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Custo é entrave para biodiesel da Amazônia

O uso de oleaginosas tradicionais da Amazônia para fins energéticos não é viável, do ponto de vista econômico, para suprir a demanda energética das populações locais ou para a produção de biodiesel. A modalidade, no entanto, poderia ser aproveitada por meio de incentivos para o uso consorciado com outras fontes de energia, a fim de se complementar e atender as regiões ainda não interligadas ao Sistema Elétrico Nacional. A conclusão é do pesquisador da Universidade Federal do Amazonas, José de Castro Correia, que, desde 2002, conduz pesquisas sobre o abastecimento de energia em comunidades isoladas.

O professor alega que o alto custo do óleo vegetal, tomando como parâmetro o litro do óleo de andiroba – R$ 24 em média – torna mais em conta a geração por meio de óleo diesel, em torno de R$ 2,80 o litro. Na mesma lógica, a produção de biodiesel também é onerosa; passando pelo processo de transterificação, o combustível sairia a cerca de R$ 5,50 o litro.

Além do custo alto, que faz dos mercados de cosméticos e fármacos um destino mais atraente para os óleos – o que não significa grandes lucros paras os extrativistas, segundo Correia –, estão as dificuldades práticas de coleta dos grãos. Rarefeitas na floresta, as culturas não ficam concentradas, o que torna mais oneroso o trabalho de coleta.

“O gasto das comunidades com óleo diesel é significativo, o que faz com que a renda seja pouca”, diz Correia.

O pesquisador afirma que para a remuneração correta da cadeia produtiva, com sustentabilidade social, o custo é alto. Isso significa salários dignos aos extrativistas e funcionários em todos os elos produtivos. Assim, como forma aditiva de geração de energia, dentro de um programa de governo, seria um aditivo de energia e renda para a região, mas nunca sua única fonte energética. Até porque os estudos sobre essas culturas ainda são incipientes, entrando sob holofotes graças ao Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel. O cultivo racional, se for possível, ainda vai levar tempo para ser definido pelas pesquisas em andamento. “O dendê já está sendo estudado há décadas”, afirma.

Outro ponto abordado por Correia é o atendimento local somente pelos grãos locais (andiroba, dendê e castanha, por exemplo). É preciso uma coletagem expressiva para gerar o óleo, o que leva à falta dos grãos no ambiente, comprometendo a renovação destas culturas.

Já o estudioso do tema na região Amazônica, o pesquisador do Centro de Referência em Biomassa da USP (CENBIO/USP) Orlando Cristiano da Silva, que também coordenou um trabalho sobre o assunto, com a utilização de óleos in natura (sem passar pelo processo de transterificação para se tornar biodiesel), avaliou que a modalidade não se apresentou viável. Com a interligação das comunidades estudadas no Pará, área que é foco de seus estudos, o uso de geradores com este óleo vegetal passou a ser preterido.

Silva concorda que há possibilidade de uso de extrativismo e uso local das espécies em pequena escala, de modo a complementar a disponibilidade energética. Para áreas em que a chegada de linhas de transmissão pode ser mais difícil, como a Ilha de Marajó, a modalidade pode ser consorciada com outras fontes renováveis, ampliando a disponibilidade e auxiliando as atividades produtivas.

Outro obstáculo ao uso de geradores com óleo vegetal é a impossibilidade de uso contínuo. Como não há forma de operar durante 24 horas, o gerador se torna complementar, mas precisa haver a disponibilidade do óleo. A entrada do produto mais valorizado em outros mercados para a geração de energia requer incentivos que podem melhorar os arranjos produtivos locais, gerando emprego e renda, porém as peculiaridades das culturas, do mercado e da própria região devem ser observadas.

A transformação do óleo in natura em biodiesel nas comunidades pode se mostrar também uma tarefa onerosa, de acordo com os pesquisadores. Embora numerosas, as comunidades locais são pequenas, não aptas a receber e operar um processo relativamente complexo como o da transterificação. Tal opção requereria técnicos locais permanentes e capacitação da população. Mesmo assim, a distância entre uma comunidade e outra faria com que esse biodiesel fosse usado nos barcos e voadeiras, meios de transporte usuais, sem a necessidade de adaptação dos motores.

Cana

Silva trabalha agora com pequenos plantios de cana-de-açúcar por comunidades locais. O pesquisador acompanha comunidades na outra ponta do país, Rio Grande do Sul, onde pequenas lavouras de cana podem gerar o etanol para uso de maquinário e veículos locais. Segundo ele, as pequenas plantações de dois hectares, por exemplo, podem gerar um ciclo virtuoso de produção sustentável, já que não haveria queima da cana, e demais produtos seriam gerados, como o açúcar, além do uso dos rejeitos na alimentação animal, adubo, e na fabricação de bebidas.

A produção em pequena escala, na região, pode ser uma alternativa para os agricultores que trabalham com culturas menos rentáveis, seja para substituir ou somar às demais. Boa parte deles trabalha com a produção de fumo (tabaco), que, além de ser barata, utiliza muitos produtos agrotóxicos, diz o pesquisador.

A possibilidade de expansão da modalidade para outras regiões, como Norte e Nordeste, deve configurar a nova etapa da pesquisa, ainda em andamento.

Redação

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