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Sniper Americano x Lyudmila M. Pavlichenko: pode um soldado nazista ser equiparado à uma verdadeira heroína?

Tenho acompanhado a discussão sobre o novo filme de Clint Eastwood e vi a propaganda do mesmo nas últimas vezes que fui ao cinema. Geralmente faço comentários sobre filme que vi. Desta vez escreverei algumas linhas sobre uma obra que não pretendo ver.

A guerra do Iraque começou com uma mentira repetida à exaustão: o envolvimento de Saddan Hussein no ataque terrorista às Torres Gêmeas. Evoluiu com outra mentira igualmente repetida à exaustão: a procura das armas de destruição em massa iraquianas que nunca foram encontradas. Encurralado entre as duas mentiras que usou para convencer seu povo e a ONU a apoiarem a guerra, George W. Bush passou a justificar a criminosa agressão militar ao Iraque com um terceiro argumento pueril: a suposta tentativa de assassinato do pai dele ordenada pelo governante iraquiano que foi deposto e enforcado. O real motivo da invasão do Iraque pelos EUA, porém, foi confessado inadvertidamente por Paul Wolfowitz http://noticias.terra.com.br/mundo/noticias/0,,OI110959-EI865,00-Petroleo+foi+o+motivo+da+guerra+admite+Wolfowitz.html .

American Sniper tem como pano de fundo a Guerra do Iraque, mas omite os aspectos fundamentais do conflito. Pelo que li e vi até o momento, conclui que o filme de Clint Eastwood não passa de um melodrama banal que pretende salvar a reputação dos soldados norte-americanos que participaram do conflito. A obra glorifica a vida conflituosa de um atirador que, inspirado pelo seu fanatismo religioso e patriótico, matou mais de uma centena de iraquianos que resistiram à invasão do país deles (mulheres, velhos e crianças incluídos). O filme pretende elevar o assassino profissional à condição de herói. Todavia, não há possibilidade de heroísmo numa guerra de conquista movida por um Estado rico e poderoso contra uma população indefesa.

Resistir à ocupação do próprio país mesmo sabendo que se está em desvantagem militar é um ato heróico. Portanto, os únicos heróis do filme de Clint Eastwood são os coadjuvantes mortos pelo atirador. Todavia, American Sniper inverte esteticamente princípios éticos bem estabelecidos desde Aristóteles (384 aC – 322 aC) para retratar, realçar e celebrar as supostas virtudes de um homem que participou ativamente de ações que deveriam ser consideradas injustas desde a sua mais tenra origem (as mentiras repetidas à exaustão para justificar a criminosa agressão militar do Iraque). As vidas dos verdadeiros heróis filmados por Clint Eastwood não tinham qualquer valor para o cineasta norte-americano. Por isto, ele justifica os crimes de guerra cometidos pelo protagonista do seu filme.

E já que o filme trata de um atirador de elite podemos comparar a trajetória do herói de American Sniper com a de Lyudmila M. Pavlichenko. Esta atiradora da antiga União Soviética participou da II Guerra Mundial e matou 309 soldados da Wehrmacht e da SS (tropa de elite nazista). Lyudmila M. Pavlichenko era mulher e defendeu seu país com imenso risco de vida, pois Adolf Hitler enviou suas divisões mais experientes e melhor equipadas para conquistar espaço vital no leste e destruir a Rússia http://pt.wikipedia.org/wiki/Opera%C3%A7%C3%A3o_Barbarossa . 

Durante a Operação Barbarossa, os Einsatzgruppen http://pt.wikipedia.org/wiki/Einsatzgruppen eram encarregados de exterminar judeus inocentes e de matar soldados e civis soviéticos que resistissem à ocupação alemã da URSS atrás das linhas da Wehrmacht. A conduta do herói de Clint Eastwood num país que foi injustamente ocupado pelos EUA se assemelha mais à de um soldado dos Einsatzgruppen ou à da atiradora de elite Lyudmila M. Pavlichenko?

Que risco correu o atirador norte-americano enquanto matava velhos, mulheres e crianças sem treinamento militar numa guerra movida pela ambição petrolífera e justificada com mentiras? Quase nenhum. De fato ele acabou morto nos EUA por um colega dele considerado esquizofrênico. Se for comparado à heroína russa mencionada, Chris Kyle era pouco mais do que um soldado nazista metido num uniforme dos EUA pronto para ser despachado para o outro mundo. O pseudo herói de American Sniper foi tarde e não merecia um filme. Portanto, não gastarei meu dinheiro para sustentar a indústria cultural que pretende validar sua infame história.
Fábio de Oliveira Ribeiro

Fábio de Oliveira Ribeiro

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