Prisão de Marin é chance de recomeço para o futebol brasileiro, por Lúcio de Castro

Do Zero Hora

Jornalista e historiador fala da prisão do ex-dirigente da CBF na Suíça e relembra as ligações do hoje cartola com a Ditaduta Militar
por Lúcio de Castro

Jornalista e historiador, autor do documentário Memórias do Chumbo – O Futebol nos Tempos do Condor

Foram necessários 83 anos de vida para finalmente conhecer a lei.  Em um país estranho, quando mais do que nunca se achava acima do bem e do mal, acima dos homens, acima da justiça. Inimputável. Por trás, milhões de dólares ganhos por caminhos tortos. E um rastro de dor, sombra e morte.

Parece atual? Parece óbvio? De quem estamos falando? Estamos falando de José Maria Marin, é claro. Mas poderia ser perfeitamente Augusto Pinochet. Os mesmos 83 anos ao ser preso. Também em terra estrangeira. A mesma certeza da impunidade, a mesma certeza de estar acima de qualquer coisa. Os mesmos milhões de dólares subtraídos na calada da noite. Certamente não é o mesmo rastro de dor, sombra e morte. Mas deixo para outro a tarefa de quantificar a canalhice e a vilania. Tortura é tortura, barbaridade é barbaridade, seja com um ou um milhão. Seja mandando alguém para a morte no Estádio Nacional do Chile ou nas masmorras da Rua Tutoia.

Viverei cem anos e não vou esquecer daquele canto do estádio no pé dos Alpes. Os gritos lancinantes de dor ainda parecem ecoar. A escuridão permanece ali como marca indelével daqueles anos de chumbo. Não é diferente quando se anda pela ESMA argentina, ali, a 700 metros de onde se jogava uma final de Copa do Mundo em 1978 e gente morria. Os lugares de memória são assim. Fundamentais, pedras da democracia, mas com vozes perturbadoras que o tempo não leva. Se mais cem tiver, também não terei como esquecer da visita no DOI-Codi da Tutoia. Herzog estava ali, tantos anos depois. Foi Marin que o mandou para lá. Sabia o que estava fazendo naquele 9 de outubro de 1975 quando subiu na tribuna e apontou o dedo para os “comunistas da TV Cultura”. Naqueles dias era como decretar a morte de alguém. O deputado da Arena, ex-membro do PRP de Plínio Salgado, como lembra mestre Luis Claudio Cunha, deve ter vibrado com o resultado de sua alcaguetagem. Dedo-duro, uma das mais abomináveis faces de um homem. Nenhum pai cria um filho para ele ser um delator. Duas semanas depois, Herzog estava morto numa cela. Marin nunca demonstrou qualquer traço de arrependimento. Não devia mesmo. Tinha convicção no que estava fazendo. E ainda tem.

A mesma convicção que tem quando pensa futebol. Porque ninguém tenha dúvida. A aberração e o caos que vivemos, sintetizados num 7×1 que será eterna ferida em nossa alma, esse desgoverno que vai tornando o futebol nossa paixão de toda vida em espaço onde somos incapazes, tudo isso é para ser assim mesmo na cabeça de Marin, Del Nero, Teixeira. Ou alguém imagina que estão muito aborrecidos com a tragédia que viraram nossos jogos, nossas competições? Ou alguém acha que se incomodam com tanto passe errado, com tanta bola parada, com tanta falta? Não têm tempo para isso. Estão contando dinheiro. Querem que se dane o futebol.

E vocês vão pagar e é dobrado mesmo. Marin, Teixeira, Del Nero. Um preso aos 83 anos. Como se explica a um neto que “vovô foi preso”? O outro vivendo nas sombras. Foi tanto dinheiro, e eis que já não serve para nada. Vale a pena se não pode dar um passo na rua? Nem mesmo em Boca Raton. E o terceiro saindo corrido da Suíça, tal qual um trânsfuga. Vivendo de sobressalto. Na idade em que se vive de leveza.

Mas, como disse o poeta, “apesar de vocês, amanhã há de ser outro dia”… A história não tem pressa… Nesta Porto Alegre que me acolhe neste domingo, tenho certeza de que esta mesma história reserva o lixo para Pedro Seelig. E que um dia Jair Krischke, brasileiro maior, homem de ação que salvou tantos em silêncio, ainda estará nos compêndios escolares.

Hora de começar tudo de novo por aqui. Sem essa turma. Botar a bola no chão novamente, povo na arquibancada e não nos camarotes que esses nos empurraram goela abaixo e que agora vamos entendendo onde foi parar essa montanha toda de dinheiro.

Se até aqui só teve agenda para contar dinheiro, agora Marin vai ter muito tempo para refletir enquanto olha pro teto da cela. Sobre essa existência medíocre de alcagueta, sobre a estupidez que é alguém de 83 anos querendo amealhar milhões. Sobre o que fizeram com nosso jogo. Que seja o primeiro de muitos. E que, como castigo, tenham que assistir a um jogo do atual Campeonato Brasileiro no domingo.

 

Redação

Redação

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  • Desdobramentos ou encobrimentos!

    O fulano embolsou - e, no caso, sentido literal - medalha do garoto que deveria recebê-la pela vitória na Taça São Paulo, jogando pelo Corinthians. Embolsou, continuou sorrindo, pois afinal é alguém que está sempre sorrindo, não? E o que aconteceu. Nada. E o que aconteceria, não fosse a polícia de fora? Nada. E o que acontecerá a quem o patrocina, mesmo que indiretamente, que compartilha festas, chora aos microfones, destaca seus feitos e de seus assemelhados, talvez em troca de exclusividade em produto que, sabe-se lá o porquê, é oferecido de forma exclusiva. 

    Esse fulano, que tem o passado que tem, chegou onde chegou pelo desprezo que os donos do país alimentam pelo passado do país, pois com eles - passado e fulano - sempre ganharam. 

    A ver os desdobramentos, ou os encobrimentos. 

  • a PF se ligou ? ... por quê ?

     

    A  aparelhada PF só está agindo contra Marin e a CBF porque, ... depois da prisão na Suiça, ficaram evidentes as relações amistosamente corruptas entre os cartolas endinheirados e aqueles que deveriam investigar e punir os crimes.

     

    Constatada pela opinião pública a omissão criminosa da PF,  agora, para disfarçar eles vão chutar um cachorro morto e tentar mostrar  para a sociedade civil , que estão trabalhando em prol do povo e não protegem os edinheirados tucanóides...

     

    o povão vê isso e pensa, ....        me engana que eu gosto !

    • Francisco

      a PF, que é mais tucana que republicana, não é nada boba:

      É teatro pois indiciando ele vai começar o lenga-lenga dos recursos (imagina em que mão vão cair...) e tais e, como não temos acordo de extradição com os americanos, mesmo que ele seja "convidado" pelo FBI para uma conversinha, não poderá deixar o Brasil devido a essa "investigação"... de certa forma a PF está mesmo é protegendo um de seus preferidos.

      Como diz o Professor Hariovaldo, Ricardo Teixeira é dos mais laureados e enérgicos dos nossos Homens Bons, não merece um tratamente aviltante como esse... nem ele nem muito menos J. Hawilla.

  • Apreciei a seu justo valor na fóto acima

    a lembrança das juras de amor do banco Itaú e da operadora Vivo pela CBF e seu digníssimo ex-presidente J-M Marin.

    O que me fez lembrar também dos gritos proferidos na abertura da Copa 2014 no Brasil, pelos convidados VIP's daquele banco.

    Um dos meus melhores defeitos (são tantos!) é uma memória de elefante enfezado.

  • Consequência dos 7X1
    Nada na

    Consequência dos 7X1

    Nada na vida acontece por acaso.

    Se o Brasil tivesse conquistado  a última Copa, muitos estariam com pena do Marin por ser um "excelente dirigente" da CBF, perseguido pelo imperio americano.

    Muitos ainda levantariam a voz em defesa do grande dirigente brasileiro, até um senador sairia em sua defesa.

    Mas como foi 7X1...

    Ô gloria, viva os 7x1 !

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