A Estrutura Familiar dos Idosos Brasileiros: desafio para políticas de isolamento vertical

A Estrutura Familiar dos Idosos Brasileiros: desafio para políticas de isolamento vertical

Jorge Alexandre Neves

Marden Campos

Marcos Damasceno

Alguns pesquisadores – principalmente, economistas – costumam afirmar que, no Brasil, as políticas sociais foram excessivamente generosas com os idosos (acima de 60 anos de idade). Todavia, esses mesmos analistas costumam subestimar o impacto das relações intergeracionais, no Brasil, com fortes transferências de recursos à jusante. No Brasil, a estrutura familiar dos idosos costuma ser bastante complexa, levando a uma forte transferência de recursos para membros mais jovens das famílias.

O presidente da República – bem como outras autoridades, como o deputado federal Osmar Terra – vem falando insistentemente na proposta de substituir a quarentena horizontal pela vertical. Esta última se daria pelo isolamento de idosos, que é o principal grupo de risco da pandemia do coronavírus. Nosso objetivo, neste trabalho, é usar dados demográficos para tentar entender que ações seriam necessárias para a realização desse isolamento vertical.

Os idosos representam uma parcela cada vez maior da população brasileira, como mostra a Tabela 1. Sua participação passou de 14% para 15,4% da população entre 2015 e 2018.

 

Tabela 1: idosos representam uma parcela cada vez maior da população
Em milhões %
2015 28,4 14,3
2016 29,4 14,4
2017 30,2 14,6
2018 32,0 15,4

Fonte: PNADs.

 

A Tabela 2 mostra que apenas 15% dos idosos moram sozinhos. A maioria (60%) vive com mais uma ou duas pessoas. Finalmente, um percentual nada desprezível (25%) vive com pelo menos outras três pessoas. 

 

Tabela 2: 25% dos idosos moram com três ou mais pessoas
Moram sozinhos 15%
Com uma ou duas pessoas 60%
Com três ou mais pessoas 25%

Fonte: PNAD-2015.

 

Algumas categorias – como negros, pessoas de renda mais baixa e moradores da Região Norte – apresentam percentuais de idosos morando com três ou mais pessoas significativamente maior do que os 25% observados para a população em geral. A Tabela 3 mostra esses resultados.

 

Tabela 3: Porcentagem é maior entre negros, pobres e no Norte
Negros 29%
Brancos 22%
Menos de 1 salário mínimo 27%
Entre 1 e 3 24%
Mais de 3 21%
Norte 37%
Nordeste 30%
Centro-Oeste 24%
Sudeste 23%
Sul 19%

Fonte: PNAD-2015.

 

O que torna ainda mais complicado o isolamento vertical, do ponto de vista operacional, é que a maioria dos indivíduos que mora com idosos (54%) é de não-idosos. Como mostra a Tabela 4, 41% dos que residem com idosos são adultos e 13% são crianças ou adolescentes.

 

Tabela 4: 13% das pessoas que moram com idosos são crianças ou adolescentes
Idosos (60 anos ou mais) 46%
Adultos (18 a 59 anos) 41%
Crianças ou adolescentes (até 17 anos) 13%

Fonte: PNAD-2015.

 

Portanto, o retorno desses adultos ao trabalho ou às instituições educacionais (escolas ou faculdades/universidades) e das crianças e adolescentes às escolas tornaria o isolamento vertical totalmente ineficaz para uma enorme proporção de idosos, caso esses continuem residindo em seus domicílios. O isolamento vertical, portanto, exigiria uma maiúscula coordenação de ações de logísticas e de locação de hospedagens para alojar milhões de idosos no país inteiro.

Outro fator complicador, como pode ser visto na Tabela 5, é que 27% dos idosos são economicamente ativos. Esse percentual é marcadamente elevado entre os homens, visto que 39% trabalham. 

 

Tabela 5: muitos idosos ainda trabalham, principalmente os homens
% economicamente ativos
Total 27%
Homens 39%
Mulheres 17%

Fonte: PNAD-2018.

Nas famílias brasileiras, além das transferências intergeracionais à jusante se darem na esfera do capital social intrafamiliar (idosos, principalmente mulheres, são responsáveis pelo cuidado de crianças), também as transferências de recursos financeiros são importantes. Como mostram os resultados reportados na Tabela 6, em 45% dos domicílios com idosos, mais da metade da renda familiar vem deles. Portanto, mesmo com uma boa política de logística e locação de hospedagens para idosos, a retirada desses das suas residências pode causar desestruturações na dinâmica familiar de milhões de não-idosos.

 

Tabela 6: idosos são responsáveis por grande parte da renda domiciliar
Respondem por mais da metade da renda 45%
25% a 50% da renda 35%
Até 25% da renda 20%

Fonte: PNAD-2018.

 

Portanto, com base nos dados apresentados acima, concluímos que qualquer política de isolamento vertical precisa levar em consideração a multiplicidade de arranjos domiciliares dos idosos brasileiros e a complexidade da realidade social do país. Como qualquer política pública de grande alcance, uma iniciativa dessas exigirá ações vultosas que precisarão ser planejadas com antecedência.

Jorge Alexandre Neves – Professor Titular do Departamento de Sociologia da FAFICH/UFMG. Vice-Coordenador do Observatório Social da Covid-19, na mesma instituição. Pesquisador PQ nível 2 do CNPq.

Marden Campos – Professor Adjunto do Departamento de Sociologia da FAFICH/UFMG. Coordenador do Observatório Social da Covid-19, na mesma instituição.

Marcos Damasceno – Graduando em Ciências Sociais na FAFICH/UFMG e bolsista de iniciação científica do CNPq.

Redação

Redação

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  • Afinal os caras defendem ou não uma política q não deu certo em nenhum país q combate seriamente o vírus? Q medo é esse?

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