O pacto social impossível com o tal do centro, por Luis Nassif

No Twitter, o colunista do grande jornal, defensor do pacto nacional, sustenta que Fernando Haddad é marxista, como argumento para não tê-lo apoiado em 2018. Questionado, explica que a social democracia é uma variante do marxismo. E nem se trata de um discípulo de Olavo de Carvalho.

Ainda no Twitter, o ex-Secretário de São Paulo diz que o pacto não sairá porque, ao contrário dos Estados Unidos, a esquerda não quer apoiar o centro. Esta é a lógica. O pacto não sai porque a esquerda não quer dar um cheque em branco para o tal do centro.

E quem é o tal do centro?

Na Folha, o tal centro é apresentado como a chapa Luciano Huck-Sérgio Moro, o que provavelmente cobriu com vermelho envergonhado o amarelo de sua campanha visando reeditar as diretas.

Dou exemplos colhidos ao léo de pessoas supostamente bem informadas para mostrar a dificuldade da grande frente contra o fascismo. Pode-se criticar o fato de tomar a parte – os dois supostos pensadores – pelo todo – o pensamento das lideranças do movimento. Mas se alguém souber de um porta-voz habilitado, com um conjunto consistente de ideias, uma plataforma que permita ao menos abrir uma discussão racional para se chegar a algum consenso, que o apresente.

O pacto ultraliberal não abre mão de, na melhor das hipóteses, ser cabeça de chapa; e, no normal das hipóteses, ter uma chapa puro-sangue. Mas não tem uma liderança política relevante para oferecer, uma plataforma consistente para apresentar, além do terraplanismo da demonização do Estado. No máximo uma celebridade televisiva e um ex-juiz tão fascista que não regateou apoio a um candidato a prefeito que comandou o motim dos policiais militares em Fortaleza. E ainda criticam o PT por não aderir a essa miragem.

Deveriam se espelhar no discurso da vitória de Joe Biden. Nem sei como será sua gestão, mas o discurso sintetizou de modo exemplar como se reconstrói um país. É através do desarmamento dos espíritos e da soma de esforços, com cada setor sendo convocado para a reconstrução e abrindo mão, de lado a lado, de preconceitos ideológicos.

Mas, para tanto, teria que haver um profundo conhecimento do papel do Estado, das estatais, do mercado, das políticas regionais, do potencial e das limitações das políticas industriais, a integração entre os sistemas públicos de inovação e as empresas.

O desenho político ideal do pacto seria um presidente acima das paixões, um mediador de extração liberal, um vice de esquerda  se incumbindo das lutas do dia a dia e da administração das expectativas das ruas,  e uma espécie de conselho de sábios, onde caberiam Lula, Fernando Henrique. E, debaixo deles, um Ministério suprapartidário com conhecimento concreto de políticas públicas e do funcionamento da máquina do Estado, com representantes da coalisão mas, também, com lideranças civis, empresariais e de movimentos.

Mas como chegar a esses consensos com o nível atual dos debates?, em que se tenta colocar no mesmo caldeirão a direita de Bolsonaro e a esquerda de Lula, para poder apresentar a síntese virtuosa de… Moro e Huck

A aliança ultraliberal ainda possui os sistemas de poder, um Supremo sempre disposto a anular Lula, uma mídia que teima em compará-lo a Bolsonaro, Forças Armadas com sua resistência histórica às esquerdas. Mas não possui uma liderança racional sequer. Nem com um Aristoteles de preceptor, Huck poderia ambicionar se tornar uma Alexandre Magno de Búzios. Mas cadê os Aristoteles? Não se tem sequer os Aristoteles, os pensadores. Cadê os estadistas? Cadê os intelectuais orgânicos? O que se tem são apenas templários atuando como colunistas e comentaristas de jornais perpetuando uma guerra ideológica estéril, economicista e repetitiva, com o único objetivo de reduzir gastos sociais e impedir tributação de ganhos de capital.

Como diriam Sá e Guarabira, para essa elite de araque Miami é mais perto que o sertão.

E nem se tome o artigo como falta de fé na coalisão. O ceticismo é em relação ao destrambelhamento atual. Aos poucos o país irá pegando a embocadura, buscando a democracia e os pactos. Mesmo porque, dobrando a esquina há a bocarra da reeleição de Bolsonaro aguardando.

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • Qualquer aliança com o grupo progressista em que seja indicado o impune Sergio Moro a formar chapa é surrealismo terraplanista.

    • Complementando, Flávio, com sua licença. Qualquer aliança do grupo (ou lado) progressista com neoliberais explícitos ou disfarçados (que pululam no dito "centro"), concedendo-lhe poder, é pura ingenuidade. OU renúncia a seus princípios e intenções.

  • O "pobrema" do xamanismo cultural da extrema direita brasileira é acreditar no potencial que ela não tem. A esquerda tem potencial, mas esbarra na sua própria incapacidade de contornar os meios de produção simbólicos controlados pela direita.

    A cena mais deprimente e sublime do livro (e do filme também) 1984 é aquela em que o protagonista e torturado ao responder que 2 + 2 = 4. Ele estar certo é irrelevante e até prejudicial. Quem comanda os instrumentos de coação pode exigir qualquer resposta exceto aquela que seja verdadeira.

    A imprensa brasileira não precisou ser torturada para dizer que o resultado de 2 + 2 (a eleição presidencial) deve ser aquele que o mercado deseja. Uma vez retirada da arena politica, a soberania popular é uma verdade incômoda e desprezível.

    Vai ser difícil restaurar a normalidade no Brasil. O estrago feito em 2016 será mais profundo, doloroso e duradouro do que o golpe militar de 1964.

    • A referência ao filme nao está correta.
      Na verdade o torturador mostra mão espalmada com 5 dedos e força a vitima a dizer que vê 6.
      A cena em si reifica a vertente física (tortura) como propulsora da semiótica política.
      Visionária e premonitória cena, pois definiu a violência simbólica como mola propulsora da distopia autoritária.
      O problema de Orwell é o reducionismo dele em imaginar que haveria alguma forma de liberdade do lado capitalista.
      Nada.
      No máximo alguém mandando cortar os dedos para que a gente enxergue 4, quando havia outra realidade possível.
      Não é esta a tese dos democratas liberais que insistem em dizer que a economia (capital) a tudo precede e determina?

  • Sintetizando, sugiro que leiam a última frase do comentário que fiz ao artigo "QUEM COMEMORA A DERROTA DE TRUMP DEVE BUSCAR ENTENDÊ-LA", publicado aqui no GGN ontem, 08/nov. Pois se nos iludirmos de que será possível a esquerda voltar ao poder através de eleição, só nos decepcionaremos mais ainda. Afinal, o judiciário cafajeste deste país não devolverá a liberdade política a Lula (graças aos cafajestes de toga e de farda) e qualquer nome da esquerda que se tente será devidamente destroçado pela campanha midiática da própria midia, das igrejas, do empresariado...campanha esta sobre as mentes emburrecidas da população ignorante. Resumindo: solução, só com revolução...armada.

      • Todo vez que deparo-me com um comentário seu,não me contenho:CRUZES!!!!!!!!!.Nao devia,mas vou lhe ajudar.Os trezoitões você consegue com Rodrigo Cangibrina e Tomasio Mandetta.Os fuzis você os encontra de porretada no Condomínio de Jair.Se tiver dificuldade de acesso ao Condomínio,acione Hélio Negão.

    • Achei q vc iria completar dizendo que é preciso fazer como no Chile e na Bolívia, mobilizar e organizar a população para romper os limites dessa nossa democracia restrita. Começou bem e acabou mal.

  • E pra que precisa de frente eleitoral em candidatura única em 2022?

    Quem for contra o fascismo e a ultra direita que se lance na disputa. Pode ter Huck, Moro, Dória, Dino, Ciro, PT ou quantos puderem. Podem se juntar ou disputar em separado. A frente vai se formar se todos repudiarem energicamente o bolsonazismo. Quem tiver coragem de confrontar o gado, é claro! Coisa que os direitistas fantasiados de centro não tem. Vão querer enganar os néscios também.

    Estas frentes pedidas de todo lado só tem um objetivo comum: PT nunca mais. Por isto, tô fora?

  • De novo essa de "frente", "coalizão"...

    O que o alto clero da direita quer é recuperar a cabeça de chapa, ponto. Enquanto o baixo clero quer matar os "esquerdistas", mercado, rede globo, FH, et caterva, querem é prender, proscrever... Isso é, por acaso, alguma diferença considerável?

    Pelamordedeuxxx!

    • Chega a ser até engraçado. Ficam defendendo uma tal "frente", uma "coalizao" com os setores reacionarios e antissociais, e criticam o esforço pela governabilidade dos governos do PT, PT, PT, mesmo depois de derrubarem a Dilma e prenderem o Lula no grito.

      ... É cada uma...

  • No Mito do Muro, o filósofo greco-baiano Platinho explica que Centro é um muro (cheio de passagens subterrâneas, algumas secretas, outras escancaradas) que separa o lado esquerdo do lado direito. Em cima deste muro ficam diversas pessoas, umas acorrentadas às suas conveniências, outras às suas necessidades, outras ainda às suas convicções; outras lá estão acorrentadas sem saber porque, mas ficam lá do mesmo jeito; o que vêem, de ambos os lados, lhes parece aquele formigueiro humano fotografado por Sebastião Salgado em Serra Pelada. Mas, de vez em quando, sopra uma grande ventania, e, com medo de cair, essas pessoas saltam para o lado mais abrigado; e dizem aos que já lá estavam, "estamos com vocês!" Quando a ventania, subitamente, muda de direção, eles, de acordo com a natureza ou conveniência de cada um, começam a passar para o outro lado, uns subindo no muro e pulando para o outro lado, outros, mais sorrateiros, passando escondidos pelas tais passagens subterrâneas. E, uma vez do outro lado, dizem aos que lá já estavam: "estávamos torcendo o tempo todo por vocês!"
    Evidentemente, as correntes não lhes permitem ir para muito longe do muro; razão pela qual permanecem sempre próximos a este, lançando-lhe olhares nostálgicos e desamparados, suplicando por proteção e consolo.
    A conclusão é, uma vez descoberta essa acomodação, são muito poucos os que em cima do muro permanecem - em geral, os mais tímidos, os bezerros menos taludinhos, os muristas puristas. O restante aprende a circular pelos subterrâneos, desenvolve traços esgotíferos, como diz o Fábio de Oliveira Ribeiro, e procriam como ratos.
    Se essa explicação para a pergunta "o que é o Centro?" não satisfaz, diz o filósofo greco-baiano Platinho, vão perguntar para outro. Perguntem pro Pilatos, que dirá: "O Centro...o que é o Centro?"
    Só (tentando) fazer piada, mesmo...

    • Centro?Que centro? No meu humilde habitat,ele fica entre os sofás da sala.Vez por outra minha mulher repreende-me:Tire os pés do centro,eu na lata:Sou Lula e ela não entende porra nenhuma.

  • Conselho de sábios com Fernado Henrique? QUA QUA QUA. É pra rir essa.

    Ministério supra-partidário já existe, chama-se CENTRÃO

    A direita não desiste do butim então não tem acordo de centro com ela, porque ela não é centro, nunca foi, nunca será. Centro, meu caro, é o Lula, que governou pra todo mundo, que praticou um republicanismo ingênuo nas indicações ao STF e a PGR, que abandonou Protogenes e Lacerda quando podia ter feito o limpa no PSDB com a Satiagraha (e depois da falsidade do mensalão, vale frisar!)

  • Quando reiteiradadas vezes afirmo categoricamente que o Brasil,antes de qualquer discussão seria,não vai adiante sem passar pela fofocada,fuxicada,disse me disse,o disse que disse que não disse que disse,me olham atravessados.Uma plêiade de caciques e zero de índios.Reitero,ando de bagos superlotados com essa política brasileira.Onde estão os votos de Huck,Mandetta,Maia,Alcolumbre Freire,FHC,Siqueira,Lupi,Doria,Moro,Globo,Record,SBT,Band para trompetearem frente de qualquer natureza.Votos,eu disse votos,o que elege e deselege,pertencem a Lula da Silva,Jair Bolsonaro e Ciro Gomes fica com as sobras do regabofe.Só na cabeça de uma trupe de FDP podem propor,perdão pela expressão,um nu frontal para derrotar Jair.Entendo que Nassif como jornalista tem que tratar desses assuntos dignos de adolescentes,mas sinto dizer-lhe que está queimando muita vela pra pouco defunto .Esse conglomerado mafimidiatico brasileiro que mais parece uma peneira, não faz cara feia nem para Luciano Bivar,quanto mais.Querem saber de uma,essa raça toda deve procurar uma cacetada de trouchas de roupas sujas para lava,na falta de não ter o que fazer.Sem sacanagem,eu pensei que Roberto Freire tivesse se mudado para Guiana Francesa.

  • Sonho do Merval em 09/11/2020:

    "Aqui, a tendência deve ser essa também, de as pessoas cansarem do Bolsonaro, cujo único propósito é atacar e destruir, sem criar nada. Um candidato de centro, com capacidade de confrontar Bolsonaro e chamar os eleitores para uma reconciliação nacional pode derrotá-lo. Uma candidatura com visão mais social do país, visando a redução da desigualdade, terá mais chance de vitória. Mesmo porque a economia está ruim e não dá sinais de recuperação."

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