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O poder político do agronegócio

Coluna Econômica – 04/09/2011

Recentemente, no debate de abertura do Fórum Nacional – do ex-Ministro João Paulo dos Reis Velloso – um dos debatedores apontou para um dos riscos políticos do país: a nova força política do agronegócio. Segundo ele, poderia ameaçar a estabilidade fiscal, levar à aprovação de leis anacrônicas etc.

De minha parte, fiz uma defesa enfática desse novo poder. O país só se completará como democracia e como modelo econômico no dia em que o poder político – especialmente na definição de políticas econômicas e sociais – estiver pulverizado entre a bancada do agronegócio, a da agricultura familiar, a financeira, a industrialista, a do meio ambiente, a da saúde etc.

Anos de ditadura, depois, de polarização política – entre PT e PSDB paulistas, intermediada pela velha mídia – atrapalharam a embocadura democrática brasileira. Qualquer tipo de pleito que não fosse de interesse expresso do setor financeiro era tratado como espúrio – fossem gastos com políticas sociais ou apoio à agricultura e à indústria

Lembro-me de anos atrás, um encontro de Gustavo Franco com jornalistas econômicos. O setor agrícola quebrado pela política cambial. Mas o que pontificava na conversa – tanto da parte de Gustavo como dos jornalistas – era a imagem do fazendeiro que desvia recursos do crédito rural para comprar apartamentos na praia.

A rigor, a bancada ruralista não ajudava em nada a melhorar a imagem do setor. Faltava visão estratégica, política de alianças com outros setores, um discurso legitimador das suas posições. Em qualquer país desenvolvido, existem políticas agrícolas visando minimizar as vulnerabilidades do setor – exposto às intempéries do clima e à volatilidade das cotações.

Desde que acabou a era de políticas agrícolas compensatórias – crédito subsidiado, como nos anos 80 – o setor ficou ao deus-dará, sem dispor das antigas benesses e sem acesso sequer a seguro agrícola.

A bancada ruralista tinha razão em suas demandas. Não tinha suficiente sofisticação política para entender que a opinião pública midiática não tinha suficiente compreensão sobre as características do setor.

Nos últimos anos, muita coisa mudou. Primeiro, uma notável (e cruel) mudança no perfil da agricultura. A falta de crédito agrícola e o aumento da oferta de crédito para máquinas e o câmbio levaram à uma enorme concentração na agricultura moderna, do agronegócio. Grandes grupos tinham acesso a crédito mais barato, desequilibrando o jogo em relação aos fornecedores médios. Este fenômeno foi agravado pela complacência do sistema de direito econômico em relação às práticas cartelizadoras – como na laranja.

Por outro lado, o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar ) permitiu a regularização da situação de um enorme contingente de agricultores familiares com potencial de crescimento na produção.

A modernização do agro, de um lado, a organização do agricultor familiar, de outro, colocaram na cena política novos personagens. E será ótimo para a democracia.

As etapas da agricultura – 1

O agronegócio exportador torna-se poder político com a República. Dali até os anos 30 comandou a política econômica, inclusive controlando os fluxos financeiros que entravam e saíam do país. A instabilidade cambial matou qualquer possibilidade de desenvolvimento industrial no período. Além disso, qualquer política que não beneficiasse café, açúcar e algodão era tratada como antinacional.

As etapas da agricultura – 2

Após a Revolução de 30, a agricultura perde espaço para a industrialização. Deixa de ser prioritária, embora o café ainda mantivesse o poder sobre a política econômica. Mas há uma subdivisão na cadeia do café. O lado mais moderno – representado por armazéns gerais, casas comissárias – aproveita os excedentes para consolidar-se como sistema bancário, ajudando a irrigar a industrialização.

As etapas da agricultura – 3

No período seguinte, montaram-se políticas compensatórias, através do sistema de crédito agrícola. Mas a agricultura passou a ser vista como um óbice para o desenvolvimento e como fator de pressão sobre a inflação. Nos anos 50 havia economistas desenvolvimentistas defendendo a indústria; economistas ortodoxos ou pragmáticos (como Ignácio Rangel) defendendo o setor financeiro. Era comum a divisão entre Brasil moderno e o atrasado – este representado pela agricultura.

As etapas da agricultura – 4

No período militar manteve-se o sistema de crédito agrícola – facilitado pelo saco sem fundo da “conta movimento” do Banco do Brasil – para a agricultura de alimentos e os Institutos controlando todas as etapas da agricultura de exportação – café, açúcar, cacau, algodão. A não implementação do Estatuto da Terra, no governo Castello, também impediu a modernização do setor. O poder político foi empalmado por velhos coronéis anacrônicos.

As etapas da agricultura – 5

O desmonte do velho modelo se deu por etapas: o fim da conta-movimento (no governo Sarney), o fim dos institutos (no governo Collor), a desregulamentação parcial do setor (no governo FHC), a mudança do modelo de financiamento agrícola. As dificuldades obrigaram o setor a investir rapidamente em tecnologia, em novos modelos econômicos, emergindo daí uma classe economicamente moderna, mas politicamente engatinhando.

As etapas da agricultura – 6

Agora o setor precisa se repensar politicamente, participar das discussões estratégicas do país, montar políticas de aliança com outros setores, articular-se com a diplomacia comercial. Anos atrás o então governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, montou um pacto com ONGs ambientais, em cima de metas de sustentabilidade a serem fiscalizadas por elas. São ações como essa que fará o setor ter representatividade política.

Luis Nassif

Luis Nassif

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