O que fazer?, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Quando observamos o governo brasileiro é impossível não levar em conta o perigo do tirano seguir um curso de ação inspirado por Fake News. O episódio da quase guerra com a Venezuela parece ter servido de lição ao Parlamento. Isso explica a distância que os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado tentam colocar entre o Parlamento e a presidência da república. O poder que eles exercem, entretanto, será minado à medida que Bolsonaro começar a distribuir verbas aos deputados e senadores.

A fisiologia tradicional do Parlamento brasileiro favoreceu a construção de tiranias no passado. Ela certamente favorecerá a familícia que já começa a expandir seu poder dentro do Estado e fora do país. Nunca é demais lembrar que Dilma Rousseff não foi cassada por causa das pedaladas fiscais e sim porque tornou indisponíveis verbas destinadas às emendas parlamentares. Tanto isso é verdade que assim que assumiu, Michel Temer foi autorizado a dar pedaladas fiscais. Essa questão não é mais nem mesmo discutida, apesar de Bolsonaro pedalar à vontade com o orçamento.

O poder pode crescer sendo alimentado de mentiras repetidas à exaustão (vide o caso da Alemanha nazista e da Ditadura Militar brasileira de 1964 a 1985) e censurando a imprensa. Entretanto, as estruturas de poder nem sempre conseguem sobreviver ao impacto do desprezo da “verdade factual”. Como disse Hannah Arendt “…o resultado de uma substituição coerente e total da verdade dos fatos por mentiras não é passarem estas a ser aceitas como verdade, e a verdade ser difamada como mentira, porém um processo de destruição do sentido mediante o qual nos orientamos no mundo real – incluindo-se entre os meios mentais para esse fim a categoria de oposição entre verdade e falsidade.” (Entre o passado e o futuro, Hannah Arendt, editora Perspectiva, São Paulo, 2009, p. 317/318).

Mesmo que seja expulsa do debate político (ou até mesmo do debate jurídico e judiciário como ocorreu nos casos da Lava Jato e do Triplex) a verdade factual vai sempre se impor quando o desemprego causar fome, endividamento e desespero. Bolsonaro odeia os pobres e já demonstrou que não se preocupa muito com o desempenho da economia. O Poder Judiciário se voltou para dentro de si mesmo assim que recebeu o que desejava para apoiar a derrubada de Dilma Rousseff. Enquanto Bolsonaro conceder aumentos salariais e garantir os penduricalhos dos juízes eles não irão se rebelar, nem se preocupar com a realidade econômica da maioria da população. Esse talvez seja o calcanhar de Aquiles do novo regime.

Não sou determinista, nem pessimista ou otimista. Apenas observo os fatos. Desde a Revolução Francesa os Estados não deixam de colher os frutos indesejados do desprezo que os governantes devotam à maioria da população. Nem a ilusão (propaganda) nem a credulidade (religião) são capazes de aplacar a fome ou de estancar a raiva quando os pais começam a ver seus filhos morrer de fome ou porque deixaram de receber assistência médica/medicamentos.

Qual a tarefa da esquerda nesse momento? Não vou responder essa questão. Vou apenas refazer a pergunta levando em conta a possibilidade, ainda que remota, do protagonismo popular reorganizar a arena política à revelia da esquerda e da direita (como ocorreu na Hungria em 1956, por exemplo).

A esquerda tem realmente alguma tarefa quando a direta decidiu se enforcar? Não seria melhor apenas apreciar e aplaudir o espetáculo? O poder da “verdade factual” é irresistível e raramente deixa de se expressar de maneira violenta quando o mundo de faz de contas chegou realmente ao fim.

Fábio de Oliveira Ribeiro

Fábio de Oliveira Ribeiro

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