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“The Running Man”, Julian Assange, Gilgamesh e as ficções paralelas no futuro dos fungos de Chernobyl

Em 2017 o mundo será uma tirania policial brutal, controlada por redes de TV que manipulam a informação, difundem inverdades e mantém as pessoas entretidas com um show violento… Este é o argumento do filme “The Running Man” (1987), baseado num conto de Stephen King publicado sob o pseudônimo de Richard Bachman em 1982 http://pt.wikipedia.org/wiki/The_Running_Man_(1987) .

A distopia fictícia concebida por Stephen King, que foi protagonizada na telas grandes por Arnold Schwarzenegger, tem relações evidentes com os fenômenos midiáticos descritos e submetidos à investigação científica em “Manufacturing Consent: The Political Economy of the Mass Media”, livro de Noam Chomsky e Edward S. Herman publicado em 1988. “O Consenso Fabricado” virou mini-série em 1992 https://www.youtube.com/watch?v=1IFKcdwCpwM .

Julian Assange nasceu em 1971. Portanto, podemos supor que ele cresceu vendo o filme “The Running Man”  e a mini-série Manufacturing Consent”. A obsessão de Assange por revelar verdades deliberadamente escondidas do público pela mídia se transformou em realidade através do Wikileaks. O website é, sem dúvida alguma, uma extensão criptografada e digital da personalidade de seu criador.

Desde que criou o Wikileaks, Julian Assange se tornou o herói de sua própria versão digital e mundial de “The Running Man”. Como ele mesmo narra em seu livro:

“O Wikileaks sempre foi uma operação de guerrilha. Atraíamos a vigilância e a censura para uma jurisdição e nos transferíamos para outra, cruzando fronteiras como fantasmas.” (Wikileaks – Quando o Google encontrou o Wikileaks, Julian Assange, Boitempo, São Paulo, 2015, p. 28)

Os feitos do Wikileaks não são nada fictícios, mas já foram transformados em ficção. O filme “The Fifth Estate” (2013)  narrou o período em que, com ajuda de informantes e militantes, Julian Assange revelou ao mundo, dentre outras coisas, os relatórios de guerra do Iraque e as mensagens diplomáticas dos EUA. O filme foi considerado prejudicial ao Wikileaks pelo seu fundador http://g1.globo.com/pop-arte/cinema/noticia/2013/09/wikileaks-posta-roteiro-de-o-quinto-poder-e-diz-que-filme-e-prejudicial.html .

Como o personagem interpretado por Arnold Schwarzenegger  em “The Running Man”, o herói do Wikileaks também foi transformado em vilão pela mídia. Mas ao contrário de Ben Richards, Julian Assange não pode mais correr. Ele foi injustamente imobilizado Embaixada do Equador em Londres, onde se encontra detido desde junho de 2012. A prisão informal, contudo, não o impediu de divulgar uma nova versão de seu temido website  https://wikileaks.org/Some-notes-on-the-new-WikiLeaks.html . A guerra travada na internet, com as armas da Tecnologia da Informação e os recursos da moderna criptografia, pelo general virtual Assange não é semelhante àquela disputada no labirinto pelo personagem de Stephen King.

A extensão criptografada e digital da personalidade de Assange não pode ser nem detida, nem morta. O pesadelo deste Running Man Virtual é outro.

O filme estrelado por Arnold Schwarzenegger tem um final infeliz para os criadores da distopia televisiva. Quando a verdade é finalmente revelada pelos subversivos midiáticos a população se rebela e coloca um fim na tirania. A ditadura da mentira combatida por Assange não será tão facilmente derrotada. As verdades reveladas pelo Wikileaks acarretaram algumas prisões na Europa, provocaram mudanças no Norte da África, iniciaram um sério debate diplomático na ONU sobre a espionagem em massa praticada pelos EUA e incentivaram revelações ainda mais estonteantes por Edward Snowden. Contudo, nada disto conseguiu libertar os norte-americanos da tirania midiático-policial em que eles vivem.

Estamos há um ano e meio de 2017. Mas a realidade é bem diferente daquela que foi imaginada por escritores futuristas na década de 1980. A televisão não tem o mesmo poder simbólico que tinha há 30 anos. A internet se tornou planetária e já é a maior ferramenta de comunicação mundial. O crescimento do poder simbólico da rede de computadores é evidente.

Obama foi eleito com ajuda de internautas. Dilma Rousseff se recusou a usar as redes de TV para fazer seu pronunciamento de 1o. de maio de 2015, preferindo divulgar vídeos e textos no Twitter e no Facebokk. Julian Assange, o herói das guerras midiáticas em curso, não pode ser detido nem mesmo estando imobilizado numa Embaixada. A batalha pelo controle total da internet, que havia sido parcialmente vencida pela NSA quando aquela agência conseguiu obter a colaboração das empresas de informática (Windows, Facebook e Google), sofreu uma grande reviravolta com as revelações de Edward Snowden. Protegido pela Rússia, Snowden tem mais liberdade que Assange para desferir golpes dolorosos no império norte-americano. A fabricação do consenso nos domínios da internet, contudo, ainda não foi de objeto de estudo sistemático. A obra de Noam Chomsky e Edward S. Herman precisa ser revista e atualizada.

O que o futuro nos reserva? Isto é algo difícil de dizer. Quem tenta explorar o que ainda não existe corre o risco de amplificar as virtudes e os defeitos do mundo em que vive e a desprezar reações impensadas aos delírios de controle planetário. A NSA queria saber tudo o tempo todo, desejava controlar todos os segredos de todos os países e internautas, mas os serviços secretos da Rússia, Alemanha e de outros países voltaram a utilizar máquinas de escrever assim que Snowden revelou o alcance PRISM. Este retorno ao passado era certamente impensável quando o próprio PRISM foi concebido.

A Biblioteca de Nínive ficou enterrada no deserto por mais de dois mil anos. O conhecimento registrado em placas de barro a mando dos imperadores assírios a partir do século VII aC foi recuperado quando as mesmas acabaram sendo resgatadas do esquecimento no século XIX. Um leitor moderno pode agora ler traduções da “Epopéia de Gilgamesh”, mas a utilidade deste conhecimento é praticamente nula. Também será nulo o conhecimento das verdades reveladas por Julian Assange se nenhuma mudança ocorrer nos EUA.  

Tentar descobrir agora “o que ainda está por vir” é olhar para o insondável futuro da sociedade norte-americana, cujas virtudes e defeitos são diariamente reforçados pela mídia. Só a guerra total foi capaz de destruir a capacidade dos nazistas de conceber e difundir mentiras na Alemanha. O futuro dos EUA será  semelhante ao passado do III Reich?

A probabilidade disto ocorrer existe, tanto que a mídia norte-americana começa a temer uma guerra nuclear com a Rússia por causa da irracionalidade da política dos EUA na Ucrania http://sputniknews.com/us/20150502/1021638232.html#ixzz3YzUAC1JJ . Mas neste caso não haverá sobreviventes, computadores, internet ou cópias do filme “O Sobrevivente” que possam ser desenterradas nos desertos contaminados por radiação que a guerra termonuclear espelhará pelo globo. A Epopéia de Julian Assange não será um Gilgamesh no futuro, pois o próprio futuro deixará de existir como um conceito produzido por seres racionais. Os fungos que crescem nas paredes de  Chernobyl ainda não pensam. Se vierem a pensar provavelmente considerarão os seres humanos do século XXI como animais suicidas incapazes de pensar.

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

Fábio de Oliveira Ribeiro

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