Cidadania

Vivendo dentro de 1964 – a caminhada contra o silêncio, por Afonso Junior

Vivendo dentro de 1964 – a Caminhada contra o Silêncio

por Afonso Junior

Acontece neste domingo, 31 de março, a 4ª Caminhada do Silêncio tendo como local da concentração o antigo DOI-Codi – centro de operações onde mais de 7 mil pessoas foram torturadas durante a ditadura civil-militar. A manifestação é organizada pelo movimento “Vozes do Silêncio contra a Violência de Estado”, e nesse evento se lembra os desaparecidos assassinados, se exige o seguimento das buscas e se pede políticas por Verdade, Memória e Justiça em nome de um futuro melhor.

Desde março de 2023, realizamos na TV GNN, o programa Preparando a Caminhada do Silêncio, a partir do projeto artístico-político Nunca Mais, surgido em torno do média-metragem sobre Zuleika Angel de mesmo nome (@nuncamais.ofilme). 

Como anda a questão no Brasil?

A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, extinta em dezembro de 2022, assim segue. Na Argentina, há  41 anos, a Equipe Argentina de Antropologia Forense (Eaaf) realiza escavações em valas clandestinas. Encontrados os esqueletos, são classificados e se busca marcas de violência.

O presidente Lula definiu, recentemente, que não se realizem atos para marcar os 60 anos do golpe. A verdade seria “remoer o passado”.

Um cálculo político desastroso, uma opinião pessoal conservadora, um gesto de diplomacia questionável?

Ninguém entendeu essa “lei do silêncio” sobre os crimes da nossa história recente.

Existe uma onda de publicidade anti-democrática – clubes defendendo o terrorismo de estado, videos defendendo revolta contra a Justiça.

Sem conhecer o que ocorreu, os abusos e os interesses, nossos valores permanecem os mesmos da década de 1970.

A ignorância completa é preenchida pelo modelo de vida baseado em ostentação, consumismo, medo do pobre e raciocínios políticos automáticos.

Nenhum silêncio ajudará.

Mas o que a memória significa?

Quem não sabe quem é, não sabe quem o ataca. Recebe golpes repetidamente.

As estruturas que favoreceram, hoje, certos grupos são consequência do que já vivemos.

A ditadura foi também uma forma de acumular capital de forma rápida e sem as demandas da nova forma de poder surgida após as Grandes Guerras, por exemplo o Estado de bem-estar social.

Conforme a advogada Rosa Cardoso, da Comissão Nacional da Verdade (CNV): “Antes de 1964, os trabalhadores ganhavam muito melhor. A queda de salário durante todo período fez com que as reivindicações fossem retomadas a partir de um patamar baixíssimo” (Isabela Vieira, EBC – 28/08/2014) Isso lembra a queda do salário mínimo já no governo Temer.

Além disso, novas pesquisas estão ampliando o processo de análise dos atores envolvidos – por exemplo, empresas que foram co-participantes do regime. Investiga-se a Folha de S. Paulo, Cobrasma, Paranapanema, Docas, Embraer, Fiat, Belgo-Mineira e Mannesmann e Aracruz.

A sociedade parece ter avançado, mas o poder político não.

A situação de descontrole do Rio de Janeiro mostra a continuidade.

Há pessoas ligadas às polícias no crime organizado miliciano.

Conforme Aloy Jupiara, jornalista, um dos autores de “Os Porões da Contravenção”:

“Quando ocorreu a decisão de diminuir ou acabar com a repressão política efetivamente – com os porões – e, ao mesmo tempo, iniciar uma abertura política, os torturadores e o pessoal mais diretamente envolvido na repressão se sentiu traído pelo regime [militar]. E foram procurar outros espaços onde eles pudessem ter o mesmo poder de vida e morte que tinham. (Rafael Tatemoto, Brasil de Fato, 29/01/2019)

Já temos um negocismo militante, produtores criando o medo do comunismo outra vez e distribuindo pelo YouTube todo tipo de pânico mobilizador. São muitas as pessoas que me dizem que devemos olhar o futuro – como se o país tivesse de fato começado em 1985.

A verdade é a base de qualquer regime democrático – com a pluralidade de visões e as revisões necessárias.

Não se pode negar às novas gerações a verdade.

O silêncio ajuda no plano da política militar. Ajuda a manter uma mentira que foi espalhada na sociedade por duas décadas: governo de força é sinônimo de progresso.

Esconder os crimes cometidos em nome desse crescimento de 10% da população e desse desenvolvimentismo de sangue é trazer o novo autoritarismo.

A Realpolitik da Lei de Anistia levou a que nossos jovens vivam ainda dentro do molde criado pela repressão ditatorial – sua censura e propaganda. Junto com a propaganda de massa antidemocrática pelos celulares, o silêncio de Lula é uma autossabotagem que se pensa malandragem. O grande efeito de uma política de silêncio é (além do abandono dos familiares que desejam apenas enterrar seus mortos), uma nação que desiste de contar sua versão da história, com a esperança de que a economia vai unir a todos. Não vai, e as mentiras de ontem estão apenas aguardando seu momento. Chega de nada, Brasil.

4ª Caminhada do Silêncio

Data: 31/03/2024

Horário: 16h (início da caminhada às 18h)

Local da concentração: Antigo DOI-Codi (Rua Tutóia, 921, Vila Mariana)

Destino final da caminhada: Monumento em Homenagem aos Mortos e Desaparecidos Políticos (próximo ao Portão 10 do Parque Ibirapuera – Av. Pedro Álvares Cabral, s/n, Vila Mariana)

Afonso Junior Ferreira de Lima –  doutorando na UnB.

Redação

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