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Plano Brasil Maior não contempla inovação

O Plano Brasil Maior – nova política industrial anunciada no último dia 2 pelo governo federal – é bem-vindo, mas não irá influenciar no aumento da inovação no setor empresarial brasileiro, avalia o professor do Instituto de Economia da Unicamp, Carlos Américo Pacheco.

Em entrevista concedida ao Brasilianas.org, o ex-secretário do Ministério de Ciência e Tecnologia e criador dos fundos setoriais explica que a política precisa contemplar melhorias nos marcos legais de incentivo à Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), investimentos em propriedade intelectual (regras legais que regem os direitos de criação) e o aumento de recursos humanos, em especial nas áreas de engenharia.

“A impressão que fica para mim é que, talvez, a PDP (Política de Desenvolvimento Produtivo) teria uma estrutura de coordenação mais efetiva, considerando os primeiros seis meses de um governo, quando é natural haver adequação no comando de ministérios que passaram por muitas mudanças”, considera.

O Brasil é o 13º país em produção científica, segundo avaliação anual feita pela National Science Indicators (NSI). Em contrapartida, é o 47º no ranking global de inovação, de acordo com pesquisa realizada pela Confederação da Indústria da Índia em parceria com o instituto europeu Insead e com a agência das Nações Unidas Word Intellectual Property Organization (Wipo).
 
Acompanhe a entrevista.

Brasilianas.org – As propostas do Plano Brasil Maior atenderam às expectativas do setor privado em relação aos incentivos para inovação?

Carlos Américo Pacheco – O plano só atende parte das expectativas da política industrial que o setor empresarial esperava, por muitas razões. Uma delas pelo tempo de elaboração da proposta, que tem um conjunto de medidas que acho que ainda vão ter que ser aprimoradas, sobretudo em setores mais estratégicos que não foram alinhados ao tema.
É preciso lembrar que há um conjunto de questões que foram colocadas diante do governo, no âmbito do Movimento Empresarial pela Inovação (MEI), consolidado no documento apresentado durante o 4º Congresso de Inovação na Indústria (realizado em São Paulo, no dia 03 de agosto). Inclusive, esses pontos já tinham sido colocados diante do governo em anos anteriores, e havia uma expectativa muito grande por parte do setor empresarial de que fossem contemplados no Plano Brasil Maior, que são: melhoria do marco legal, propriedade intelectual, aumento de recursos humanos na área de engenharia etc.
Portanto, tem uma outra agenda com um conjunto de coisas que faltam ser complementadas,  sobretudo na área de inovação, para que a política industrial do país tenha eficácia.    

Do seu ponto de vista, por que o plano não foi mais ousado?

Boa parte do motivo tem a ver com a necessidade de se fazer um esforço grande para melhorar a área fiscal. E isso é compreensível pelo que está acontecendo no mundo hoje [em relação à recessão financeira]. A outra parte do motivo tem a ver com a dificuldade de relacionamento interno do governo.
Em geral, o mais difícil para a política de inovação – não estou falando só da política industrial como um todo – é que várias frentes precisam ser coordenadas para viabilizar a política: pesquisa, recursos humanos, marcos regulatórios etc. São muitos ministérios envolvidos, portanto a coordenação acaba sendo mais difícil. Logo, parte da resposta para sua pergunta se deve ao tempo de elaboração do plano (necessidade de detalhar cada ação), outra parte tem a ver com o contexto fiscal dentro do contexto econômico mundial que estamos vivendo, a última parte tem a ver com a coordenação de todos os ministérios e atores (como BNDES, Finep, e CNPq) que envolvem a implementação dessa política.
A impressão que fica para mim é que, talvez, a PDP (Política de Desenvolvimento Produtivo) teria uma estrutura de coordenação mais efetiva, considerando os primeiros seis meses de um governo, quando é natural haver adequação no comando de ministérios que passaram por muitas mudanças. Visivelmente o tema inovação interessa a todos, e ao interessar a todos se torna mais complicado.

Até que ponto o Estado deve auxiliar o setor privado a inovar?

Em qualquer lugar do mundo a inovação é subvencionada, ou seja, incentivada pelo governo. Acho que não há nenhum lugar no mundo onde a inovação seja tão mais relevante do ponto de vista privado como é nos Estados Unidos. Ainda assim, esse país subvenciona com mecanismos de compras governamentais a inovação nas empresas.
A maneira como os países fazem seus incentivos varia, mas alguns usam mais crédito tributário, de natureza fiscal, como na Europa, e outros usam mais compras de governo ou transferência direta para as empresas, como faz os Estados Unidos. A média, nos países da OCDE (grupo dos 34 países mais ricos do mundo), como um todo, é de 15% dos gastos privados subvencionados pelos governos.
Por que os países desenvolvidos que já tem um sistema forte de empresas no seguimento de tecnologia continuam dando esse tipo de incentivo? Porque, basicamente, existe muito risco em fazer inovação e interessa para esses países que suas empresas sejam inovadoras e tenham tecnologia, pois essa é a maneira mais fácil de elevar a competitividade ou de se manter competitivo.
O Brasil se quiser fazer minimamente o que os países desenvolvidos fazem, em termos de serviços e produtos, terá que investir ainda mais. Ou seja, terá que subvencionar mais do que 15% dos investimentos em P&D empresarial, como os países da OCDE fazem.

As pessoas se perguntam, mas o governo irá subvencionar inovação e tecnologia já é de interesse das próprias empresas fazer isso? Sim, porque o risco elevado faz com que a decisão privada se retraia. Como isso interessa ao desenvolvimento do país como um todo, o Estado subvenciona. É o discurso do Obama, do Estado da Nação, no começo deste ano. É impressionante a clareza do discurso que coloca na agenda americana a inovação como o item número um: “o estado americano tem oferecido um conjunto de incentivos para a inovação porque sabe que isso é importante para o desenvolvimento dos Estados Unidos”, ele diz. E não é a toa que na legislação da OMC (Organização Mundial do Comércio) o incentivo à P&D é aceito como legítimo. Porque você precisa reduzir o risco do setor privado para que ele consiga apostar mais nisso. E isso ainda é frágil no caso brasileiro.

O regime macroeconômico é considerado um dos maiores culpados do baixo desenvolvimento da indústria brasileira. Adianta fazer uma boa política industrial sem ajustar essa questão?

Evidente que é preciso fazer alguma coisa porque o câmbio não pode ser alterado no curtíssimo prazo. O regime macroeconômico do Brasil e o conjunto de inconsistências de acesso a competitividade privada – que vai desde portos, estradas, ferrovias, carga tributária, dispêndios com a previdência social, custos – tudo isso que está sintetizado na questão custo Brasil, não serão corrigíveis no curto prazo, o que faz com que as políticas de apoio a inovação tenham que ser mais intensas para compensar todas as desvantagens.
Às vezes a política de inovação é frágil porque o conjunto de desvantagens competitivas é tão grande que torna a posição da industrial muito difícil de lidar em relação a seus produtos de concorrentes que são, praticamente, todos da China.
Então, é claro que você precisa trabalhar essa agenda de competitividade sistêmica, mas isso não quer dizer que não tenha que fazer políticas agressivas de inovação.
 
Recentemente o governo também anunciou a criação da Embrapii, espécie de Embrapa da Indústria. A proposta é bem-vinda?

A idéia de você ter um sistema de apoio federal, um instituto tecnológico que faça a intermediação entre academia e setor privado para atender, diretamente, a indústria é boa. Mas ainda teremos muito trabalho até que essa empresa se consolide. O que o Ministério [da Ciência e Tecnologia] anunciou ainda é um piloto, vão fazer um teste apoiando três instituições: o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), o Instituto Nacional de Tecnologia (INT), do Rio de Janeiro, e o Senai da Bahia. É evidente que a inovação industrial é muito diferente da inovação na agricultura. Apesar de ser uma clonagem da Embrapa, a difusão de tecnologia entre os produtores agrícolas é estimulada pelo aumento da prática entre todos, já o sistema empresarial não ensina os outros a fazer… Mas a idéia de se ter um sistema que apóie a aproximação entre universidade e empresa é bem vinda.

Qual é a expectativa quanto aos próximos passos de formação de uma política pública?
O que se espera de uma boa política de inovação é que essa ajude a mudar a estrutura produtiva brasileira. Fala-se muito de melhorar nosso desempenho no comércio exterior, de não ficarmos reféns só da exportação de commodities, agregar valor aos nossos produtos. A política de inovação tem que ser uma política que auxilia na mudança de estrutura de setores mais intensivos de tecnologia, e isso vai depender muito de bons programas setoriais, inclusive em áreas que o Brasil tem reais chances de ser bom competidor internacional. Temos grande potencial na área de tecnologia e inovação, através das riquezas da nossa biodiversidade, nessa parte de economia verde, sustentabilidade, produção agrícola de baixo impacto, bioenergia.
Então, o que espero nos próximos meses é que o governo continue a trabalhar essa agenda. Espero muito que essas ações sejam transformadas em bons programas setoriais de inovação.
 
De quanto precisaríamos, anualmente, pra fazermos uma boa política de inovação no país?
Só os fundos setoriais públicos hoje oferecem cerca de R$ 3,5 bilhões. O esforço privado brasileiro em P&D está na ordem, hoje, de R$ 20 bilhões, logo o estado deveria subvencionar o setor privado em cerca de R$ 15 bilhões, creio, considerando o PIB brasileiro de R$ 3,6 trilhões.

Redação

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