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o preço da vida

 

O PREÇO DA VIDA

Na realidade, o Sistema Único de Saúde não passa de um conjunto de regras inócuas, inscritas num pedaço de papel. Em outras palavras, é um faz-de-conta incapaz de organizar, hierarquizar e fiscalizar as ações de saúde, tanto no setor público, quanto no setor privado. A conseqüência dessa ineficiência crônica se traduz no sucateamento da rede pública, origem da baixa qualidade da assistência médica, nela, prestada e no baixo padrão técnico da maioria das clínicas e hospitais da área privada, inclusive os de propriedade dos planos de saúde.

Essa constatação que, certamente, aborrece o ministro José Gomes Temporão e tantos outros sanitaristas, considerados os pais do SUS, “uma criação genial”, incapaz de universalizar a assistência médica, tampouco revolucionar a saúde em nosso país, é percebida pelos brasileiros como ruim, justamente porque reflete o descaso das nossas autoridades da saúde, no trato da coisa pública, bem como a sua omissão na fiscalização da rede privada de saúde e, em especial, os planos de saúde que agem impunemente, desrespeitando contratos, direcionando pacientes para as suas unidades próprias e omitindo socorro. Tudo isso, diga-se de passagem, sob os olhares lenientes e coniventes do Ministério da Saúde, Conselhos Regionais de Medicina e da Agência Nacional de Saúde.

Hoje, estamos, todos nós, à mercê de um sistema de saúde pública sem comando, onde gestores despreparados, ilhados num contexto de corrupção, licitações fraudulentas e  impunidade, seguem, sem questionar, as ordens de governantes inescrupulosos, cujos objetivos são, apenas, seus interesses políticos mesquinhos. Enquanto isso: dane-se a população! Esta, exposta a filas intermináveis, nas portas de hospitais falidos, carentes de médicos e de baixo padrão técnico. Como o sistema é único, a falência do setor público soma-se às mazelas de um setor privado decadente, com as exceções de praxe. Este, por sua vez, guiado pela lógica do lucro fácil, não se constrange em contratar, por salário vil, profissionais inexperientes, desqualificados tecnicamente, para atender aqueles sem condições financeiras de buscar os serviços de alguns hospitais particulares de ponta. Na verdade, o grosso das clínicas particulares, as camadas mais pobres da população, com justa razão, costumam chamá-las de “trambiclínicas”, pois não passam disso, haja vista o noticiado fartamente pela mídia, com respeito à utilização de estudantes de medicina em hospitais e clínicas da baixada fluminense e zona oeste e ao trabalho de falsos médicos em aproximadamente vinte hospitais, conforme o levantamento da Delegacia de Repressão a Crimes contra a Saúde Pública. É bom lembrar que toda essa promiscuidade só ganha a necessária repercussão por conta da mídia que, em boa hora, assume o que, por definição legal, deveria ser o papel dos Conselhos de Medicina, da Agência Nacional de Saúde e do Ministério da Saúde, através do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (DENASUS).

No entanto, se tudo isso reflete a má gestão, a insensibilidade com o próximo, a culpa e a impunidade, de outro ângulo, podemos observar que as três esferas governamentais são incapazes de executar na sua inteireza um orçamento já minguado, ao mesmo tempo em que não criam mecanismos capazes de impedir os desvios de um recurso tão precioso e insuficiente. Perde-se com a incapacidade de execução orçamentária e com a falta de fiscalização dos recursos públicos. Resultam daí, a insatisfação da população com as condições físicas das unidades hospitalares e postos de saúde e a dos médicos, comprometidos com a ética médica, com relação às condições precárias de trabalho e baixos salários.

E, enquanto a saúde pública se esfacela, os planos de saúde silenciosamente vão ganhando espaço, vendendo aquilo que não podem oferecer, burlando o direito econômico, através de uma prática monopolista, praticando uma medicina protocolar e fazendo a apologia da ortotanásia, proibida pelo nosso Código Penal, em nome do lucro a qualquer preço. Para eles, o mercado da saúde se assemelha ao mercado clandestino, ilegal e imoral da venda de armas, onde a preservação da vida é a exceção e a rotina é a morte.

Diante desse divórcio da atividade médica com o Juramento de Hipócrates, fornecedor de uma postura virtuosa na busca do bem-estar do próximo, necessitamos, urgentemente, de uma reflexão bioética, capaz de reintroduzir na relação médico-paciente três princípios importantes: o da autonomia do paciente; o da beneficência do médico e o da justiça para a sociedade.

THELMAN MADEIRA DE SOUZA

Médico Aposentado do Ministério da Saúde

Rua Antonio Basílio, 201/602 – Tijuca – RJ – Tel: 22683474  

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