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Rússia e Irã – Vizinhos Complicados – Desde o Século XVI

James Brooke

VoaNews/Russia Watch

Países sem fronteiras naturais são como amebas. Ao longo dos séculos, eles se expandem e contraem, se expandem e contraem.

Quando o mundo ocidental quer saber por que a Rússia tem uma política diferenciada em relação ao programa nuclear iraniano, é importante saltar para trás ao longo de quatro séculos de história.

Durante o governo de Ivan, o Terrível, a Rússia derrotou os tártaros e começou a se expandir para o leste até a Sibéria e para o sul pelo Mar Cáspio. Lá encontrou pela primeira vez a Pérsia, precursor do atual Irã.

O primeiro embaixador da Pérsia para a Rússia visitou o Kremlin há quatro séculos atrás, em 1592. Por todo o próximo século, houve uma convivência  marcada pelo clima de desconfiança entre os dois impérios, um cristão e outro muçulmano.

A seguir, em 1722, a Rússia expandiu seus territorios do sul, novamente, aventurou-se na primeira das quatro guerras vitoriosas contra a Pérsia. Progressivamente, a Rússia foi engolindo partes do império pérsico na Asia Central. Com o Tratado de Turkemnchay em 1828, o Mar Cáspio tornou-se um lago russo.

Um dos autores desse tratado foi o novo embaixador da Rússia na Pérsia, Alexandre Griboyedev, um espirituoso e encantador poeta e dramaturgo, recém-chegado do tribunal de São Petersburgo.

Mas o ressentimento persa em relação ao tratado se transbordou quando um eunuco armênio fugiu do harém do Xá (Fath ‘Ali Shah) e duas meninas armênias escaparam do harém de seu genro. Como sob os termos do novo tratado, os armênios tinham permissão  de  passagem segura da Pérsia para a Armênia controlada pelos russos, o embaixador Griboyedev se apegou nesse princípio, e exerceu sua tutela dos armênios.

O que veio a acontecer depois, torna a apreensão iraniana da embaixada dos Estados Unidos em Teerã em 1979, ou o saque da embaixada britânica há dois meses, parecerem festinhas entre amigos.

Uma multidão de milhares de persas revoltados atacaram e dominaram a Guarda Cossaca da Embaixada Russa e abateram todos que lá dentro se encontravam. Poucos dias depois, os restos mortais do eunuco estavam tão desfigurados que ele somente foi reconhecido por uma cicatriz em sua mão.

Quando a esposa de Griboyedev de 16 anos de idade, Nino, soube da sina do seu marido, ficou tão perturbada que sofreu abôrto do bebê que esperava. E para o resto de sua vida, ela recusou todos os pretendentes. Hoje, uma grande estátua de Griboyedev em Moscou é um ponto de encontro muito popular para os jovens. Em São Petersburgo, o Canal Griboyedev é um trecho pitoresco no coração da cidade histórica.

A chacina na embaixada pode ainda viver na imagem que a população russa tem do Irã. Mas não impediu que o Kremlin, mantivesse o controle do norte do Irã até 1946.

Em 1907, com a ascensão militar da Alemanha, A Rússia e a Grã-Bretanha decidiram parar de desperdiçar suas energias em seu “Grande Jogo” sobre o antigo império persa. Naquele ano, eles assinaram em São Petersburgo, a Convenção Anglo-Russa. Conforme esse tratado, a Pérsia foi dividida em uma zona norte da Rússia, uma zona central neutra governada por um Xá, e uma zona sul britânica. Isso permitiu que a Grã-Bretanha montasse depósitos de petróleo no sul do Irã e construisse uma refinaria em Abadan. Fundada em 1909, a Companhia Anglo-Persian Oil cresceu e é conhecida hoje como BP.

Esta divisão continuou até agosto de 1941, quando a Grã-Bretanha e a União Soviética em conjunto realizaram uma campanha militar que durou três semanas e depuseram o Xá pró-alemão, instalando no lugar o seu filho, Mohammad Reza Pahlavi. Durante os próximos cinco anos, as duas nações estrangeiras supervisionaram o país que, então, já era chamado de Iran.

No início de 1946, os britânicos se retiraram, mas o Exército Vermelho ficou no norte do Irã muito além do prazo para saída estipulado na Conferência de Teerã de 1943.

No início de 1946, a Guerra Fria estava começando e Stalin tentou prolongar o controle sobre o norte do Irã através da criação de duas repúblicas fantoches pró soviéticas e assinou um tratado de óleo com Teerã, que dava à União Soviética a posse de 51 por cento dos depósitos de petróleo no norte do Irã. Mas logo depois que as tropas do Exército Vermelho se retiram, as repúblicas marionetes entraram em colapso. No final de 1947, o parlamento do Irã se recusou a ratificar o acordo de petróleo.

Com esta história em mente, eu mal conseguia reprimir um sorriso na quarta-feira quando eu me sentei no novo e confortável auditório de imprensa do Ministério das Relações Exteriores da Rússia. O ministro Sergei Lavrov, talvez esperançoso de que ninguém na sala soubesse da história, duramente avisou que a interferência nos assuntos internos do Irã é “inadmissível”. Aqui, a moralidade na diplomacia pode ser ditada mudando a realidade no palco.

Seis décadas de lucrativa exploração do petróleo e uma população jovem crescente deram ao Irã uma poderosa máquina militar. Hoje, eles podem estarem construindo uma bomba nuclear.

Em contraste, a ameba russa recuou. Com o envelhecimento e diminuição da população, a projeção de poder do Kremlin decaiu dramaticamente em relação ao nível da era Soviética.

No Caspio pós-soviético, o controle de Moscou recuou para cerca de 20 por cento dos sete mil quilometros de sua costa. E metade da porção russa está no Daguestão, onde atualmente está em curso a mais forte das insurgências no sul islâmico da Rússia. Ao invés de ser Moscou quem atravessa o Mar Cáspio para desestabilizar o norte do Irã, Moscou agora teme que o Irã atravesse o Cáspio para desestabilizar o sul da Rússia.

A Primavera Árabe do ano passado, colocou fim a uma série de relacionamentos herdados da era soviética. A influência russa no Mediterrâneo ficou reduzida a um ponto de apoio em Tarso, uma base naval na costa da Síria. Agora, a Rússia procura suportar o governo da Síria, seu último aliado árabe no Mediterrâneo. Neste mês, a Rússia enviou à Síria seu último porta-aviões e novos suprimentos de munições para o exército da Síria. Mas um grande ponto de interrogação paira sobre o futuro da Síria.

E o povo russo não é muito amante de envolvimento militar no exterior, seja com a Síria ou com o Irã.

Na Ásia Central, a Rússia fala em voz alta, mas age com cautela, Em junho de 2010, Roza Otunbayeva, o então presidente do Quirguistão, pediu publicamente por quatro vezes que Moscow enviasse tropas para acabar com os tumultos étnicos em Osh. O presidente Medvedev respondeu que iria estudar o assunto.

O sistema político da Rússia pode ser autoritário. Mas o Kremlin mantém sua orelha grudada ao chão através de um sistema extensivo de sondagens de opinião.

Um poderio militar enfraquecido, o envelhecimento da população, e pouco apoio popular para aventuras militares – estas não eram as preocupações de Ivan, o Terrível, ou do seu equivalente moderno, Joseph Stalin.

Assim, hoje, com a ameba russa retraindo, não há indicação de que os líderes russos querem confusão com Teerã.

 

Russia and Iran: Uneasy Neighbors – Since the 16th Century

 

Redação

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