EUA e CUBA, amigos enfim, por Fábio de Oliveira Ribeiro

O último foco de tensão remanescente da Guerra Fria deixou de existir no continente americano. Após 50 anos os EUA reataram relações diplomáticas com Cuba. Os dois inimigos mortais, que quase levaram o mundo à uma guerra termonuclear em 1962, passam a se reconhecer como sujeitos de direito público internacional. O valor desta decisão simbólica certamente abalará corações e mentes de ambos os lados do espectro político.

Os militantes da esquerda retrô, que defendem um purismo ideológico impraticável nestes tempos de geleia-geral, provavelmente ficarão ressentidos. Em alguns dias o segundo Castro se tornará o traidor da revolução, um castrista pelo avesso que removeu o último muro de contenção que separava um paraíso socialista da corrupta e decadente sociedade consumista, poluista, dinheirista e puterista ocidental.

A direita maniqueísta latino-americana, que ainda respira o anti-comunismo mofado destilado durante a Guerra Fria, porém, sofrerá o maior impacto. Numa penada os EUA, baluarte de todas as suas esperanças neuróticas de revanchismo e restauração da ditadura militar no Brasil, removeu-lhe o item mais precioso do discurso.

‘Vai prá Cuba!” – esta afirmação, que resumia a mentalidade da extrema direita brasileira quando ela queria se diferenciar de seus adversários acusando-os de serem anti-patriotas ou cubanos, deixou de ter qualquer fundamento ético, político e ideológico. Afinal, agora que até o governo norte-americano terá representantes em Cuba, ir para a ex-nefasta ilha será a coisa mais normal do mundo para qualquer ser civilizado. Doravante, “Não vai prá Cuba?” equivalerá, sem dúvida alguma, a uma ofensa que os militantes da esquerda jogarão na cara de seus adversários insinuando não só que eles perderam o discurso, mas que o patriotismo norte-americano deles deixou de existir.

A história nunca enterra totalmente seus cadáveres. Irônica, ela deixa alguns desenterrados para que eles sofram o pior dos desterros: a perda de todas as referências históricas. Esquerda retrô e extrema direita embolorada estão enfim juntas e finalmente completamente perdidas dentro de um processo político que se tornaram incapazes de compreender.

Perder a guerra é algo doloroso. Perder a validade do próprio discurso, porém, é algo que dói mais. Uma guerra perdida pode se transformar numa vitória avassaladora no futuro, mas isto só é possível quando o discurso não perdeu sua validade. Quando a própria legitimidade do discurso deixou de existir porém, não há esperança apenas a certeza de uma derrota completa que não pode ser redimida através de uma nova batalha. 

“Vai prá Cuba?” será a pergunta que mais farei nos próximos dias. Não aos amigos e sim aos inimigos de meu pai, que foi comunista e sofreu as consequencias de sua opção política após o golpe militar de 1964. Desgraçadamente ele morreu a alguns anos, antes de poder rir dos malfeitores que o perseguiram. Cabe a mim a honra de perseguir desarmado os ex-perseguidores. Estou certo de neste momento o humor é capaz de provocar mais dor e feridas mortais do que os fuzis semi-automáticos.

Fábio de Oliveira Ribeiro

Fábio de Oliveira Ribeiro

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