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Minha Luta x Bíblia: qual o livro mais perigoso?

A republicação do livro de Hitler em Munique reacendeu uma velha discussão que chegou ao GGN. Comecei a comentar o texto da DW sugerido por Adir Travares, mas o comentário ficou longo e resolvi publicá-lo em separado.

Não creio que esta discussão é relevante. Versões digitais deste livro asqueroso podem ser encontradas facilmente na internet em diversas línguas. Em qualquer unidade das Lojas Americanas é possível comprar um clássico filme de propaganda do nazismo O Triunfo da Vontade, de Leni Riefenstahl, por 14 reais.

O nazismo foi um fenômeno histórico confinado ao início do século XX e especificamente alemão. Ele foi influenciado pelas práticas corriqueiras utilizadas pelo imperialismo inglês e francês nas suas colônias durante o século XIX, tributário do “racismo científico” de autores como Arthur Gobineau, Louis Agassis e Thomas Buckle. O racismo norte-americano (exclusão legal de negros da vida civil, confinamento de índios em reservas/campos de concentração) também deve ter influenciado Hitler (tanto que ele elogia o saudável regime dos EUA na sua obra).

A violência política do nazismo não foi muito diferente daquela que as democracias ocidentais praticaram exaustivamente na África e na Ásia. Os últimos grandes conflitos coloniais europeus (as guerras portuguesas em Moçambique e Angola antes da Revolução dos Cravos) foram marcados por práticas tipicamente nazistas (racismo, execuções sumárias, torturas, confinamento, transporte e punição de populações de aldeamentos que resistiam ao Império) e raramente alguém atribuiria as atrocidades portuguesas recentes ao livro infame de Hitler. Mein Kampf também não inspirou os EUA a ajudar a Indonésia a praticar um verdadeiro genocídio no Timor Leste e, mesmo assim, o genocídio dos timorenses ocorreu.

Se o repugnante livro de Hitler é considerado perigoso, a Bíblia certamente deveria ser considerada ainda mais perigosa. Há mais de 1000 anos o livro reverenciado por judeus, cristãos, protestantes e evangélicos tem justificado, fomentado e alimentado guerras e fornecido consolo espiritual para assassinos com lanças e espadas, com mosquetes e canhões e, mais recentemente, com jatos e mísseis inteligentes.

O personagem/atirador do recém lançado filme de Clint Eastwood é um leitor da Bíblia e não de Mein Kampf. Mas isto não lhe impede de atirar em crianças, em mulheres, em qualquer coisa que se mova, tudo para supostamente defender seu país enquanto os EUA agrediam criminosamente o Iraque para roubar o petróleo daquele país e para controlar a riqueza produzida pela sua exploração (fato omitido pelo cineasta por razões que poderiam ser consideradas nazistas). Os israelenses dizem odiar Hitler e o livro dele. Mas isto não tem impedido Israel de confinar palestinos em guetos que parecem campos de lentíssima morte, de bombardeá-los com fósforo branco ou de executá-los a tiros de fuzil e de canhão porque eles são palestinos e, principalmente, porque a Bíblia diz que aquela terra sagrada é deles (muito embora eles mesmos a tenham perdido para os romanos no século I dC por legítimo direito de guerra).

Não compraria o livro de Hitler. Nem aconselharia alguém a comprá-lo. Mas tenho minhas reservas em relação àqueles que apontavam e apontam para o livro de Hitler (ou para o nazismo) enquanto faziam ou fazem as mesmas coisas por razões supostamente diferentes daquelas que foram defendidas em Mein Kampf.  

Fábio de Oliveira Ribeiro

Fábio de Oliveira Ribeiro

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