O encontro de Baden Powell e Jimmy Pratt


Foto: Baden Powell e Jimmy Pratt

Baden Powell e um time de craques, com a presença do baterista norte-americano Jimmy Pratt, em seu terceiro álbum, de 1962, numa de suas gravações mais antológicas, com a duração de praticamente um set de vôlei, nos brinda com sacadas geniais de tirar o fôlego de qualquer um.    

Um pouco de história: o encontro com Jimmy Pratt

A cantora Caterina Valente no Brasil

Em 08 abril de 1961, Caterina Valente desembarcou no Brasil acompanhada do baterista norte-americano Jimmy Pratt. A cantora de múltiplas nacionalidades, era a artista mais difícil de situar no mapa do mundo, sendo de origem italiana, nascida na França e criada na Espanha, mas de nacionalidade alemã. Conforme matéria do Diário de Notícias/RJ, de 20 de abril de 1961, “Caterina Valente Viu a Bossa Nova e Gostou: Vai Gravar na Europa”. Ela já chegou se revelando fã de João Gilberto, com quem se encontrou e deve ter aprendido algumas notas musicais, Maysa e Tom Jobim. Caterina Valente disse ainda ser apreciadora da música brasileira, especialmente da bossa nova, e que vai levar para Europa um álbum completo dessas músicas para gravar. Afirmou também que pretende voltar outras vezes ao Brasil. Caterina Valente, considerada ‘a cantora mais musical do mundo’, se hospedou no Copacabana Palace, contando as peripécias de sua longa vida de artista, que se iniciou aos cinco anos de idade, quando acompanhava seus pais em turnês pela Europa. A sua presença foi a face mais positiva no programa ‘Noite de Gala’, que a TV Rio apresentou em 8 de maio de 1961, cantando em alemão, francês, inglês, espanhol e até em português palatável a ‘Maracangalha’ de Dorival Caymmi (embora ela já tivesse gravado esta canção em francês como ‘Eh!Oh! / Le chapeau de paille’, em 1959/60). Antes, em 11 de abril, ela se apresentou no Teatro Record de São Paulo, na rua da Consolação, 1992, onde cantou ‘Recado’ de Luiz Antonio e Djalma Ferreira e ‘One note samba/Samba di una nota’ de Jobim e Newton Mendonça, dentre outras de seu repertório. Mais tarde, ela homenagearia Banden e Vinicius com o ‘Canto de Ossanha’ num recital em Londres, em 1971.  

Caterina Valente no Brasil
Canções:
Eh! Oh! / Le Chapeau De Paille / Maracangalha (Dorival Caymmi)
Recado (Luiz Antonio & Djalma Ferreira)
One Note Samba / Samba Di Una Nota / Samba De Uma Nota Só (Tom Jobim & Newton Mendonça)
Canto De Ossanha (Baden Powell & Vinicius de Moraes)

https://www.youtube.com/watch?v=Gpm_IwvOjHk align:center]
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O baterista Jimmy Pratt

O baterista Jimmy Pratt tocou com diferentes músicos de jazz desde os anos 40 e 50, e com ninguém menos que o saxofonista Charlie Parker e outros jazzistas de estirpe como Zoot Sims, Tex Beneke, Oscar Pettiford, Bud Shank, Stan Getz, além de Doris Day e Anita O’Day. Quando veio ao Brasil acompanhando a cantora Caterina Valente, o produtor Aloysio de Oliveira estava instalando seu selo Elenco e resolveu reunir os dois: “quando o baterista Jimmy Pratt esteve no Brasil acompanhando Caterina Valente, ouviu Baden tocar violão e como todas as pessoas que foram expostas à arte de Baden, ficou profundamente entusiasmado. Este entusiasmo provocou a ideia desta gravação. E da gravação nasceu também a amizade e a admiração mútua entre os dois artistas. ‘Baden Powell Swings com Jimmy Pratt’ é uma homenagem de Baden a seu amigo e colega americano”, afirmou Aloysio de Oliveira. Com direção do próprio Jimmy Pratt, e fiel ao sobrenome, Jimmy se utiliza bastante dos pratos, mas também usa e abusa das escovinhas na bateria. O álbum ainda contou com um time de artistas brasileiros para ninguém botar defeito, como os flautistas Jorginho Ferreira e o mestre Copinha, o clarinetista Sandoval, o saxofonista Moacir Santos, o percussionista Rubem Bassini e o baixista Sergio Barroso. Realmente um timaço de craques.
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O maestro Moacir Santos

O saxofonista, arranjador e maestro Moacir Santos afirmava que “o jazz é sofisticação, é excelência”. Ao se mudar para os Estados Unidos em 1967, lembra que, antes de chegar àquele país, ele chegou a imaginar que o músico americano era de outro planeta, devido ao nível elevado de sua produção. “Chegando lá, no entanto, observei que tanto o melhor quanto o pior músico estavam lá trabalhando e ganhando dinheiro”. A propósito da opção curiosa de nomear suas músicas simplesmente com o substantivo coisa (Coisa nº 1, Coisa nº 2 etc.), ele recorda que a mania nasceu na casa do parceiro Vinicius de Morais, no Rio de Janeiro, onde também estavam Baden Powell e Alaíde Costa: “íamos fazer uma gravação com o baterista americano Jimmy Pratt e o engenheiro de gravação perguntou o nome da música e eu respondi que era uma coisa. Aí me ocorreu a idéia de enumerá-las”, conta o maestro, confessando que na época em que foi aluno do alemão Hans-Joachim Koellreuter, também já falecido, ele sentia uma verdadeira inveja dos eruditos que nomeavam suas peças de opus. “Como a minha música é popular, troquei o opus por coisa”, concluiu.
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Baden Powell

Em 1959, com 22 anos, contratado pela Philips, atuou em discos de Paulo Moura, Carlos Lyra, Elizeth Cardoso e do estreante Roberto Carlos. Em apenas dois dias, gravou seu primeiro disco solo, ‘Apresentando Baden Powell e seu violão’. Em 1960, tocou com Marlene Dietrich num espetáculo da grande diva no Rio de Janeiro. Neste mesmo ano, apresentou-se com um conjunto de dança na boate Arpège, no Leme, após um show de Ary Barroso e Tom Jobim. Na plateia, estava o poeta Vinicius de Moraes, que ficou impressionado com aquele jovem violonista. Após alguns desencontros, reencontrou-se com Vinicius no bar do Hotel Miramar. Baden mostrou duas melodias suas e assim surgiram as primeiras parcerias da dupla: ‘Cantiga de ninar meu bem’ e ‘Sonho de amor e paz’. Passou a frequentar assiduamente o apartamento de Vinicius no Parque Guinle. Tornaram-se parceiros de uísque, farras, noitadas e, naturalmente, de músicas.

Em abril de 1960, participou dos festejos da inauguração de Brasília. Em 1961, gravou o segundo LP, ‘Um violão na madrugada’. No ano seguinte, lançou seu terceiro LP, o primeiro pela gravadora Elenco: ‘Baden Powell swings with Jimmy Pratt’. Viajou para os Estados Unidos, onde se apresentou no Ed Sullivan Show ao lado de João Gilberto, Tom Jobim, Milton Banana e Os Cariocas. No que diz respeito à parte coreográfica do evento, ela ficou por conta do dançarino ítalo-americano, radicado no Brasil, Lennie Dale (quem mais poderia assumir tão complicado cargo?) e sua parceira Marly Tavares, que ensinaram ao vivo seis bailarinos americanos como se dançava a bossa nova. Uma pintada de calor em pleno inverno nova-iorquino, que naquele ano bateu recorde de frio. Baden não se espantou com o rigor da temperatura, e ficou uns quinze dias em Nova York. Mas temia por seu instrumento, que ele protegia enrolando-o num cobertor.

Segundo o crítico de música Tárik de Souza “o repertório deste álbum desvela um Baden cada vez mais autoral, sozinho ou com parceiros como Vandré e Vinicius (‘Não é bem assim’ e ‘Vou por aí’, ainda com o título de ‘Tema nº1’, ambas de Baden)”. O destaque para ‘Rosa flor’, parceria de Baden com Geraldo Vandré, e ‘Deve ser amor’, uma das mais belas composições da dupla Baden e Vinícius. Dentre as outras canções de “Baden Powell Swings with Jimmy Pratt”, estão ‘Samba de uma nota só’, de Tom Jobim e Newton Mendonça, que ganhou uma versão cheia de swing, além de duas canções muito originais, que mostram o quanto a nossa música instrumental pode ser rica, aliás, rica e moderna, como ‘Coisa nº1’ e ‘Coisa nº2’, ambas de autoria do requintado maestro Moacir Santos que participa do disco, e uma pepita de raro balanço esquecida no passado ‘Manequim 46’

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O álbum Baden Powell Swings with Jimmy Pratt

01- Baden Powell & Jimmy Pratt – Deve Ser Amor – de Baden & Vinicius

https://www.youtube.com/watch?v=VEKgZMTtNd0 align:center]

02- Baden Powell & Jimmy Pratt – Coisa Nº. 1 – de Moacir Santos & Clóvis Mello

https://www.youtube.com/watch?v=Sm7EMnb1qOM align:center]

03- Baden Powell & Jimmy Pratt – Rosa Flor – de Baden & Geraldo Vandré

https://www.youtube.com/watch?v=LF5uTdeEaJw align:center]

04- Baden Powell & Jimmy Pratt – Tema Nº. 1 – de Baden Powell

https://www.youtube.com/watch?v=ni4skT_EgoQ align:center]

05- Baden Powell & Jimmy Pratt – Encontro Com A Saudade – de Nilo Queiroz & Billy Blanco

https://www.youtube.com/watch?v=WVUgQD8nB2U align:center]

06- Baden Powell & Jimmy Pratt – Manequim 46 – de Monteiro de Souza & Alberto Paz 

https://www.youtube.com/watch?v=tVvBSCRcHPc align:center

07- Baden Powell & Jimmy Pratt – Samba De Uma Nota Só – de Tom Jobim & Newton Mendonça

[video:https://www.youtube.com/watch?v=mvU3YjqZrOc align:center

08- Baden Powell & Jimmy Pratt – Coisa Nº. 2 – de Moacir Santos

[video:https://www.youtube.com/watch?v=FlFa5bytF-I align:center

09- Baden Powell & Jimmy Pratt – Não É Bem Assim – de Baden Powell

[video:https://www.youtube.com/watch?v=juxXXzxBnDU align:center

10- Baden Powell & Jimmy Pratt – Canção Do Amor Sem Fim – de Alaíde Costa & Geraldo Vandré

[video:https://www.youtube.com/watch?v=TqAbB25MyIQ align:center

A gravadora americana Overjazz Records lançou o disco nos Estados Unidos com duas faixas bônus ‘Na baixa do sapateiro’, de Ary Barroso, e ‘Berimbau’, de Baden e Vinicius. 

11- Baden Powell & Jimmy Pratt – Na Baixa Do Sapateiro – de Ary Barroso

[video:https://www.youtube.com/watch?v=FXR4hsxYqR8 align:center

12- Baden Powell & Jimmy Pratt – Berimbau – de Baden  & Vinicius

[video:https://www.youtube.com/watch?v=F6PnwMlk_30 align:center
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Dicas para os mais interessados:
** Caterina Valente no Brasil: AquiAqui & Aqui
** Sobre Baden Powell & LP (EUA): Aqui & Aqui
** Livros (ainda disponíveis no mercado):  
1- O violão vadio de Baden Powell, de Dominique Dreyfus – Aqui & Aqui 
2- Tem mais samba: das raízes à eletrônica, de Tárik de Souza – 
Aqui
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Jota Botelho

Jota Botelho

View Comments

    • Obrigado, Marinha

      É que quem não gostar de Baden não gosta de ninguém! Nesta fase aí, ele já vinha se soltando, com as mãos já livres como um passarinho, das cordas (gaiola) do violão. Esse é um dos patrimônios musicais brasileiros sempre. Tudo nele é bom. Outro grande abraço.

  • Um marco na carreira de Baden

    Ótima lembrança.

    Este disco talvez tenha sido o que tornou Baden Powell conhecido como um instrumentista de primeira.

    Acho que Baden teria gravado antes um desses discos comerciais muito comuns na época. Assim como Elis também gravou. Mas confesso que não tenho certeza, nem, no momento, estou podendo pesquisar.

     

    • Acréscimos

      O que eu posso acrescentar é que Baden participou da trilha sonora do filme Bruma Seca (1960), sendo creditado como o solista do violão no finalzinho do filme (a pegada é inconfundível). Quanto às gravações, pode ter havido sim, embora confesso que também não tenho certeza. O filme pode ser visto AQUI.
      Bruma Seca 
      Direção: Mário Civelli & Mário Brasini
      Cia Produtora: Mário Civelli Produções Cinematográficas
      Local: São Paulo/SP 
      Ano: 1960
      Abaixo: Cartaz e fotografias em p&b do filme gravado em cores.

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