O “erro” do PT e a corrupção, por João Feres Júnior

Publiquei artigo recentemente discutindo o cenário de choro e ranger de dentes no qual se meteu a esquerda após a eleição municipal do dia 2 de outubro. Entre os que autoflagelam e os que apontam o dedo há um consenso a meu ver burro de que a derrota de deveu aos “erros do PT”. Tentei mostrar que os tais erros identificados por esses comentaristas são de fato falácias, senão virtudes políticas, como é o caso da aliança com o PMDB. Claro que o erro mais mencionado é o da corrupção. Esses críticos agem como seus antípodas, os coxinhas, reduzindo a política à questão da honestidade e, por conseguinte, da corrupção. Ora, a solução para a corrupção é investigar, processar e condenar os culpados, e desenhar procedimentos administrativos que diminuam o risco de que ela seja cometida sem, ao mesmo tempo, emperrar a máquina pública – algo bem difícil de se conseguir. Mas tal solução imperfeita está longe de constituir uma escolha política que faça jus a esse termo de origem grega.

Se observarmos os resultados da eleição, contudo, essa interpretação se desfaz. Os partidos vencedores foram PSDB e PMDB, todos alvejados com inúmeras denúncias de corrupção. Só para tomarmos um exemplo, João Dória, que venceu a eleição em São Paulo já no primeiro turno de lavada, foi acusado de apropriação ilegal de terreno público em plena entrevista ao telejornal SPTV, da Globo. Tentou negar a acusação e foi desmentido na hora pelo jornalista, que eximiu até provas documentais do ilícito. Então por que será que a derrota do PT deve ser atribuída à corrupção e estes outros partidos envolvidos em escândalos de corrupção não sofreram dano eleitoral?

Um petista carpidor argumentou em texto recente que o PT sofreu mais porque pregava a luta contra a corrupção. Acho essa tese improvável. O PT de fato fazia um discurso bastante moralista antes de virar governo, por mais de uma razão. Primeiro porque saia do regime militar, altamente repressor do debate político. A crítica à corrupção naquele contexto pode ser lida como subterfúgio para promover a politização do eleitor. Segundo porque existe um viés anti-Estado nas esquerdas, marxistas ou não, e o PT não escapa disto, particularmente antes de ter ganhado eleições importantes. Claro, esse tipo de coxismo só vê corrupção no Estado e faz vistas grossas para o seu Manoel da padaria que deixa de lançar nota fiscal para 80% de seu faturamento, ou, por extensão, para imensos conglomerados de comunicação que sonegam centenas de milhões em impostos. E, por fim, porque o PT é um partido de origem paulista, e em São Paulo o discurso bandeirante excepcionalista e, por conseguinte, também pró-sciedade e anti-Estado penetra não só na extrema direita saudosa da Revolução de 32 mas também na esquerda – não nos esqueçamos que o partido é proveniente da organização da sociedade paulista contra o Estado autoritário.

Mas isso não faz o argumento do petista carpidor mais verdadeiro. O PT parou há tempos de fazer um discurso inflamado contra a corrupção. Pelo contrário, historicamente, no Brasil, esse discurso é encampado pela direita. Ademais, poucos eleitores contemporâneos têm memória daquele PT aguerrido e ingênuo dos primeiros anos – que mais parecia o PSOL de hoje, com a diferença de que tinha profunda base nos movimentos sociais, o que não acontece com o partido de quadros que ora compete pelo segundo turno da eleição carioca. Assim, a pergunta não foi ainda respondida: por que será que a corrupção constituiu o principal erro do PT do ponto de vista eleitoral?

Só há uma resposta para ela. Volto a insistir, as interpretações erram por não reconhecer que a mídia foi a grande vitoriosa deste pleito, elegendo políticos que lhe são em tudo simpáticos e generosos, e derrotando o PT, seu principal alvo. Mas os críticos de plantão continuam a sofrer da vertigem da naturalização da comunicação, uma operação mental que simplesmente apaga a função da comunicação mediada. É como se, no final das contas, a mídia só reproduzisse fatos.  

Foi a corrupção a principal arma de ataque? Sim, mas uma corrupção construída narrativamente como responsabilidade maior do partido, de Lula, de Dilma, ou pior, como frequentemente se lê nos textos produzidos por essa mídia, do Lulopetismo. Eu sei que o carpidor e seu séquito vão redarguir: mas se não tivesse se corrompido o governo do partido não haveria denúncia. Nada mais ingênuo. Só para citar um exemplo importantíssimo, o “escândalo do Mensalão” foi todo construído sobre pés de barro, sem evidências de malversação de dinheiro público, sem evidências de influência em resultado de votação, e mesmo assim serviu para macular a imagem do partido e colocar suas principais lideranças na cadeia, submetidas à execração pública. Em suma, não há nada de natural na maneira como a corrupção aparece para o eleitor. Em um contexto no qual uma simples citação em delação premiada poder ser usada para justificar a prisão preventiva de alguém, a partir da qual um circo midiático de dilapidação da reputação do preso tem início, não dá para ser tão ingênuo como o carpidor e seu bando.

O principal erro do PT, que causou sua derrota nas urnas, foi não ter atentado para a importância da comunicação pública para a formação de opinião dos cidadãos. Esse erro deve ser atribuído ao mesmo tipo de ingenuidade do carpidor, que naturaliza a questão do fluxo de informação em nossa sociedade, ou melhor dizendo, ignora suas especificidades. Enquanto as esquerdas estiverem capturadas por essas concepções pueris do jogo político, continuarão a sofrer repetidas derrotas.  

Redação

Redação

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  • É isso!

    Já estou gardando este excelente e artigo. Aí está!

    Sendo bombardeados pelos nazistas com armas de largo calibre e os carpidores chorando: onde erramos?.

    O PT é vítima dos seus acertos. O país está sendo atacado devido às virtudes que adquiriu com o governo PT, que foi, dentro das circunstâncias, ötimo.

    A mídia e os funcionários públicos miquinhos amestrados fazem o serviço sujo do dia a dia. Destruidor mas muito mal feito, e escandaradamente auto- denunciador. Destruiram a constituição para tentar destruir o pt.

    É isso

     

  • Mesma opinião

    Um post meu de alguns dia atras no DCM:

    (...)
    Principalmente em relação à mídia, onde não fizeram NADA. Nada além de dar dinheiro para quem só xingava o PT no governo.
    Erraram muito porque não fizeram coisas que deveriam ter feito.

    Enquanto fizeram coisas boas pelos mais pobres, a mídia os detonava.
    O povo só sabe que recebia Bolsa-Família DO GOVERNO, e governo pode ser qualquer um que chegue ao poder, não necessariamente do PT (na cabeça do povo, claro).

    Erraram pelo que deixaram de fazer.

     

  • Alguém começa a explicar os

    Alguém começa a explicar os acontecidos. Muitas das "análises" de petistas como Tarso Genro ou associados (Aldo Fornazieri) estão postas na luta interna do partido e da própria esquerda, tentando se cacifar para o próximo ciclo eleitoral. 

  • Além do PMDB e PSDB
    Temos, por ex, o PP que cresceu nessas eleições.

    E pelo que me consta não teve desastre eleitoral o PSB com o " prosaico" jato do Eduardo campos ( esse político que foi inicialmente escolhido pelo Paulo Roberto costa como testemunha no início da lava jato)

    E se formoss desenrolando esse novelo por partidos, veremos que está bem embasada a opinião que figura no post

  • É isso. A verdade é que depois de ter visto

    sua influência diminuir sobre o governo nos últimos 14 anos , a globo voltou a mandar no país.

    Dois grandes exemplos que não deixam dúvidas. Temer ligando para o Fautão para se explicar e o Dória afirmando que os integrantes do seu governo vão ser obrigados a assistir o noticiário da globo.

    Precisa ser mais claro que isso sobre quem manda agora?

  • Foi a fase paz e amor que o

    Foi a fase paz e amor que o PT adotou, enquanto isso o partido e seus caciques eram e ainda são detonados pela mídia dia e noite.

    Cadê os processos que Dilma ia mover pelas mentiras publicadas pela veja e rede globo?

    O autor do post está correto, mas não explica tudo. Assim como a comunicação não existiu, também não existiu estratégias em relação ao poder mais corrupto da república, o judiciário. Criar um poder paralelo deixando de indicar um procurador que pode te derrubar foi demais. Se compete ao presidente indicar, não pode deixar de fazer, não pode terceirizar. Faltou estrategista ao PT em diversas frentes. Faltou falar a verdade para o cidadão, denunciar através dos canais adequados as armações da mídia.

    Como aceitar que uma revista publica uma foto com um sapato no traseiro de um presidente?

    A opção é deixa pra lá. Cão que muito ladra não morde. O resultado está ai.

    Outro erro grave foi o tal republicanismo de quinta categória.

  • Mais um brilhante artigo da lavra de João Feres Jr.

    Parabéns ao cientista e professor João Feres Jr e à equipe do GGN por publicar análises precisas e irretocáveis. Vou arquivr este artigo, como tenho feito com os melhores textos e anáises políticas que tenho lido.

  • Haddad: o que você faria se só te restassem 86 dias?

    Haddad: o que você faria se só te restassem 86 dias?

    Os amigos do Presidente LulaO que você faria se só te restasse um dia?
    Se o mundo fosse acabar
    (...)
    Abria a porta do hospício
    Trancava a da delegacia
    Dinamitava o meu carro
    Parava o tráfego e ria
    (...)
    O que você faria se só te restasse esse dia?
    Se o mundo fosse acabar
    Me diz o que você faria
    (O último dia - de Paulinho Moska)Me perguntei o que eu faria se eu fosse o Fernando Haddad, prefeito de São Paulo, e me lembrei da música acima.

    Primeiro vamos separar as coisas: perder eleições acontece, não é o fim do mundo como na música, principalmente para quem sai sem máculas como Haddad. Ele perdeu não foi por defeitos, nem por seus poucos erros. Foi por incompreensão e desconhecimento, pela disparidade de informação, com jornalismo massacrando ele e tudo ligado à ele durante quatro anos no rádio, tvs, jornais, etc. Todo dia tinha Datena, Russomanno e Marcelo Rezende mostrando filas da saúde, mas escondendo que a fila era maior antes e diminuiu bastante com Haddad na prefeitura. A campanha foi encurtada pela lei e ainda por cima Haddad foi prejudicado até na manipulação do debate da Globo dando 76% de tempo a mais para Dória. 

    Mesmo assim até adversários políticos atacam a gestão, apesar de dizerem que vão continuar a maioria das política públicas. Atacam o PT. Mas ninguém ataca a honestidade e integridade de Haddad. Por isso ele sai ainda como uma grande liderança política de oposição e com grande futuro.

    Então vou dizer o que eu faria se fosse ele, faltando os 86 dias que faltam para terminar o mandato: passaria o tempo todo na rua, junto ao povo. E 99% do tempo nas periferias. De manhã até a noite, sábado, domingo e feriados. E levaria junto alguns secretários para fazer o mesmo.

    Faria a transição de governo junto ao povo, pelo povo e para o povo. 

    Deixaria os assessores técnicos nos gabinetes para cuidar da burocracia e fazer a transição institucional de governo.

    Visitaria 3, 4, 5 ou 6 obras por dia. Visitaria unidades de saúde e escolas em funcionamento. Conversaria com os trabalhadores, professores, alunos, com os moradores dos bairros. Almoçaria e jantaria no comércio do bairro.

    Fora do horário do rush e nos fins de semana, quando dá para conversar sem ônibus lotado, circularia de ônibus para conversar com as pessoas no trajeto. Nos fins de semana visitaria os parques, praças, bibliotecas e espaços culturais e esportivos.

    Conversaria muito com pessoas do povo. Explicaria que não somos golpistas e o voto é sagrado. Que quem sou eu para dizer como cada um deve votar. Mas gostaria de ouvir o que os cidadãos acharam que ficou faltando fazer, para preferirem outro prefeito, porque minha intenção (do prefeito) foi governar totalmente voltado para vocês.

    Explicaria o que foi feito naquele bairro e perguntaria se ficaram sabendo. Explicaria as limitações do que não teve como ser feito, ou mesmo admitiria o que poderia ser feito e faria uma autocrítica ali na frente do cidadão. Até resolveria na hora pequenos problemas como telefonar dando ordens para tapar buraco, trocar lâmpada queimada de poste, etc.

    Explicaria que, como cidadão sem mandato, continuaria lutando ao lado deles por benfeitorias e por melhora na qualidade de vida, por melhores oportunidades para todos. Explicaria que o novo prefeito eleito tem uma visão empresarial da cidade que não valoriza os espaços comunitários e equipamentos públicos gratuitos que pertencem ao povo. Por isso a tendência é haver retrocesso na melhoria dos bairros e até na educação pública, na saúde pública, na moradia popular, e até na atração de empregos para a periferia.

    Diria até que o resultado das urnas encoraja retrocessos nacionais com perdas de direitos que estão sendo votados no Congresso.

    Diria que para não haver retrocesso e para a periferia não ficar abandonada à própria sorte, a população precisa se organizar e se mobilizar para conquistar as coisas na cidade e no país. E que podem contar com ele como mais um militante para contribuir nesta organização e na luta pelas boas causas, mesmo sem mandato.

    Ah... se alguém da imprensa quiser entrevistar, que acompanhe o prefeito nos ônibus, nas praças, nas ruas, ou entreviste por telefone celular. Nada de entrevista em gabinete e muito menos em redações. Se fosse eu não haveria agenda livre para isso até dia 1o. de janeiro.

    Por que eu faria isso?

    Porque é muito mais fácil um cidadão descrente na política dar ouvidos e falar com sinceridade à um prefeito que perdeu a eleição e mesmo assim vai lá no bairro dele, dizendo que ele é importante, do que durante a campanha eleitoral quando todo tipo de político aparece em busca de votos.

    É a melhor hora para conseguir esclarecer a diferença de dois projetos diferentes de cidade e de país. É a melhor hora do que podemos chamar de conscientização política e de colocar em prática mais participação popular, por haver mais receptividade. É a melhor hora para mostrar quem está do lado de quem.

    Se Haddad fizer isso nos 86 dias que faltam, é perigoso até de muitos eleitores dizerem: "Ih!.. acho que votamos no cara errado". Isso, antes mesmo do tucano tomar posse.

    A luta política é travada o tempo todo para buscar as transformações que a maioria da sociedade deseja. O período eleitoral é só uma das muitas batalhas. A luta pelo que se acredita ser um mundo melhor continua, ganhando ou perdendo, sendo governo ou oposição.

    Perder eleição é, no máximo, fim de um ciclo e início de outro.

     

    • Eu acho que não ir nem ao

      Eu acho que não ir nem ao menos ao segundo turno depois de dministrar a cidade é fim de carreira para qualquer um. 

      Haddad está morto politicamente.

      Vai ter que recomeçar tudo do 0. Se eleger deputado Federal em 2018, se o partido não for cassado, tentar se reeleger prefeito em 2020 para desfazer a PÉSSIMA impressão que deixou na população. (Nenhum candidato a reeleição com 16,7 % dos votos pode ter deixado boa impressão), se reeleger em 2024, para aí retomar a carreira política.

      Perdeu no mínmo uns 10 anos, e só volta a prefeitura se Dória for um desastre.

      Qualquer outra candidatur executiva dele as pessoas vão se perguntar pq foi tão reprovado ?? Ninguém vai se convencer que foi por burrice do paulista. 

      Quanto ao tratamento da injusto da imprensa, concordo, mas se ele quer ser bem tratado pela imprensa, melhor ir para o PSDB.

  • Mais uma vez no ponto!
    Ora, o

    Mais uma vez no ponto!

    Ora, o financiamento de campanha - com as conhecidas exceções - é o mesmo para todos os partidos, variando somente em tamanho. Ainda assim, dos maiores palrtidos só o PT, o PT, o PT foi atingido pela tal campanha "anticorrupção". Não reconhecer que o PT, o PT, PT foi tratado de modo diferenciado é simplesmente ridículo.

    Pior aínda é achar que foi tratado de modo diferenciado porque só o PT, o PT, o PT não pode, não pode recolher fundos de campanha. Sobretudo quando ele passou a fazê-lo após decisão partidária aberta, apos o Lula perder três eleições presidenciais.

    Já disse e repito: a esquerda que a direita gosta é essa que fica de megafone nas portas de fabricas, bancos e repartições fazendo figuração para a "democracia". Enquanto o PT, o PT, o PT agia assim o regime democratico e o presidencialismo de coalizão ia muito bem, obrigado. Bastou o PT, o PT, o PT ganhar eleições e governar que a "desgraça" se abateu.

    Não tenho dúviodas: todo ódio ao PT, PT, PT, ao Lula e ao José Dirceu advem do fato, fa-to de eles ganharem quatro vezes seguidas - e governarem - no jogo "deles"; no jogo "deles". Os reacionarios de sempre accreditavam mesmo que detinham o poder por uma suposta superioridade moral ou intelectual. Imaginem o tamanho da decepção de terem que aceitar que a única coisa que tinham mais era grana., dinheiro (e na maioria das vezes mal havido, imerecido)

    Não itiveram nenhum escrúpulo de partir pra ignorância, melar o jogo, acabar com a brincadeira pra recuperar o que acham que é propriedade perene.

    Não é a toa que a propria "vitória" de 2016 é festejada com constrangimento, pois sabem muito bem que só ganharam com o golpismo; golpismo boçal, de valentão de butiquim.

    E não há ninguém na praça dos três poderes e nas redações que tenha a menor dúvida disso.

    O resto é embalagem pra trouxinha engolir.

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