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Juiz apita pênalti contra Lula

Para entender as reportagens da Folha em relação ao caso do “terreno de Lula” não basta lê-las. É necessário separar o que cada um disse a respeito.

Os procuradores:

“Parte das propinas pagas pela Odebrecht em contratos da Petrobras foi destinada para a aquisição de um terreno onde seria construída a sede do Instituto Lula”.

Qual o elo de ligação entre as propinas e o terreno não disseram. Daí porque temos visto tanto nas acusações a Lula o uso dos verbos no futuro do pretérito – “seria construída a sede”.

Nos versos de Manuel Bandeira, o futuro do pretérito serve para descrever linda e dolorosamente toda uma vida que não foi, mas poderia ter sido.

Não estranharia, se nas acusações do Ministério Público a Lula, conforme relatadas pela Folha, também assim o fosse – tudo que não foi, mas poderia ter sido.

Então fica assim. A Odebrecht pagava propinas para obter obras na Petrobras. A Odebrecht comprou um terreno e o doou para o Instituto Lula. Logo, o terreno é pagamento de propina.

O silogismo alçado à categoria de prova irrefutável.

Porém, o que foi dito pelo delatores, segundo a Folha, não dá apoio sequer a essa conclusão.

Os delatores:

“Marcelo, Alencar e Melo confirmam que o imóvel…foi pago pela Odebrecht e seria destinado à construção de uma nova sede do instituto. A ideia…era que… outras grandes empresas ajudassem a construir o prédio do Instituto Lula. O projeto, no entanto, não foi para frente”.

Em uma só frase: “O projeto, no entanto, não foi para frente”.

Simples assim.

O que falta nas declarações acima é o mais importante. Nenhum dos prisioneiros do juiz Moro diz em suas declarações a que negócio vantajoso para a Odebrecht se referia a tal “propina” que não foi, mas poderia ter sido paga com a compra do terreno.

Qual a diferença entre doação, patrocínio e corrupção? E a diferença entre algo que ocorreu e algo que poderia ter ocorrido?

Fica à imaginação de cada um que ler a acusação do Ministério Público mencionada pela Folha de São Paulo.

Todos sabemos que políticos são ladrões, Lula é político, logo, Lula é ladrão.

O silogismo alçado à categoria de prova irrefutável.

O juiz Moro:

“… a falta de transferência na compra do imóvel onde seria construído o instituto não prejudica a acusação de corrupção, caracterizada pela oferta e pela solicitação da propina”

Sem dúvida, não prejudica a acusação. Acusação é acusação. Não serve é de prova de oferta e solicitação da propina.

Mas, atualmente, parece que provas são detalhes menores. Bastam as manchetes.

Aliás, a bem do juiz Moro, diga-se que fez vários questionamentos quando aceitou a denúncia do Ministério Público contra Lula nesse caso do hipotético terreno que “não foi para o Instituto Lula, mas poderia ter sido”, tais como:

“Evidentemente, trata-se apenas de elementos probatórios aqui elencados em exame sumário” ou “não significa juízo conclusivo quanto à responsabilidade criminal” e ainda e mais importante de que “há provas “questionáveis” sobre o envolvimento consciente ou não de Lula no esquema criminoso”.

Estranho que, com tal grau de incerteza, mesmo assim tenha tornado Lula réu.

Até porque, qualquer um que trabalhe com alguma forma de investigação sabe as diferenças entre inferência e fato. À primeira aplicam-se verbos no futuro do pretérito, ao segundo, nunca. Para fatos, aplica-se o pretérito perfeito.

Mas como, segundo a Folha, o próprio Moro afirma que “uma conclusão definitiva sobre o tema não é obrigatória nessa fase do processo”

Imagino que à falta de provas, apoiou-se na convicção.

O Instituto Lula:

Em nota citada pela Folha de São Paulo:

“O terreno nunca foi do Instituto Lula e tampouco foi colocado à sua disposição. O imóvel pertence a empresa particular que lá constrói uma revenda de automóveis. Tem dono e uso conhecido”.

Eis um fato, finalmente um fato, que pode ser comprovado.

A assessoria do Instituto finalizou afirmando que as doações feitas ao Instituto Lula estão devidamente registradas e foram feitas dentro da lei. A nota diz ainda que o ex-presidente não solicitou nenhuma vantagem indevida e sempre agiu dentro da lei.

Creio que caberia ao Ministério Público provar que Lula agiu fora da lei. E provar exclui o uso de verbos no futuro do pretérito, penso eu.

A revista Época:

Relatando doações de empresários a ex-presidente.

“Presidente reúne empresários e levanta R$ 7 milhões para ONG que bancará palestras e viagens ao Exterior em sua aposentadoria – … após uma rápida discussão sobre valores, os 12 comensais do presidente se comprometeram a fazer uma doação conjunta de R$ 7 milhões… O dinheiro fará parte de um fundo que financiará palestras, cursos, viagens ao Exterior do futuro ex-presidente e servirá também para trazer ao Brasil convidados estrangeiros ilustres. O instituto seguirá o modelo da ONG criada pelo ex-presidente americano Bill Clinton”.

A reportagem é de 2002, o presidente em questão é FHC e a doação corrigida pela inflação chegaria hoje a mais de 16 milhões de reais.

Manuel Bandeira:

Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.

A vida inteira que podia ter sido e que não foi.

Tosse, tosse, tosse.

A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

 

PS: a Oficina de Concertos Gerais e Poesia esclarece que o título do post é uma homenagem a Cidinho “Bola Nossa”, juiz e torcedor fanático do Atlético Mineiro. Juiz de futebol.

Redação

Redação

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