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Entrevista de Lula no JN: Globo subliminarmente prepara o front ‘se ganhar, não vai governar’, por Wilson Ferreira

do Cinegnose

Entrevista de Lula no JN: Globo subliminarmente prepara o front ‘se ganhar, não vai governar’

por Wilson Roberto Vieira Ferreira

Lula foi impecável e vibrante. Mas para aqueles que ainda lembram do jornalismo de guerra da Globo, com seus “colonistas” e âncoras no modo “pitbull hidrófobo espumando de raiva” foi surpreendente o comportamento de Bonner e Renata Vasconcellos: uma espécie de fastio ou previsibilidade nas perguntas, como se estivessem fazendo um condensado ou “digest” de todos os clichês dos anos de guerra híbrida: corrupção, MST, Venezuela, Cuba… Na verdade, diante da ascensão irresistível de Lula, a Globo desistiu de confrontá-lo. A entrevista parece que serviu para um outro propósito subliminar: o reforço de pressupostos que servirão de munição para um hipotético segundo turno e além: “foi inocentado, mas não é inocente”; o presidencialismo de coalizão é intrinsecamente corrupto; polarização política inevitavelmente gera ódio e violência. Nas entrelinhas, a entrevista visou outra coisa: a desmoralização da Política. Para a grande mídia o front agora é outro: se ganhar, não vai governar!

Certamente os leitores devem lembrar da entrevista da então dupla de âncoras do Jornal Nacional, William Bonner e Fátima Bernardes, entrevistando Lula em 2006, no Palácio da Alvorada, em plena crise do mensalão. Foram 11 minutos que se transformaram numa discussão de Bonner com o presidente, batendo o bumbo apenas no tema corrupção. Discussão que no auge do conflito o âncora teve que ser sutilmente contido por Fátima Bernardes, interrompendo o ímpeto inquisidor do companheiro de telejornal – atiçado pelo Diretor de Jornalismo da emissora, Ali Kamel.

Como, também, não lembrar do indefectível croma key com aquele duto enferrujado jorrando dinheiro, que emoldurava cada vazamento seletivo dos procuradores da Lava Jato ao telejornal da Globo.

Mais ainda, uma edição inteira do Jornal Nacional em 2018 fazendo pressão pela prisão de Lula para sua imediata retirada da eleição presidencial – na oportunidade, Bolsonaro virou a única opção emergencial com o derretimento do candidato Alckmin, a primeira opção da grande mídia, da banca financeira e da Faria Lima.

Portanto, esperava-se que mais uma vez os poderosos canhões semióticos da Globo seriam apontados e disparados contra Lula na bancada do Jornal Nacional nesta quinta-feira. Todos os lados do espectro político estavam ansiosos por uma entrevista que poderia ser um ponto de viragem nesse tardio início de campanha eleitoral – aliás, por que, a cada eleição, as campanhas começam cada vez mais tarde e estão progressivamente mais “engessadas”?

O que se viu na quinta foi Lula relaxado, confiante, assumindo as rédeas da entrevista e criando espaços para demonstrar toda a sua experiência de governo quando presidente da República. Sua estratégia de demonstrar que era mais do que um candidato, mas um estadista, deu certo.

Mas o que realmente surpreendeu (partindo do Grupo Globo que foi uma das peças-chave em todo esforço na guerra híbrida brasileira em detonar diariamente bombas semióticas cujo resultado foi colocar as classes médias de verde e amarelo nas ruas empoderada pelo protofascismo do “Brasil profundo”) foi o tom preguiçoso e, até certo ponto, protocolar da dupla de âncoras do JN.

Entrevista do JN com Lula em 2006

Nada parecido com os anos de “colonistas” e apresentadores de telejornais que, atiçados pelo ponto eletrônico, pareciam pitbulls hidrófobos espumando de raiva. Pelo contrário, o percurso das perguntas foi previsível. Mais parecido como um grande condensado de todas as pautas anti-Lula dos anos de guerra semiótica, do Mensalão ao Petrolão da Lava Jato.

A entrevista

A entrevista começou com Bonner dizendo “o senhor não deve nada à Justiça, MAS vamos falar sobre corrupção”. A utilização da conjunção coordenada adversativa “mas” subliminarmente introduzia a principal tese de Merval Pereira e outros comensais da emissora: a de que Lula é foi inocentado, mas não é inocente. A ideia de que Lula não deve mais nada à Justiça graças a “tecnicalidades” ou “filigranas jurídicas”.

Este humilde blogueiro esperava que essa abertura da entrevista seria o ponto de partida de mais jogo pesado dos sabujos âncoras da casa, atiçados por Ali Kamel no ponto eletrônico.

Porém, o que se viu foi um previsível roteiro: diversas tentativas de cortar as falas de Lula para quebrar o raciocínio do entrevistado (modus operandi de entrevistas com “esquerdistas”), além dos temas “clássicos”: “E a Dilma, hein?”… “E a Venezuela, hein?”… “E Cuba, Hein?”… “E o MST, hein?”. Um previsível apanhado de todos os clichês que se esperaria para cercar Lula. Mas tudo o que ficou foi uma sensação de déjà vu.

Claro que as tentativas de corte de raciocínio deram erradas, devido ao rolo compressor discursivo do entrevistado – naquela noite, Lula estava particularmente inspirado.

Até ocorreram tímidas tentativas de trazer alguma novidade discursiva – temas que deveriam ser abordados com Bolsonaro, como orçamento secreto e intervenção na PF, foram jogados contra Lula.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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  • Cinismo tatuado como a de presidentes americanos é o que o bonner carrega na cara. Com esse cinismo e a habitual arrogância atirou-se o bonner ao Lula. Renata Vasconcellos, a contraparte, por outro lado, não negou nem a admiração e nem o respeito que parece nutrir pelo entrevistado, sem contar, é claro, com o seu discreto sapato vermelho. A leve reverência e a sua expressão admirada não passou despercebida. Lula amplo, amistoso, cortês, mas invasivo, expandiu de tal forma sua energia que apagou a dos entrevistadores. O mote " ganha mas não governa" é sim real, só que não se aplicará ao governo Lula. Ele já conhece e já venceu todos os seus oponentes, ainda que possa enfrentar surpresas desagradáveis pelo caminho. Além disso, temos o soufflé Alckmin, o aliado, que deverá surpreender pela competência.

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