Categories: CulturaMúsica

Cartola para sempre

Foi num domingo. Seria um domingo qualquer, não fosse nele que morreu Cartola. Foi num domingo, 30 de novembro de 1980, que Angenor de Oliveira silenciou para sempre o seu talento. Setenta e dois anos de vida tinha o fundador da Estação Primeira da Mangueira quando se foi.

Onde andará Cartola, morto e sempre presente? Ausente de corpo, mas vivo em seus sambas? Ele reside em nossa memória. Poucos compositores foram tão sofisticados quanto ele; poucos tiveram o poder de exalar modernidade de forma tão simples; poucos falaram de coisas comuns com tamanha emoção. Cartola vive porque, vendo-o como um dos seus maiores criadores, a música lhe rende louvores agradecidos.

Em 30 de dezembro de 1978, dois anos antes de falecer, Cartola fez um show no Ópera Cabaré, uma casa noturna paulistana. Essa que foi sua última aparição em público estaria fadada ao esquecimento, não fosse a iniciativa do produtor J. C. Botezelli, o grande Pelão (ele que produziu o primeiro disco do mestre), de registrar o espetáculo ao vivo.

E é este show que está sendo relançado, agora em CD, pela Kuarup. Um parêntese: esta gravadora foi criada por Mario de Aratanha em 1977 e encerrou suas atividades em 2009. No início de 2010 um grupo de investidores paulistas, tendo à frente Alcides Ferreira, assumiu o acervo dos mais de 200 álbuns da gravadora. Agora, aos poucos, esses discos estão voltando ao mercado. Isso é ótimo, pois a Kuarup dos anos 1970, revitalizada nesses anos 2000, está para a música popular com esteve a Elenco, de Aloysio de Oliveira, nos anos 1960. Fecha o parêntese.

No show do Ópera Cabaré, Cartola tinha a acompanhá-lo o Regional de Evandro do Bandolim, que contava ainda com Pinheiro no violão, Lucio no cavaquinho e Zequinha e Silvio Modesto no ritmo.

O show começa com “Alvorada” (Cartola, Hermínio Bello de Carvalho e Carlos Cachaça). Seguem “O Mundo É Um Moinho” (Cartola), “Sim” (Cartola e Oswaldo Martins), “Acontece” (Cartola), “Amor Proibido” (Cartola), “As Rosas Não Falam” (Cartola), “Verde Que Te Quero Rosa” (Cartola e Dalmo Castelo), “Peito Vazio” (Cartola e Elton Medeiros), “Alegria” (Cartola), “O Inverno É Meu Tempo” (Cartola e Roberto Nascimento) e “O Sol Nascerá” (Cartola e Elton Medeiros).

Que repertório! Seu registro tem grande importância histórica, pois além de ter sido o último, tudo nele é sublime. Os arranjos do Regional são simples, intimistas – competentes, esbanjam compreensão da música de Cartola. Muito à vontade, grande cantor de suas músicas, sua voz poderosa e afinada cria divisões que acrescentam ginga aos belos versos. Sua dicção é impressionante. A mixagem é caprichada…

Enfim, Cartola ao vivo – seu último show gravado é um CD a ser ouvido, pois faz jus a tudo o que estamos convictos de que Cartola é: um compositor genial que criou sambas que habitam o nosso imaginário afetivo.

Mas onde andará Cartola? Ora! Em nós que amamos música de qualidade, aquela que fala ao povo brasileiro.

Aquiles Rique Reis é músico e vocalista do MPB4

Aquiles Rique Reis

Músico, integrante do grupo MPB4, dublador e crítico de música.

Aquiles Rique Reis

Músico, integrante do grupo MPB4, dublador e crítico de música.

Recent Posts

Dois meses após transplante, morre o primeiro paciente a receber rim de porco

Procedimento representou marco na medicina e foi comandado por brasileiro; em 2021, transplante foi testado…

26 minutos ago

Das 441 cidades em calamidade no RS, só 69 pediram recursos federais

Para municípios de até R$ 50 mil habitantes, o governo adianta R$ 200 mil em…

49 minutos ago

Rio Grande do Sul tem previsão de mais chuva forte no domingo

Avanço intenso de massa polar vai provocar queda nas temperaturas, que pode chegar a 0°C…

1 hora ago

Morre Amália barros, deputada federal do PL, aos 39 anos

Vice-presidente do PL Mulher, Amália era próxima de Michelle Bolsonaro e foi eleita pelo MT…

2 horas ago

Comunicação no RS: o monopólio que gera o caos, por Afonso Lima

Com o agro militante para tomar o poder e mudar leis, a mídia corporativa, um…

18 horas ago

RS: Por que a paz não interessa ao bolsonarismo, por Flavio Lucio Vieira

Mesmo diante do ineditismo destrutivo e abrangente da enchente, a extrema-direita bolsonarista se recusa a…

20 horas ago