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Os Capitalistas e Outros Psicopatas

NYTimes

Publicado em: 12 maio de 2012
Há um debate em curso neste país sobre os ricos: quem são eles, qual deve ser seu papel na sociedade, são pessoas boas ou más? Bem, vamos considerar o seguinte. Um estudo recente descobriu que 10 por cento das pessoas que trabalham em Wall Street são “psicopatas clínicos”, exibindo falta de interesse e empatia pelos outros e uma “inigualável capacidade de mentir, fabricar e manipular”. Outro estudoconcluiu que os ricos são mais propensos a mentir, enganar e desrespeitar a lei.

A única coisa que me intriga sobre estas afirmações é como alguém ainda se surpreende. Wall Street é o capitalismo em sua mais pura forma, e o capitalismo é sinônimo de mau comportamento. Isso dificilmente deveria ser novidade. O escritor Inglês(alemão) Bernard Mandeville afirmou há quase três séculos atrás, em um livro satírico – poético – ejaculoso – filosófico chamado “A Fábula das Abelhas”.

“Vícios Privados, Benefícios Públicos” entende-se como o subtítulo do livro. Um Maquiavel do campo econômico – um homem que nos mostrou como somos, não aquilo que gostaríamos de pensar o que somos – Mandeville argumentou que a sociedade comercial cria prosperidades, utilizando-se de nossos impulsos naturais: fraude, luxúria e orgulho. Por “orgulho” Mandeville significava vaidade, por “luxúria” ele quis dizer o desejo da indulgência sensual. Esses requisitos criam demanda, como todo bom publicitário sabe. Do lado da oferta, como diríamos, estava a fraude: “em todos os negócios e em todos os pontos conheciam alguma trapaça, / Não havia interesse sem engodo”.

Em outras palavras, a Enron, BP, Goldman, Philip Morris, GE, Merck, etc, etc fraude contábil, sonegação fiscal, lixo tóxico, violações dos produtos de segurança, manipulação de licitação, superfaturamento, perjúrio. O escândalo de suborno do Wallmart, o escândalo do hacking de Murdoch – basta abrir a seção de negócios em um dia normal. Chutando o traseiro de seus funcionários, prejudicando seus clientes, destruindo a terra. Deixando a conta para o povo pagar. Nada disso é anomalia, é assim que o sistema funciona: você tira o máximo de proveito e tenta se esquivar caso seja pego.

Eu sempre achei interessante a função de uma escola de negócios. Que tipos de cursos eles oferecem? Como assaltar as viúvas e os órfãos? Como expropriar os pobres? Como aproveitar dos dois lados?Aproveitar as benesses do governo? Tivemos há alguns anos atrás um documentário chamado “A Corporação”, que partindo da premissa de que as corporações são pessoas, perguntava, que tipo de pessoas elas são? A resposta foi categórica, psicopatas: indiferença com os outros, incapacidade de culpa, exclusivamente dedicados aos seus próprios interesses.

Existem sim empresas éticas, e também empresários éticos, mas a ética no capitalismo é puramente opcional, puramente extrínseca. Esperar moralidade no mercado é cometer um erro categórico. Os valores capitalistas são antitéticos aos cristãos. (O fato de, os mais relevantes cristãos em nossa vida pública serem ou não os defensores mais belicosos de um desenfreado mercado livre, é apenas uma questão de suas próprias consciências.) Os valores capitalistas também são contraditórios para os democráticos. Como na ética cristã, os princípios do governo republicano obrigam-nos a considerar os interesses dos outros. O capitalismo, impondo a busca obstinada do lucro, quer nos fazer acreditar que é cada um por si.

Tenho ouvido muita conversa ultimamente sobre “criadores de emprego”, e temos aqui uma frase produzida por Frank Luntz, o guru da propaganda de extrema-direita, se fazendo de fantasma de Ayn Rand. Os ricos merecem a nossa gratidão, assim como tudo o que têm, em outras palavras, o resto é inveja.

Antes de tudo, se os empresários são criadores de emprego, os trabalhadores são criadores de riqueza. Empresários usam a riqueza para criar empregos para os trabalhadores. Os trabalhadores usam o trabalho para gerar riqueza para os empresários – o excesso da produtividade, acima dos salários e outras despesas, vai para os lucros corporativos. Não é  objetivo das partes beneficiar o outro, mas é o que acaba acontecendo, no entanto.

Além disso, empreendedores e ricos são pessoas diferentes, que apenas parcialmente cruzam suas categorias. A maioria dos ricos não são empreendedores, eles são os executivos de empresas estabelecidas, gestores institucionais de outros tipos, os médicos e advogados mais ricos, os artistas mais bem sucedidos e atletas, pessoas que simplesmente herdaram o seu dinheiro, e, sim, lógico, as pessoas que trabalham em Wall Street.

O mais importante é que nem os empresários e nem os ricos têm o monopólio sobre o cérebro, suor ou risco. Há cientistas, artistas e estudiosos – que são tão inteligentes como qualquer empresário, só que estão interessados em recompensas diferentes. Uma mãe solteira, que trabalha e se sujeita às dificuldades numa faculdade técnica, trabalha tão duro quanto qualquer gestor de hedge fund. Uma pessoa que assina uma hipoteca – ou um empréstimo de estudante, ou que concebe uma criança – à custa de um trabalho que ela sabe que pode perder a qualquer momento (graças, talvez, a um daqueles criadores de emprego), assume os mesmos riscos daqueles que começam um empreendimento.

Enormes questões na política dependem dessas percepções: o que vamos taxar e quanto; o quanto vamos gastar e com quem. Mas embora o termo criadores de emprego” pode ser considerado novo, a adulação expressa – e o desprezo tão claramente sinalizado  não o são. “Os pobres americanos são instigados a se odiarem entre si“, Kurt Vonnegut escreveu em “Slaughterhouse-Five (Matadouro-5)“. E assim, “eles zombam de si e glorificam os seus superiores“. Nossa mentira mais destrutiva, ele acrescentou, “aquela que diz ser muito fácil para qualquer americano ganhar dinheiro”. E a mentira continua. O pobre é preguiçoso, estúpido e mal. O rico é brilhante, corajoso e bom. Eles pulverizam sua beneficência sobre o restante de nós.

Mandeville acreditava que a busca individual do autointeresse poderia redundar em benefício público, mas ao contrário de Adam Smith, ele não achava que aconteceria por conta própria. A “Mão” de Smith era “invisível” – o funcionamento automático do mercado. Mandeville envolveu “A engenhosa gestão de um hábil político” – em termos modernos, legislação, regulamentação e tributação. Ou, como ele versejava, “Vice is beneficial found, / When it’s by Justice lopt, and bound.” Um dito até chocante, onde o vício pode dar bons frutos e se estiver dentro da justiça ele se torna benéfico.

An essayist, critic and the author of “A Jane Austen Education.”

http://www.nytimes.com/2012/05/13/opinion/sunday/fables-of-wealth.html?_r=1&hp

Redação

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