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O Saber com Sabor

 

 

 

O sabor de pensar

é um ato individual,

do expresso gozar,

sopro de nascer e morrer.

Tira-tema que queima

este lema fatal.

 

 

 

 

 

            O texto deve ser um objeto de deleite, para ser digerido. Dentro deste raciocínio, entram os poetas com suas mentes abertas em relação aos textos, levando-nos para longe do preconceito da erudição e das regras acadêmicas. Como definiu Roland Barthes sobre o sentido de ficar sábio: “Nada de poder, um pouquinho de saber; e o máximo possível de sabor…” Com essa reflexão o pensador francês não pretende instituir um saber, mas um certo jeito de viver o saber. Saber e sabor, as duas palavras significam a mesma coisa. Sua origem latina: sapare quer dizer tanto saber quanto ter sabor. Se a língua é viva e dinâmica, pois quando deixa de ser usada para ser compreendida, torna-se reduto de eruditos, ela morre, sem salvação.

            Com a máxima de saber com sabor, procuramos, além da liberdade crítica, o prazer. Renunciando a qualquer pretensão de uma leitura sistemática, baseada em verdades linguísticas, históricas ou sociológicas. O poeta e o escritor produzindo um texto desejado, sonhado, saboreado, transformado em texto prazeroso e deslumbrante, ou seja, um amoroso e sensual texto barthesiano.

            Quero buscar a produtividade do texto. Essa produtividade seria a capacidade de produzir sentidos múltiplos e renováveis, que mudam de leitura a leitura. Ler não seria, então, aplicar modelos prévios, mas criar formas únicas, que são formas virtuais do texto ativadas pela imaginação do leitor. Ao reagir contra a indiferença da semiologia com relação aos objetos, Barthes reivindica a diferença: “cada texto é único em sua diferença”. Esse pensador não deseja que esse trabalho fosse usado como modelo científico suscetível de ser aplicado a outros textos.

            Em O Prazer do Texto, Roland Barthes assume o individual contra o universal do modelo estruturalista, do corpo contra o conceito, o prazer contra a seriedade acadêmica, o diletantismo contra o cientificismo. Seu pensamento se desloca a partir de então com um à-vontade despudorado, provocando os que exigem do intelectual uma estabilidade ideológica. Sintonizado ao pensador francês, não acredito em nenhuma posição de “verdade”; pelo contrário, achava que qualquer posição consistente e repetitiva, torna-se ideológica no mau sentido: que pode ser facilmente recuperada e utilizada pelo sistema dominante, para se manter imutável.

            Mas como sair da engrenagem fascista da língua? Só a literatura como revolução permanente da linguagem pode alterar essa situação. Toda língua é uma classificação, demonstrando o seu fascismo, pois obriga a dizer. Em contrapartida, proponho não a revolução, não a violência, mas a carícia. Como Barthes orienta: “Não desinfetar a língua, mas saboreá-la, roçá-la lentamente, ou até mesmo esfregá-la, mas não purificá-la“. A língua como “écriture”, lugar onde o homem pode exercer livremente sua sensualidade “A linguagem é uma pele: esfrego minha linguagem no outro. É como se eu tivesse palavras ao invés de dedos, ou dedos na ponta das palavras” (Fragmentos de Um Discurso Amoroso).

            Um lugar onde o Homem exerce livremente sua língua e sensualidade. A linguagem na figura representativa da pele, onde a esfrega no outro, como se tivesse palavras, ao invés de dedos ou dedos nas pontas das palavras. A poesia traz-me as sensações de rir ou chorar, faz vibrar-me, desejar isso, aquilo ou nada. O que interessa na sua concepção: o movimento eterno atrás dela, a vasta corrente subterrânea de dor, de loucura ou exaltação, por modesta que seja a intenção do poema.

            Duas tendências coexistem: uma apolínea (de lado clássico, metódico e “científico”) e uma dionisíaca (a face sensual e anárquica). Acredito na escritura como instigadora da pulsão da curiosidade; e acrescento freudianamente: “toda curiosidade é de fundo sexual. O que é erótico em um texto não é o tema e, sim, o próprio texto. O texto na figura de uma trança, cada fio, cada código é uma voz, essas vozes trançadas ou trançantes formam a escritura. O texto em suma, um fetiche, reduzi-lo à unidade do sentido, por uma leitura abusivamente unívoca, corta a trança e esboça o gesto castrador”.

            Na verdade, o sentido de um texto não pode ser outra coisa senão o plural de seus sistemas, sua transcriptibilidade infinita; um sistema transcreve o outro, mas reciprocamente: face ao texto não há língua crítica “primeira”, “natural”, “nacional”, materna. O texto é, de chofre, ao nascer, multilíngue; não há nem língua de saída, nem de entrada, pois o texto tem do dicionário não o poder direcional (fechado), mas a escritura infinita.

            Assim desloca-se o erótico do tema para o texto, mostrando como o “fraseado” é líquido, lubrificado, conjugar numa mesma plenitude o sentido e o sexo. Barthes define a escritura como: “a ciência dos gozos da linguagem e seu kamasutra (dessa ciência, só há um tratado: a própria escritura).”

            O texto faz disparar o desejo; depois, longe do quadro, o fetiche volta-se para a própria linguagem. Escreve-se, então, não para ser amado, mas para que as palavras sejam adoradas, como fetiche. O texto, então, goza não da apreensão do significado, mas da voluptuosidade do significante.

           

 

 

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Redação

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