Xadrez do papel dos radicais de esquerda, por Luis Nassif

Os radicais do PT (atenção: não utilizo essa palavra pejorativamente) se levantam contra a ideia do pacto nacional com o centro-direita, contra o milicianismo que ameaça o país.

Não conseguirão deter o rumo das águas, mas essa radicalização será essencial no segundo tempo do jogo, na hipótese dessa coalizão esquerda-centro direita ser vitoriosa.

Há diversas razões para sustentar que o pacto é inevitável, como única alternativa às tentativas continuadas de golpe pelas milícias lideradas por Bolsonaro.

A maior delas, é que qualquer radicalização será contra a esquerda. O único fator de mobilização do fascismo fundamentalista brasileiro, para fora de sua bolha, é a suposta ameaça das esquerdas. A ultradireita também dispõe de capacidade de mobilização popular e está profundamente infiltrada nos poderes de Estado e nas organizações criminosas – tanto nas milícias quanto no PCC.

Outra razão é que a maioria dos movimentos populares organizados aprendeu a atuar em ambiente democrático. O que mais desejam é o aprofundamento da democracia e a descriminalização de sua atuação.

O radicalismo, de não aceitar nenhuma forma de aliança, é praticado basicamente por YouTubers de esquerda, alguns livre atiradores cujo ato de “causar” faz parte de seu marketing, e parte da base que não consegue avaliar com clareza questões como correlação de forças.

Dizem os radicais – e com razão – que foi a tentativa de composição, as concessões feitas pelos governos petistas, sua falta de ambição em conduzir mudanças estruturais que levaram ao golpe do impeachment.

É evidente que qualquer novo governo não poderá mais tentar o mesmo do mesmo.

A questão central é como se conduzir na hipótese de uma coalizão esquerda-centro direita sair vitoriosa – e aí o papel da militância será fundamental. A maior arma do PT é sua militância e seus votos. Virá dela a pressão para que não se tergiverse em pontos essenciais, nos quais haverá maior divergência com os futuros aliados, as chamadas cláusulas pétreas do acordo:

  1. Um novo modelo fiscal, que taxe os ganhos financeiros e seja efetivamente progressivo (isto é, taxando proporcionalmente mais quem ganha mais).
  2. Restabelecimento constitucional dos patamares mínimos de gastos sociais, em educação, saude e segurança, com recuperação da educação e da saude públicas.
  3. Aprofundamento da democracia, com o fortalecimento de conselhos de participação em todas as áreas, das áreas econômicas (abrindo espaço para participação empresarial) às áreas sociais.
  4. Recuperação do conceito constitucional de função social da propriedade, impulso à reforma agrária, reconhecimento dos direitos de índios, quilombolas e sem teto..
  5. Democratização da mídia, com a instituição de legislações similares a de países desenvolvidos para evitar a cartelização e permitir diversidade e regionalização da produção.
  6. Enquadramento dos órgãos de controle nos estritos limites da lei.

Por outro lado, há que se contemplar as demandas legítimas do meio empresarial:

  1. Ampliação dos programas de desburocratização.
  2. Uso do mercado de capitais, delimitando claramente seu espaço e o dos bancos públicos.
  3. Discussão aberta sobre o novo modelo de legislação trabalhista, que contemple as mudanças estruturais na economia e garanta a proteção social.

De lado a lado, os partidos políticos terão que se abrir para o meio social. Acabaram os tempos em que o partido definia sozinho políticas de compensação e entregava aos grupos sociais como um presente.

Partidos modernos terão que operar como plataformas, permitindo que cada grupo associado formule suas próprias políticas setoriais, mantendo suas identidades. Às executivas, democratizadas, caberá apenas garantir que cada proposta se enquadre nos princípios partidários.

Estamos no início de uma longa caminhada, da mais fundamental batalha política da história, a luta que colocará definitivamente o país no rumo da modernidade, ou de volta ao período mais obscurantista da história.

Luis Nassif

Luis Nassif

View Comments

  • Sem o restabelecimento dos direitos trabalhistas usurpados pelos golpistas de 2016 (da tal centro direita), usurpação aprofundada nos dias de hoje, não dá nem para começar a conversar.

    • Numa negociação destas o primeiro ítem deveria ser a revogação de todo o entulho golpista de Temer para cá. Restauração de toda a legislação trabalhista, revogação da reforma da Previdência, garantia dos direitos fundamentais, etc. Tem que começar daí. O que está neste texto acima é uma capitulação humilhante em prol dos golpistas.

  • "A maior arma do PT é sua militância e seus votos. Virá dela a pressão para que não se tergiverse em pontos essenciais, nos quais haverá maior divergência com os futuros aliados..."
    A militância do PT não é radical ainda que nutra uma devoção quase cega por seu líder, em alguns casos de maneira até inexplicável. Quem Nassif chama de "radicais" são aqueles que estão fora do PT e criticam o lulismo pela esquerda. Estes teriam massa crítica para fazer pressão por cláusulas mais democratizantes. Mas estes, cá entre nós, não tem força política para exigir nada e nem fazer pressão. Talvez o tenham quando Lula sair definitivamente de cena, mas isso por hora parece algo que vai acontecer num horizonte muito distante.
    Voltando á militância do PT, esta não fará nada se não vier um comando do grande líder. A devoção pode ser grande mas a capacidade de ação e organização é pequena e depende da vontade do grande líder. Este por sua vez não é dado a arroubos revolucionários, muito pelo contrário, é bastante conservador. Particularmente, duvido que Lula use a militância para qualquer coisa que não se resuma aos seus planos eleitorais. Aliás, esta é para mim a grande falha do lulismo: a energia pode ser grande, mas da mesma forma também o é a incapacidade de canalizar essa energia para mobilizações capazes de transformação. No final, tudo se resume aos ciclos eleitorais e, uma vez fechadas as urnas, não há mais razão para se levar a militância em consideração. Pelo menos até que a próxima eleição passe a pautar de novo as ações políticas. Num quadro como este, tudo a que Nassif se refere como "cláusulas pétreas do acordo" estarão mais que garantidamente fora do radar politico.

    • Bernardor (& Nassif): vamos evitar o “fogo amigo”, que em nada ajudaria à causa. Estaríamos, sim, facilitando para essa corja de safados e seu braçoarmado. Acontece que a construção teórica de vocês, no palco político-partidário, não deixa de encontrar respaldo e eco no discurso acadêmico. Mas o estômago é o nosso. A moradia é a nossa. O emprego é o nosso. A escola é a nossa. A saúde é a nossa. O transporte é o nosso. A segurança é a nossa. O salário é o nosso. O que tá na reta é o nosso. E estamos falando dagora prá frente. Dos nossos filhos, das gerações futuras, Ora, pinóia, sabemos que isso não é bem quisto ou visto pelos VerdeSauvas e seus asseclas, os conhecidíssimos meliantes e ladrões, políticos e sociais. Doutra feita, não se trata de ser crítico do lulismo “fora do PT, à esquerda”. Não temos direção nem vínculo partidário. Só necessidades básicas, como qualquer do Povo. E respeitamos muito o SapoBarbudo. E é dentro desse respeito que nos assusta a tentativa de composição com aqueles que desgraçam a Nação há mais de um século, consecutivamente. Que discurso se pode esperar quando a tratativa é com escrotos, como os do mencionado Partido? Ou dos milicos? Vai entregar de bandeja a cabeça da nossa geração, esperando que os SenhoresDaGuerra lhes prometam o futuro? Santa ingenuidade, que a História tem desmentido a todo instante. Lembra o lema da DitaMole, “crescer o bolo prá depois repartir”? Se o fizeram não foi conosco. “Cachorro mordido de cobra não come linguiça e corre de minhoca”.

      Arisquem ver Langston, “Too, am America”...

  • A "radicalização do PT" é hoje á única alternativa para tentar acabar com a herança do escravagismo e promover uma maior e rápida distribuição renda.

    As atuais lideranças do centro estão todas abraçadas como o liberalismo econômico, qualquer conciliação e/ou composição com esses setores ao invés de afastar os risco de uma ditadura e/ou de destruição dos direitos dos trabalhadores, vai aumentar e em em um escala muito maior do que hoje representa o atual governo.

    Tudo vai depender da mobilização social, sem ela não haverá conciliação ou qualquer perspectiva democrática.

  • Nassif vc ainda não se ligou nos aspectos psicológicos da situação,e isso o Facebook com seus algoritmos e perfis sabe muito bem manobrar e manipular, NINGUÉM QUER PACTO PARA AS COISAS FICAREM IGUAIS OU PIORES (principalmente progressistas/esquerdistas)nós (eu)preferimos q os militares metam o coturno na porta e arrebente tudo então,querem um acórdão para depois dizerem q se tá tudo mal,se tá dando merda é por causa de TODOS,pacto só ganha as elites(mais ainda)pois irão disfarçar a situação,ora,ora,eles já conseguiram tudo q queriam mesmo,vão lá líderes progressistas/esquerdistas vão,façam um pacto mesmo e vejam o resultado e não esqueçam depois de passar no caixa do banco para pegar o dinheiro !!!

  • Caro Nassif,
    Não sei se assim posso falar. Mas, pra mim você é caro, pelo seu discernimento. Não sou do PT. Sou filiado ao PDT do grande Brizola. Porém, sou radical. Não sou trela nem pra irmão. Pisou na bola, foda-se. Ninguém, ninguém mesmo, tem o direito de se imbecilizar.

  • Vez ou outra eu também esbravejo, paredon, sangue na calçada, às ruas, AK 47 (aprendi com o grande, no caráter, não no tamanho, informação do próprio, Rui Daher) etc., etc.. Paro pra pensar e me sinto o leão desdentado falando em combater as hienas. Pé no chão, observo que se Lula fosse esperar pelos "radicais" continuaria residindo em Curitiba. E quem o libertou foi Gilmar Mendes. Não adianta tergiversar, se Gilmar não tivesse mudado de lado o resultado não teria sido de 6x5 mas de 7x4 a favor da prisão em segunda instância, o voto dele valeu por 2, levou junto Toffoli. O que se leu e se ouviu sobre GM ser isso, ser aquilo, e tanto o isso e o aquilo terem conotações das piores imagináveis, para ao final vê-lo alterar o pêndulo de Lula. Não interessa o porquê, o motivo, interessa o que ele fez. Claro que não passa pela minha cabeça pactuar, por exemplo, com FHC, porque até hoje ele sempre esteve do lado de lá nada fez para restaurar o que se destruiu, pelo contrário. Mas se aparecer numa mesa o Sr. Diabo, com um plano concreto de restauro da Democracia, do Estado de Direito, cobrando algumas almas de pagamento, a minha será a primeira a ser ofertada.

  • Radicais do PT? Mesmo não querendo referir-se pejorativamente, acaba rotulando. Onde foram indicados outros radicais que não os do PT?Ser contra os golpistas não faz de ninguém radical.
    Não dá para fazer nenhum tipo de negociação com essa gente simplesmente porque eles nunca quiseram negociar nada.
    Quem são os representantes dessa gente que não é radical? Podem colocar todos os nomes desses não radicais,do meio industrial,financeiro, do agronegócio, da mídia, do judiciário e,após isso,checar com a lista de golpistas. Estarão todos lá.
    A negociação precisa ser feita com o povo em primeiro lugar.
    Não podemos ser utilizados para corrigir o golpe e sim para ir contra ele.
    A direita que se veste bem e sabe usar os talheres não terá apoio para assumir o lugar da direita tosca.
    Se defender a democracia é ser radical,sejamos todos radicais.
    Jamais golpistas.

  • A ironia à esquerda do que o pseudo centro, àgora, servil burocrata, tenta mediar à política com a ultra direita.

    :::: as férias de hegel :::: {https://www.wikiart.org/en/rene-magritte/hegel-s-holiday-1958}

    Citado de Paulo Freire: "Não queremos, porém, com isto dizer – e o deixamos claro no ensaio anterior3– que o radical se torne dócil objeto da dominação.Precisamente porque inscrito, como radical, num processo de libertação, não pode ficar passivo diante da violência do dominador.Por outro lado, jamais será o radical um subjetivista. É que, para ele, o aspecto subjetivo toma corpo numa unidade dialética com a dimensão objetiva da própria idéia, isto é, com os conteúdos concretos da realidade sobre a qual exerce o ato cognoscente. Subjetividade e objetividade, desta forma, se encontram naquela unidade dialética de que resulta um conhecer solidário com o atuar e este com aquele."

    à página 13 (ha, essa realidade...) da Pedagogia do Oprimido (https://www.anarquista.net/wp-content/uploads/2013/07/Pedagogia_do_Oprimido-Paulo-Freire.pdf)

  • Nassif continua sonhando... Que plano tao bonito! Pena que nao tenha a MENOR CHANCE de ser posto em prática, menos ainda de dar certo.

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