A reforma ministerial e o esgotamento do ciclo político, por Vladimir Safatle

Sugerido por Gunter Zibell

Esquerda Zumbi

Por Vladimir Safatle, na Folha

Dilma conseguiu criar uma situação politicamente inusitada. A confirmar as previsões, seu ministério será um dos mais conservadores desde o fim do governo Collor.

Caso seu governo “dê certo”, ela terá provado quanto seu partido é atualmente desnecessário, já que foi simplesmente alijado da política econômica, assim como das políticas industrial e agrícola, limitando-se a ser um gestor das relações políticas do Estado e do sistema estatal de cooptação da sociedade civil.

A política a ser implementada é dificilmente distinguível do que seria um governo tucano ou marinista. Ao contrário, caso o governo “dê errado”, então Dilma terá mostrado como nem na base do transformismo brutal o consórcio governista consegue ainda ficar de pé.

Esse é apenas um sintoma clássico de esgotamento de ciclo político. Em várias partes do mundo, vemos a mesma história envolvendo partidos que vieram da esquerda.

Na França, o governo do Partido Socialista tem o presidente mais impopular da história da Quinta República a aplicar políticas sociais e econômicas que deixam seus opositores conservadores vermelhos de inveja.

Na Alemanha, os sociais-democratas do SPD acostumaram-se a fazer parte do gabinete de Angela Merkel, sendo nada mais que um aliado meio incômodo com quem, no entanto, é possível governar.

Nos casos francês e alemão, tais partidos de esquerda são apenas “conservadores com um rosto humano”, o que –há de se dizer as coisas às claras– é também a situação no Brasil. Esta esquerda não existe mais enquanto tal.

O problema é que nem sempre o que deixou de existir desaparece. Às vezes, ele continua a vagar como zumbi, entre a vida e a morte, à espreita de sangue novo para continuar seu vagar arrastado, melancólico.

Vagar de choques recessivos anunciados com olhares depressivos, de “planos de austeridade” vindo do além-túmulo. Deste sangue novo vampirizado, ela não fará nada, a não ser paralisar todo movimento possível e transformar outros corpos em mortos-vivos que vagam junto ao zumbi governamental alimentados pela ilusão narcísica de estarem perto do poder. Sim, meus amigos, preparem-se para a esquerda zumbi.

Enquanto isto, em países que cansaram desse show de horrores, uma vida política reconstruída começa a aparecer.

Olhem para a Espanha do Podemos! e a Grécia do Syriza: dois partidos de uma esquerda renovada que estão atualmente em primeiro lugar em todas as pesquisas.

Pois o que há de pior quando se está diante de um tempo morto é acreditar que todos os tempos são iguais.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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  • Aguardemos! Essa 'renovada

    Aguardemos! Essa 'renovada esquerda' da Grecia e da Espanha, por enquanto, estão somente  liderando as pesquisas. Chegando ao poder, se chegar, veremos como será.

  • Ou seja, o esquerdista é
    Ou seja, o esquerdista é convicto até por a mão na massa, então, percebe que sua ideologia é utópica e inconsequente.

  • O PiG não é lugar para esquerda criticar esquerda.

    O PiG é o adversário.  É o verdadeiro partido da direita.

    Alimentar os golpistas da direita é o que faz o Sr. Safatle escrevendo para o frias.

    O PiG é inimigo do povo... e assim deve ser tratado.

  • Provar que estão vivos

    É a dura realidade na aparente esquizofrenia vivida entre um governo que se diz socialista gerindo uma sociedade que se diz capitalista. O melhor é achar rapidinho as soluções para os nossos problemas, que não são poucos, porque a direita já começou a campanha eleitoral para 2018.

  • lamentável análise.
    é a

    lamentável análise.

    é a esquerda esquisofrenica -a esquerdofenica -

    dando munição no pig para a direita cada ve mais hegemonica....

  • O PSOL poderia ter eleito uma bancada maior

    O PSOL poderia ter eleito uma bancada maior, como na Grecia e Espanha, embora reconheça a importante contribuição dos psolistas para a vitória de Dilma. Com a população elegendo um Parlamento conservador, como governar sen essa gente?

  • Prezado GunterAinda bem que

    Prezado Gunter

    Ainda bem que estamos comparando nossa "fragil democracia" com outras, porque se fossemos comprarar com ditaduras (Ex.: China e Russia), com certeza o resultado seria "quase o mesmo".

    Não podemos criticar agora a presidenta, pois seu discurso de campanha foi de mudança.

    É um prazer te-lo novamente aqui no GGN.

    Abração

  • o pragmatismo de Dilma

    A gestão Dilma caracteriza-se por um experimentalismo, aos moldes cientificos. Com Guido Mantega no comando da economia este crivo experimentalista teve viés desenvolvimentista. O maior exemplo foram as concessões públicas de rodovias, aeroportos e o modelo de partilha da Petrobras que sempre lograram o maior retorno possível ao interesse público. Com o PAC os investimentos em energia, habitação, saneamento foram bastante satisfatórios. Num balanço preliminar pode-se afirmar que tratou-se de um ciclo virtuoso que resultou em baixo desemprego e distribuição de renda. O ciclo apresenta sinais de esgotamento. A realidade exige ajustes fiscais. Acredito que o experimentalismo desenvolvimentista do ciclo anterior será amplamente utilizado pela exemplar gestora que é Dilma e será catalizador do novo ciclo ortodoxo. Por esta razão não cabe a comparação com eventuais governos Aécio ou Marina que jogariam toda experiencia acumulada no esgoto e partiriam para uma nova farra ideológica  . As farras ideológicas no Brasil sempre tiveram consequências desastrosas. Caro Gunter, dificil imaginar um governo Aécio que não entregasse o comando da Petrobras aos acionistas, algo impensável com Dilma. Há diferenças qualitativas e quantitativas significativas em governos Dilma, Aécio ou Marina, mesmo num padrão ortodoxo.  

  • "Olhem para a Espanha do

    "Olhem para a Espanha do Podemos! e a Grécia do Syriza:"

    Nem precisa cruzar o Atlântico. Olhem, admirme e defendam a luta do governo e do povo argentino, que reergueu o país de um caos promovido por essa mesma ideologia, e que hoje resistem bravamente à sua volta, conseguindo imponentes vitórias contra a mídia oligárquica, contra a especulação financeira, contra a elite nacional prostituída.

    Nunca a situação dos hermanos foi tão digna dessa admiração como hoje, mas infelizmente o que vemos no Brasil é justamente o contrário. Uma campanha de difamação sem tréguas promovida por nossas oligarquias e uma solidariedade excessivamente retraída da esquerda local, ou do que restou dela.

  • CORRETO MA NO TROPPO

    O Safatle tem razão. As vezes destila um antipetismo de bom tom (ele é PSOL e precisa marcar a "diferença"), mas nesse artigoa análise é sensata. Entretanto ele esquece de dizer quais foram os reais avanços para a população com uma coalização como a que Lula, PT e Dilma fizeram. O análise é realmente de observador, pois se Safatle estive no lugar de Dilma, aí seriam outros quinhentos. Por outro lado não temos o clima realmente caótico de Espanha e Grécia, para uma formação partidária outra. Talvez esteja sendo gestada, mas nosso tempo (do Brasil) é outro. É de ascencão de classes secularmente prejudicadas ao mínimo que o capitalismo pode oferecer. Tudo bem. É uma guinada aparentemente conservadora, mas Safatle precisava comparar o governo do PT com os dos conservadores do PSDB e não com o Podemos! da Espanha (que ainda não tem legado de governança para se saber se funciona efetivamente). Devia cotejar o governo de São Paulo e Paraná, por exemplo, em matéria de avanços sociais e os avanços do PT. De resto, o Safatle é excelente.

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