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Os lixões clandestinos da CSN

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CSN manteve quatro lixões tóxicos clandestinos por duas décadas

Primeiro depósito foi descoberto por acaso, por operários de obra rodoviária em Volta Redonda. MPF quer indenização bilionária

Raphael Gomide, iG Rio de Janeiro | 09/05/2011 08:00

 

Foto: Hélio Motta Ampliar

Área onde foi feito o depósito ilegal Márcia 1 hoje está coberta e vai virar rodovia

A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) manteve ao menos quatro lixões industriais clandestinos com materiais “perigosos” em Volta Redonda, cidade-sede da empresa, durante mais de duas décadas.

O primeiro aterro, Márcia 1, foi descoberto por acaso, em agosto de 2010, durante a construção da Rodovia do Contorno, na cidade. O Inea intimou a CSN, e a siderúrgica informou que o depósito funcionou a partir de 1989.

Respondendo a pedido de informações do Inea, a empresa revelou ainda a existência de outros três aterros irregulares – Márcia 2, Márcia 3 e Wandir, o maior, todos sem controle ambiental –, aonde eram levados resíduos industriais classe 1, do tipo “perigoso”, o de maior risco.

O iG mostrou que o vazamento de resíduos perigosos de depósitos irregulares da CSN também contaminou um bairro inteiro em Volta Redonda e causa medo e insegurança aos moradores. Não se sabe quais são as possíveis conseqüências da contaminação do solo para a saúde da população.

O Ministério Público Federal (MPF) move ação civil pública no valor de R$ 300 milhões relativo apenas ao Márcia 1, depois de tentar um acordo extrajudicial. O local contém 540 mil toneladas de resíduos perigosos, e o MPF calculou a multa em R$ 1 mil por metro cúbico – são 300 mil metros cúbicos. Como os depósitos ocupam áreas equivalentes, os pedidos de indenização devem superar R$ 1 bilhão.

 

O Márcia 1 foi descoberto quando operários que atuavam na obra da Rodovia do Contorno escavaram um trecho e passaram a sentir forte odor de produto organofosforado, semelhante a enxofre. Funcionários passaram mal e teriam até desmaiado. O Inea lavrou um auto de constatação e notificou a empresa para retirar o material e apresentar projeto de recuperação da área. A obra da rodovia chegou a ser paralisada, mas atualmente, segue. Na quinta-feira (28), dezenas de operários estavam no local contaminado.

 

Foto: Hélio Motta Ampliar

Procurador Rodrigo Lines move ação contra CSN pelo aterro Márcia 1 e pretende exigir compensação pelos outros três

“É aterro industrial não licenciado, totalmente inadequado, feito de forma clandestina por anos”, afirmou Sérgio Alves, assessor técnico do Inea.

A CSN defende fazer o tratamento do material depositado no local, sem precisar removê-lo – como pede o MPF. Para se ter ideia da quantidade depositada, de acordo com cálculos da siderúrgica, para retirar todo o material apenas do Márcia 1 seriam necessários 100 caminhões por dia, durante dois anos.

“Cobramos a remoção ou a garantia de condições de aterro licenciado para não haver risco à saúde humana nem ao meio ambiente”, disse o procurador da República Rodrigo Lines.

A Justiça Federal em Volta Redonda acolheu parcialmente o pedido de liminar do MPF, mas o Tribunal Regional Federal o suspendeu em fevereiro, e até hoje o recurso não foi julgado. A CSN contratou a empresa Nickol para fazer o plano de gerenciamento de resíduos, sem precisar remover. A proposta está agora sob análise do Inea.

 

Foto: Hélio Motta Ampliar

Ministério Público quer indenização bilionária da CSN pelos quatro aterros clandestinos em Volta Redonda

“Há um impasse: a CSN não quer implantar o plano e o condiciona à desistência do pedido de indenização pelo MPF. Não temos como aceitar isso. Podemos discutir valores, mas é preciso haver compensação pelo ilícito praticado durante este tempo todo. Não há possibilidade de abrir mão”, disse Lines, que pediu nova liminar.

Para o procurador, a postura da CSN é uma “chantagem”. “Hoje as circunstâncias são outras, porque já houve um consenso técnico (de que o material é perigoso). Mas precisa ser executado. A CSN diz não ser responsável pela área porque há uma obra acontecendo. Há abuso do direito de defesa. Eles reconhecem que é deles, mas fazem essa ‘chantagem’. Se for assim, vamos ao julgamento”, afirmou.

Um dos pedidos do MPF é que a CSN seja condenada a ressarcir os cofres públicos, caso o Estado pague pela retirada do material. O procurador diz que o montante pedido se deve ao volume de resíduos, aos riscos ao ambiente, ao período que ficou depositado e à atitude da empresa na resolução do caso.

 

Foto: Hélio Motta Ampliar

Sérgio Alves, do Inea, aponta o depósito Márcia 1, onde existe material perigoso

“A CSN sempre espera até a última instância, até ser obrigada a fazer algo. A empresa não tem se mostrado disposta a resolver de forma espontânea. Não se pode comportar assim diante de danos ambientais, sem reparar o que se fez e resistindo ao máximo e, no fim das contas, ainda se gastar só o mesmo que se gastaria se tivesse feito tudo certo. A irregularidade não pode compensar. As medidas compensatórias têm esse efeito educativo”, disse Rodrigo Lines.

O Inea também critica a postura da siderúrgica em relação ao passivo ambiental. “Nas reuniões, em vez de mandarem técnicos, mandam advogados”, disse o assessor técnico Sérgio Alves, do Inea.

Só no Márcia 1, foram depositadas no terreno 540 mil toneladas de resíduos carboquímicos e oleosos, misturados com escória. Segundo o Inea, a CSN aproveitou a topografia do terreno – uma espécie de vale, entre dois montes – para fazer com que o depósito não ficasse tão visível.

Assim, ao longo dos anos, foi-se igualando a “paisagem” e sendo coberto pela vegetação, como se o lixão industrial fizesse parte do relevo natural.

Como cada um tem características próprias, o MPF vai fazer uma ação para cada depósito irregular. “A CSN se recusa a assinar o TAC. Diz que até concorda em fazer o tratamento, mas não aceita como um compromisso, e sim como se fosse uma liberalidade”, disse o procurador.

O iG enviou uma série de perguntas sobre o tema para a assessoria da CSN na segunda-feira (2). A siderúrgica não respondeu aos questionamentos.

Redação

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