João Donato, um estilo, por Aquiles Rique Reis

João Donato teve relançado Live Jazz in Rio vol. 2 – O coro tá comendo (Discobertas). Nele, acompanhando João Donato, estão Luiz Alves (contrabaixo), Ricardo Pontes (sax e flauta) e Robertinho Silva (bateria).

Ao compor, é como se ele primeiro criasse células melódicas, cantarolasse-as sobre harmonias aparentemente simples e levadas suingadas, resultando não em uma mera composição, mas em música de João Donato – um estilo.

Seu piano tem jeitão inconfundível, mesmo a sua voz, que não chega a ser de um virtuoso do bel canto, traduz fielmente o que se passa na cabeça deste criador de requintes insofismáveis, compositor criativo, pianista talentoso. Um cara que, expressando-se de tantas e tais formas musicais, além de ser um criador sui generis, figura entre os maiores compositores brasileiros. João Donato é a exata e perfeita tradução da qualidade da nossa música – ele é imenso, ainda que sua personalidade o leve a quase camuflar tal predicado.

Sempre acompanhado por músicos que, além de igualmente virtuosos, sacam como poucos a sua grandeza, o palco funciona como trampolim para João Donato. E é saltando dessa plataforma mágica que mestre João Donato alça voo para prover sua genialidade musical.

O CD inicia com uma de suas composições bastante conhecida, “Minha Saudade”, de João Donato e João Gilberto – que dupla, hein?! Donato segura o solo no piano. Logo o sax de Ricardo Pontes se junta a ele para repetirem a melodia. O piano retoma o solo. A bateria de Robertinho Silva e o baixo de Luiz Alves pulsam o samba. O sax improvisa, logo a seguir o piano também se esbalda numa primorosa sequência de compassos. Diferentemente de quando só percute as notas da melodia, o piano passa a ser ouvido com acordes soando em blocos de notas. A bateria faz um curto improviso, recurso este logo assumido pelo baixo. O cowbell da bateria soa, e os quatro gritam: “Alô, seu João!” A seguir, o piano volta a tocar a  melodia: na primeira vez em uníssono com o sax, a seguir, sozinho. Todos voltam a se juntar. Meu Deus!

Gravado ao vivo, escuta-se aplausos calorosos. Reação que acende o palco, transformando-o numa festa íntima, onde os convidados divertem-se tocando.

Seguem-se dois bons temas instrumentais (ao todo são quatro). “Rio Branco” (Donato), quando o piano começa e logo o baixo (suingado) e a bateria (de levinho) se achegam, antecedendo a flauta (soando bonito) e o piano “comentando” a melodia.

E “Na Barão de Mesquita” (JD e Paulo Moura), um samba que tem o piano e o sax tocando células harmônicas que se repetem e contagiam o suingue de baixo e bateria.

O disco segue rolando o som em mais oito músicas de João Donato. Ao final delas, solidifica-se a certeza de estarmos diante de um músico prodigioso. Um sujeito que tem a generosa capacidade de, mesmo produzindo obras sofisticadas, fazer com que soem simples. Assim permitindo que os fãs amem mais a sua música e possam ainda mais curtir seu talento de mestre.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4

Aquiles Rique Reis

Músico, integrante do grupo MPB4, dublador e crítico de música.

Aquiles Rique Reis

Músico, integrante do grupo MPB4, dublador e crítico de música.

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