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Sérgio Buarque, o guia

Arquivo aberto

MEMÓRIAS QUE VIRAM HISTÓRIAS

Ouro Preto, 1949

 

RUTH ROCHA 

Fui aluna do professor Sérgio Buarque de Holanda no quarto ano da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Devo a ele minha visão do Brasil, com olhos tolerantes e a percepção de que nosso país é, ele mesmo, tolerante e que isso deveria servir como exemplo ao resto do mundo.

O professor Sérgio Buarque de Holanda conhecia profundamente muitos assuntos. Suas aulas eram ricas e enveredavam por muitos caminhos e todas essas trilhas revelavam aventuras e surpresas.

Da mesma forma que ele estudou o alargamento das fronteiras brasileiras, expandiu as fronteiras do conhecimento de seus alunos. Devo muito a ele, do ponto de vista intelectual, e considero um privilégio ter sido sua aluna.

Mas o que eu me proponho a contar aqui aconteceu anos antes de conhecê-lo como professor, quando, no primeiro ano da escola, eu o conheci como pessoa.

O professor acompanhou uma excursão de alguns alunos para Minas Gerais. Nossa admiração por ele começou já no primeiro dia. Ele era alegre, informal, um ótimo companheiro. Cantava conosco, jogava nossos jogos, contava histórias ótimas.

No primeiro hotel em que nós nos hospedamos, em Belo Horizonte, havia um piano no salão de estar. Um de meus colegas observou: “Aposto que o Sérgio vai tocar piano!”.

E ele tocou mesmo. Não tocava bem, mas era animado e descontraído, e as músicas que ele tocava eram todas engraçadas. Nós adorávamos o jeito dele.

Depois de uma estadia ótima -quando presenciamos a primeira colheita de trigo de Minas, fomos a festas, conhecemos o então governador Milton Campos e visitamos grande parte da cidade-, tomamos o trem para Ouro Preto.

Naquele tempo a gente ia de trem de Belo Horizonte a Ouro Preto. Demorava-se cerca de seis horas para chegar, pois a estrada era cheia de curvas e mais curvas.

(Eu soube depois que o pagamento da construção da estrada era calculado por metro linear, por isso os empreiteiros alongavam o que podiam o comprimento da estrada).

Chegamos tarde a Ouro Preto e, como em todas as turmas, existia um grupo do contra, que queria porque queria discutir o que iríamos fazer no dia seguinte.

Queriam sair do hotel muito cedo, para “aproveitar o dia”. Eu e mais duas colegas resolvemos ir dormir, porque estávamos muito cansadas e aquela conversa estava muito comprida.

Acordamos no dia seguinte lá pelas 8h30 e descemos para tomar café no restaurante.

A turma do contra tinha acordado às 6h e àquela altura já estava longe. E tinha levado o resto do pessoal com ela.

Mas lá estava o professor, numa das mesas, e nos convidou a tomar café com ele. Não foi só isso: nos convidou a percorrer a cidade com ele.

O professor Sérgio Buarque de Holanda, aquele homem que nós admirávamos tanto, aquele historiador maravilhoso, um dos intelectuais mais respeitados do Brasil de todos os tempos, nos serviria de guia e levaria o livro de Manuel Bandeira sobre Ouro Preto, recém-saído na França, para ilustrar o passeio.

Alugou um carro e lá fomos nós, conhecer a cidade.

Foi uma maravilha!

Ele nos mostrou a igreja de São Francisco de Assis, obra prima de Aleijadinho; a matriz de Nossa Senhora do Pilar, com seus 400 anjos, 400 kg de ouro, 400 kg de prata; os inúmeros chafarizes, o dos Contos, o mais lindo de Ouro Preto, o de Marília de Dirceu, ao lado da casa de Marília; a Casa da Ópera, o teatro mais antigo da América Latina.

No caminho, nos chamava a atenção para detalhes interessantes e surpreendentes como os símbolos maçônicos que apareciam nos entalhes; as espigas de milho que substituíam o trigo nos trabalhos feitos pelos escravos; a pia de madeira onde as escravas lavavam as cabeças empoadas de ouro, que depois era recolhido para pagar a alforria de outros escravos.

Não só nos mostrou a igreja de Santa Efigênia como nos chamou a atenção para o papa negro que aparece nas pinturas do teto, o lindo largo do Rosário com seu casario barroco, a ponte dos Suspiros.

Já estive em Ouro Preto algumas vezes, mas esse passeio foi único. A graça, a erudição e a generosidade desse homem incomparável ficarão em minhas lembranças para sempre.

Luis Nassif

Luis Nassif

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