o Woody Guthrie para o que fizeram. Paul Robeson e Sam Cooke já tinham o ativismo musical em larga escala. O último, aliás, aprendeu como ninguém – apesar da morte precoce – a cuidar de si mesmo e de seus negócios. Ele fazia uma dupla realmente perigosa com uma pessoa nada musical, mas brilhantemente arrogante, Muhammad Ali.

O rock não tem sua base na comunidade, mas, antes de tudo, cria a partir da identificação de valores que são potencialmente comerciais. A capacidade de tornar tudo mercadoria é imanente ao capital. Por isso, o conformismo do rock é sui generis: abre um espaço de expressão que não se canaliza diretamente à política, afrontando-a. Se, hipoteticamente, uma pessoa ouve rock e “toma consciência”, chegará um momento que, essa consciência mesma, verá os limites do rock como expressão política. Como depende de projeto, de proposta, compreender aspectos de política, de economia, de história que, pela sua própria forma (tempo de execução, acesso e gosto dos ouvintes), o rock não é capaz de fazer análise, ele vai, aos poucos, se colocando em segundo plano.

Bem, o Pearl Jam tocou com o guitarrista Reaganmaniac, qual o nome dele? Ah, lembrei. o Neil Young. “Keep on Reagan for a Free World”. Mas quem levou a fama foi o Bruce Springsteen, que cantou de fato o outro lado da América, aquele que fracassou. Mas quem se importa?

Bem é um resumo, cheio de aparas, de vazios. Porém, nada linear e ideológico, como se faz em relação aos discursos sobre a suposta politização do rock que, para mim, é uma bela e lucrativa mercadoria. Mas tudo deve permanecer como antes: e, claro, virão as pedras.

Luis Nassif

Luis Nassif

View Comments

  • Discordo.
    Primeiramente,

    Discordo.

    Primeiramente, mesmo as bandas citadas tendo um forte impacto na história, para um universo musical tão abrangente que é o rock, foi uma matéria muito mal "resumida". Em nenhum momento você citou aspectos "sociológicos", no quais eu esperava ler. Os Beatles foram importantíssimos sim para o que o rock se tornou hoje, e não digo esse rock patético que se é ouvido nas rádios, televisões e propagandas pela internet, aliás, quem dá importância para isso realmente verá uma pobreza sociológica. A mídia vende a música podre para pessoas sem cabeça e opiniões formadas por idéias de Facebook.  O mundo é maior do que isso, eu e muita gente que conheço, seriamos uns tapados se não conhecessemos bandas que realmente tem uma opinião de protesto, conteúdo que realmente vale a pena e que tem um papel social muito forte, e que estão nas cenas do Underground. E não somente o Underground, há bandas realmente famosas com uma forte pressão social. Desculpe, mas sua crítica foi totalmente vazia. 

    Isto não se aplica somente para um estilo musical, e sim para todos. O que vale é o dinheiro, e à partir disso são criadas formas de lucrar. Bandas famosas são empresas. Michel Teló é uma empresa, e não um artista, como o Iron Maiden se tornou uma empresa também. Porém, não confunda estes, pois um é sobre boa música, com letras realmente boas e à partir de um momento também é feito para vender, ao contrário do outro, que é apenas material fácil para vender à uma população totalmente sem cultura e uma verdadeira pobreza sociológica.

    O que também ficou evidente, foi uma  opinião sobre as pessoas e não os artistas. Pessoas são diferentes umas das outras (claro, nem sempre), e se olhar para este lado de como os artistas são, desculpe, mas ninguém iria gostar de música, pois o que é bom para você, não é bom para o artista, ou para outra pessoa.

    Sobre o inconformismo, outro erro grotesco de quem vive em um mundo onde só se conhece música pela mídia ou não é aberto a novas coisas. O samba começou com letras bacanas desdo amor até críticas sociais e políticas, porém surgiu o pagode que é algo ruim em todos os sentidos.

    Aliás, na cena hip-hop, também se encaixa o rock, em uma mistura das duas e em termos de crítica e protesto, não há na música algo mais forte que isso. Rock não é feito somente para classe média para cima.

    O que ficou claro foi a opnião de um jornalista sem base alguma. No que se encaixa uma frase, "não sabe nem tocar parabéns pra você na flauta, e quer dar opinião sobre música".

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