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Corrompidos, todos fomos, somos ou seremos… 2

Por razões políticas e econômicas, a imprensa procura sempre enquadrar a realidade de uma maneira binária e simplista. Todos os defeitos são atribuídos àqueles que devem ser considerados “inimigos da casa”. Aos “amigos da casa” são atribuídas as virtudes que os “outros” não podem ter. Caso eles não sejam tão virtuosos assim, a “linha da casa” será esconder ou minimizar os defeitos deles.

É perfeitamente possível identificar os preferidos e os desprezados por cada veículo de comunicação. Em São Paulo, por exemplo, todos os principais jornais protegem José Serra e Geraldo Alckmin e atacam de maneira feroz Dilma Rousseff e Lula. A revista Carta Capital prefere adotar uma postura equilibrada em relação aos petistas e nunca esconde os casos escabrosos de corrupção em que os tucanos estão metidos.

O maniqueísmo da imprensa não me agrada. As simplificações tendenciosas da mídia se tornaram nojentas à medida que a operação Lava Jato substituiu o Mensalão do PT (o Mensalão do PSDB foi esquecido pela imprensa e está sendo encaminhado para a prescrição). A vida é sempre mais complicada do que o formato lhe atribuído pela imprensa. Em razão disto, narrei aqui um caso pessoal de corrupção: https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/corrompidos-todos-fomos-somos-ou-seremos.

Hoje me lembrei de outro caso de corrupção pessoal. Mas desta vez narrarei aqui um caso virtuoso de corrupção.

Minha inscrição na OAB/SP data de 1990. Um dos primeiros processos que fiz no Centro de Assistência Judiciária dos Alunos da Faculdade de Direito de Osasco (entidade sem fins lucrativos que prestava serviços gratuitos à população carente da região) foi  o Divórcio Litigioso de um jardineiro com mais ou menos 60 anos de idade. O crânio dele era deformado, ele quase não tinha testa. Para conversar com ele era necessário falar bem devagar uma frase após a outra, caso contrário ele confundia tudo. Ele foi sido submetido a lobotomia nos anos 1970, pois havia sido diagnosticado como esquizofrenico e, segundo ele mesmo disse, era violento e só acalmou depois da operação.

O cliente do CAJ estava separado de fato da mulher há décadas. Na verdade ele só tinha vivido alguns meses com ela. Citada, a esposa não contestou a ação. A prova da separação de fato do casal foi feita através de documentos e do depoimento de uma testemunha. O sanatório em que ele esteve internado atestou a longa internação dele logo após o casamento. A testemunha ouvida trabalhava com o autor desde 1987 relatou em juízo que não sabia que ele era casado. O divórcio foi decretado pelo Juiz e o homem saiu do Fórum de Osasco extremamente feliz em razão de ter conseguido o que desejava.

Uma semana ou duas depois que entreguei o mandado de averbação do divórcio ao lobomizado ele voltou no CAJ. Ele me  levou uma camisa de presente. Ele continuava feliz. Sorria como uma criança em razão de estar divorciado graças ao “dotô jovenzinho”. Disse a ele que o trabalho feito por mim era gratuito e que não podia aceitar o presente. O pobre homem insistiu. Recusei uma vez mais. E então a felicidade sumiu do rosto do idoso. Ele ficou tão triste que aceitei a camisa. E então ele voltou a sorrir como se nada tivesse ocorrido. Sim, eu também fui corrompido. A felicidade daquele pobre homem mutilado corrompeu gélido coração de advogado.

A corrupção pode ser virtuosa? Sim, sem dúvida. Mas para que isto ocorra é preciso que a mesma não seja o motivo da atuação daquele que foi presenteado. Além disto, o presente deve causar mais felicidade àquele que o deu do que a quem o recebeu.

Por outro lado, sou obrigado a reconhecer que até mesmo a corrupção virtuosa é ou pode ser terrível. A corrupção age de forma sorrateira. Comovido aceitei um presente que deveria ter sido recusado. Não me sinto culpado, pois a culpa é um sentimento que pode ser contornado através de uma emoção genuinamente positiva.

É claro que nunca mais ocorreu uma situação semelhante. É claro que eu não passei a pedir presentes às pessoas assistidas gratuitamente pelo CAJ. Segui em frente sem alimentar aquela emoção genuína capaz de aliviar o sentimento de culpa. Outra pessoa faria o mesmo? Alguns certamente continuariam se corrompendo como se a corrupção fosse uma coisa natural ou virtuosa. É exatamente nesta situação que se encontram vários líderes políticos de diversos partidos e, sem dúvida alguma, toda a cúpula do PSDB paulista. 

Fábio de Oliveira Ribeiro

Fábio de Oliveira Ribeiro

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