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A inflação e a distribuição de renda

Explicação completa sobre como o mecanismo da inflação distribui renda dos pobres para os ricos.

Voltemo-nos apenas para o caso da inflação monetária.   A quantia adicional de dinheiro que entra na economia não vai parar diretamente nos bolsos de todos os indivíduos; e dentre os beneficiados que recebem primeiramente essa nova quantia, nem todos recebem a mesma quantia e nem todos reagem da mesma forma à mesma quantia que recebem.  Aqueles primeiros beneficiados – no caso do ouro, os proprietários das minas; no caso de papel-moeda governamental, o Tesouro ou os bancos – têm agora um efetivo em caixa maior do que antes, o que os permite ofertar mais dinheiro no mercado em troca dos bens e serviços que desejam adquirir.

Essa quantia adicional de dinheiro que eles ofertam no mercado pressiona os preços e salários para cima.  Mas não são todos os preços e salários que sobem; apenas os desses setores que primeiro receberam o novo dinheiro em troca de seus bens e serviços.  E mesmo esses preços e salários que subiram, não sobem no mesmo grau.  Por exemplo, se o dinheiro adicional for gasto com obras públicas, apenas os preços de algumas mercadorias e apenas os salários de alguns tipos de trabalho irão subir, sendo que os de outras áreas irão permanecer inalterados ou podem até mesmo cair temporariamente.  Eles podem cair porque agora há no mercado alguns grupos de indivíduos cuja renda não aumentou, mas que, entretanto, são agora obrigados a pagar mais pelas mesmas mercadorias de antes – no caso, aquelas vendidas pelos indivíduos que foram os primeiros beneficiados pela inflação.  Ao serem obrigados a pagar mais por determinados bens e serviços, eles passam a consumir menos de outras áreas, o que pode gerar essa queda temporária de preços.

Assim, as mudanças nos preços em consequência da inflação começam apenas com algumas mercadorias e serviços, e depois vão se difundindo mais vagarosamente de um grupo para outro.  Leva-se tempo até que essa quantia adicional de moeda tenha perpassado toda a economia e exaurido todas as possibilidades de mudanças de preço.  Mas, mesmo ao final do processo, os vários bens e serviços da economia não foram afetados no mesmo grau.  Esse processo de progressiva depreciação monetária alterou a renda e a riqueza dos diferentes grupos sociais.  Enquanto o processo de depreciação estiver ocorrendo, enquanto a quantia adicional de dinheiro não tiver exaurido todas as suas possibilidades de influenciar os preços e enquanto ainda houver preços inalterados – ou ao menos ainda não alterados completamente – haverá na comunidade alguns grupos favorecidos e alguns grupos prejudicados. 

Aqueles que estão vendendo as mercadorias ou serviços cujos preços são os primeiros a subir poderão, em decorrência desse fenômeno, utilizar seus maiores proventos para adquirir o que quiserem a preços que ainda não se alteraram.  Esses são os indivíduos que tiveram um ganho de riqueza.  Por outro lado, aqueles que são os últimos a receber esse novo dinheiro estarão vendendo mercadorias ou serviços a preços ainda inalterados.  Esses indivíduos ainda não obtiveram nenhum ganho de renda.  Contudo, esses mesmos indivíduos agora têm de comprar as outras mercadorias e serviços a preços mais altos.  Esses são os indivíduos que perderam riqueza.

Ou seja: os primeiros a receber o novo dinheiro obtiveram ganhos específicos; eles são os exploradores.  Os últimos a receber o novo dinheiro são os perdedores, os explorados, de cujos bolsos saem os ganhos extras obtidos pelos exploradores.  Enquanto durar o processo de inflação, estará havendo uma alteração contínua na renda e na riqueza dos indivíduos.  Um grupo social ganha à custa de outros.  Quando todas as alterações de preços em decorrência da inflação estiverem consumadas, pode-se dizer que ocorreu uma transferência de riqueza entre os grupos sociais.  Há agora no sistema econômico uma nova dispersão de riqueza e renda.  E nessa nova ordem social os desejos dos indivíduos serão satisfeitos em graus relativamente distintos; graus esses mais discrepantes em relação àqueles da ordem anterior.  Os preços nessa nova ordem social não podem simplesmente ser um múltiplo dos preços anteriores.

As conseqüências sociais de uma alteração no poder de compra da moeda são duplas: primeiro, como o dinheiro é o padrão no qual se realizam os pagamentos futuros, as relações entre credores e devedores são alteradas.  Segundo, como as mudanças no poder de compra não afetam todos os preços e salários ao mesmo tempo e no mesmo grau, há uma redistribuição de riqueza e renda entre os diferentes grupos sociais.  De todas as propostas de se tentar estabilizar o poder de compra da moeda, o grande erro é não levar em consideração essa segunda consequência.  Podemos dizer que a teoria econômica em geral não presta muita atenção a esse detalhe.  No pouco que prestou, ela o considerou principalmente em termos de qual seria a consequência de uma inflação monetária para o comércio exterior de um país.  Mas essa é apenas uma aplicação específica de um problema de extensão muita mais vasta.

O que é fundamental para a teoria econômica é saber que não há uma relação constante entre preços e mudanças na quantidade de moeda.  Alterações na oferta de moeda afetam preços e salários de maneiras distintas.  O uso metafórico do termo ‘nível de preços’ é enganoso.

A errônea opinião contrária foi baseada em uma consideração que pode ser assim representada: imaginemos dois sistemas – A e B – de equilíbrio estático absolutamente independentes entre si.  Ambos são similares em todos os aspectos, exceto que, para a quantidade total de moeda (M) em A e para cada encaixe (m) individual em A, haja correspondentemente em B uma quantidade total Mn de moeda e uma quantidade mn de encaixes individuais.  De acordo com essas suposições, todos os preços e salários em B são n vezes aqueles em A.  Mas essa relação entre eles é assim unicamente porque essas foram as nossas suposições hipotéticas.  Apenas por isso.  Ninguém pode arquitetar uma maneira através da qual o sistema A possa ser transformado no sistema B.  Ademais, há o problema adicional de que não podemos trabalhar com um equilíbrio estático quando queremos abordar um problema dinâmico.

E deixando de lado todo o debate sobre o uso dos termos dinâmico e estático, gostaria apenas de dizer que a moeda é necessariamente um agente dinâmico e que é um grande erro lidar com questões monetárias em um cenário hipoteticamente estático.  A moeda, sendo um fator dinâmico, não pode ser discutida em termos de equilibro estático.

Outro aspecto que deve ser atacado é a futilidade de todas as tentativas de estabilização do poder de compra da moeda.  Está além do escopo deste artigo explicar as vantagens de uma sólida política monetária e as desvantagens tanto da inflação quanto da deflação monetárias.  Mas não podemos confundir o conceito político de se ter uma moeda forte com o conceito teórico de se ter uma moeda estável.  Não é minha intenção discutir aqui as contradições inerentes a esse conceito da estabilidade. Do ponto de vista do presente assunto, é mais importante enfatizar que todas as propostas de estabilização – além de todas as suas várias deficiências – baseiam-se na ideia da neutralidade da moeda.  Todas essas propostas sugerem métodos de se desfazer mudanças já ocorridas no poder de compra.  Assim, se já ocorreu a inflação, elas dizem que uma deflação de mesma magnitude pode corrigir o problema.  E vice versa.  O que os defensores dessa política não entendem é que, ao fazerem isso, eles não desfazem as consequências sociais da primeira mudança, mas simplesmente acrescentam a ela todas as alterações sociais que ocorrerão com essa segunda mudança.  Se um homem se feriu ao ser atropelado por um automóvel, dar marcha a ré no carro e passar por cima dele novamente não é exatamente a cura para o problema.

Gostaria, finalmente, de fazer uma última observação.  São erradas as crenças de que deve ser o objetivo da política monetária tornar a moeda neutra e que é função dos economistas determinar o melhor método para tal.  Gostaria de enfatizar que vivemos em um mundo de constantes mudanças, em um mundo onde há ação.  Em um mundo assim não há lugar para uma moeda neutra.  Ou a moeda é não-neutra ou ela não existe.

texto completo:Sobre a quantidade de dinheiro necessária para uma economia
por 

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Luis Nassif

Luis Nassif

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