Não-ficção

A democracia torturada e seu algoz, por Elizabeth Carvalho

A democracia torturada e seu algoz

por Elizabeth Carvalho, de Paris

Incrédula, perplexa, a mídia internacional tratou de refletir como foi possível seu entendimento a respeito do sequestro do bicentenário da independência do Brasil por um chefe de Estado inclassificável em qualquer definição sobre líderes de nações ao redor do mundo. 

Resumindo a essência da cobertura de 7 de setembro de 2022 reproduzidas nas rádios, nas tevês e nos jornais em papel e on-line, uma onda de choque, estupor e consternação se estendeu aos quatro cantos da Europa diante de um grande país refém do oportunismo, da ignorância, da grossura e da brutalidade de seu dirigente. 

Ficou a sensação de que o espetáculo oferecido por Jair Bolsonaro foi o da tortura de uma democracia que ele não tem mais forças para dissolver, mas conserva ainda armas de manipulação capazes de castigá-la.  Este foi o prato principal servido à  numerosa plateia travestida de verde e amarelo que animou o falso nacionalismo de um “Mito” desesperado com a derrota nas urnas em 2 de outubro a nível internacional.  Bolsonaro sabe que, para as personalidades estrangeiras que convidou para a festa, o tamanho e a qualidade de irrigação de seu pênis não tem a menor importância, como a cada dia se tornam menos relevantes as suas permanentes bravatas contra as nossas precárias instituições que ele não consegue controlar. 

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Deste  lado do mundo, engrossando a consternação geral com nosso bicentenário, chegaram justamente neste 7 de setembro às livrarias os exemplares de O Pesadelo Brasileiro,  um longo e detalhado perfil do ocupante do Palacio Alvorada elaborado pelo correspondente do jornal Le Monde,  Bruno Meyerfeld, que o conheceu de perto em Brasília.  Uma admirável contribuição de um jornalista estrangeiro na construção da história de um carrasco da democracia brasileira, descrito como um homem insone e paranoico, que persegue a serenidade ,o esquecimento e o silêncio do sono com um revólver engatilhado em sua mesa de cabeceira.  A seguir, alguns trechos de O Pesadelo Brasileiro:

“Quando, no meio da noite ,ele não sabe onde ir para fugir de seus demônios, o presidente se dirige ao seu closet.  O pequeno cômodo, de 30 metros quadrados, fica ao lado de seu quarto de dormir (…) É neste lugar surpreendente, entre cuecas e meias, que o “Mito”costuma se isolar para governar seu vasto país (…) Fechado neste pequeno quarto, com a sensação de estar protegido de todo perigo, ele pode passar várias horas.  Às vezes a noite inteira”.

“Além dos problemas com o sono, Bolsonaro sofre igualmente de “disfunção erétil”. 

“É um consumidor regular de Cialis, o vaso dilatador concorrente do Viagra.  Ele não faz segredo disso.  ‘A presidência provoca ereção até nos super-heróis’, ele revela.  No entanto, a política é a única coisa que o faz ainda gozar.  Cada tiro disparado, recebido e devolvido, como uma maneira de repelir a morte, tanto a de seu reino como a de seu corpo de homem, antes atlético, hoje declinante.  O sexo e o poder, nas palavras do “Mito”, muitas vezes são uma coisa só.  Daí esta frase, de uma vulgaridade inaudita e quase intraduzível, que ele repete como que para se convencer: “Sou imorrível, sou imbrochável e sou incomível”.  Em bom francês:  “sou imortal, ninguém pode me enrabar ou me foder”.

“(…)”no subsolo, fica o cinema do Palácio Alvorada.  Três dezenas de poltronas vermelhas dispostas em três filas, entre paredes de madeira tropical escura, com o chão atapetado na cor creme, que faz com que se assemelhe a uma praia subterrânea (…).  Em tempos do “Mito”, o cinema Alvorada passou a ser frequentado por um público religioso.    A primeira-dama, costuma exibir sessões de seu cineclube evangélico, batizado de Cinevalores. (….) Entre os filmes projetados, Cartas a Deus,  a história de uma criança com cancer que se comunica com o Supremo, ou As Cruzadas de Cecil B. De Miles, uma narrativa das guerras santas contra os muçulmanos.

Mas para o “Mito”, o verdadeiro filme se passa nos andares de cima.  Em três dimensões e na vida real.  Ele é o ator principal e pode encarnar todos os papéis.  O do capitão golpista ou do político acomodado.  Do playboy imaturo ou do severo pai de família.  Do super-herói sem medo e sem culpa ou da vítima paranóica e introvertida.  Quem é ele, verdadeiramente?  Quem é seu personagem favorito?  No passado, ele costumava se comparar ao Johnny Bravo das histórias em quadrinhos, mistura de Elvis e de James Dean.  Na aparência, “um garoto bonito”, louro, bronzeado e musculoso.  Na realidade, um puro “loser” e um idiota completo, patético, cuja vida é  uma vasta piada, sinônimo de fracasso.  Raramente o “Mito” terá sido tão lúcido sobre si mesmo”. 

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para dicasdepauta@jornalggn.com.br.

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