“La Casa de Papel”, segunda temporada: crítica brasileira não quer entender a série, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Enquanto a crítica europeia sobre a série da TV espanhola “La Casa de Papel” (2017) é diversificada, a crítica brasileira da mídia corporativa rejeita em bloco a produção do canal Antena 3. “Arremedo de Tarantino”, “série absolutamente ridícula” etc. dão o tom, enquanto para os espectadores brasileiros a série se transformou em um fenômeno. Os críticos da grande mídia descontextualizam a atual safra de produções espanholas que tematizam as consequências sócio-econômicas da crise do euro e da especulação financeira no país, para ficarem no confortável discurso do “gosto ou não gosto”, tomando como termo de comparação para análise os próprios clichês que Hollywood faz das produções fora do seu eixo. Principalmente na segunda temporada, a série assume o manifesto político contra o rentismo, a especulação e o fetichismo do dinheiro. Talvez porque seus patrões também sejam rentistas, os críticos tentam exorcizar de “La Casa de Papel” o fantasma do mal-estar que paira sobre a Globalização: com a financeirização, as fronteiras entre legal e ilegal, crime e virtude ou bem e mal desapareceram.  

Que o Brasil sempre foi subserviente à geopolítica dos países hegemônicos acima da linha do equador, isso nunca foi uma novidade. Está aí o recente golpe político que retirou o País de vez dos BRICS para jogá-lo de volta à condição de nação sub-industrializada e exportadora de commodities (produtos primários de baixo grau de transformação).

Porém essa subserviência e dependência parece que vai mais além e se incrusta na própria crítica cultural de arte, cinema e TV. Primeiro pelo ranço e má vontade contra qualquer produção fora do eixo hollywoodiano, independentes norte-americanos ou diretores europeus queridinhos da crítica cujas produções atraem os grandes distribuidores internacionais.

E quando uma plataforma de streaming como Netflix disponibiliza produções fora desse eixo, a má vontade se manifesta duplamente: além do ranço, a má vontade de uma produção em uma plataforma que ameaça da hegemonia da mídia corporativa nacional como Grupo Globo  et caterva.

Ranço e má vontade tão grandes que acabam descontextualizando a produção televisiva e cinematográfica. O que resulta em análises de filmes e séries a partir dos clichês do repertório fílmico da crítica – geralmente os clichês que Hollywood cria para ver produções fora do seu eixo de dominação.

 

Descontextualizando “La Casa de Papel”

O melhor exemplo é a recepção da crítica brasileira, principalmente da grande mídia, à série espanhola La Casa de Papel (2017). Enquanto na Espanha e no restante da Europa, há uma diversidade da crítica, ao contrário, no Brasil é flagrante como a crítica da mídia corporativa cerra fileiras contra a série. Certamente porque é uma atração de uma plataforma ameaçadora ao monopólio dos grupos de mídia nacional – aliás, modus operandi por essas plagas: qualquer produto Netflix será cercado por “entretantos” e “poréns”. Isso quando não se parte para a tentativa de destruição total. Como no caso de La Casa de Papel.  

“Arremedo de Tarantino”, “inspirada em filmes de assalto”, “série absolutamente ridícula”, “personagens absolutamente ridículos”, “mesmice com grife”, “compêndio do cinema policial-aventuresco para pessoas de 14 anos”. Essas são as críticas respectivamente de Folha de São Paulo, O Globo e UOL, críticas de jornalões, portais e blogs pertencentes a grandes grupos de mídia.

 Enquanto a crítica acaba concentrada na falsa questão se a série é “boa ou ruim” ou no “ gosto ou não gosto”, passa batida pela principal mensagem do argumento da série: La Casa de Papel não é uma mera estilização ao estilo Tarantino de Cães de Aluguel, ou um jogo entre polícia e bandido – reflete o mal-estar de um país com a globalização (cuja submissão dos países ao Euro é um capítulo), expresso pelos altos índices de desemprego e o movimento separatista da Catalunha.

Em postagem anterior sobre a série (clique aqui), discutíamos como La Casa de Papel é mais uma produção audiovisual espanhola recente que reflete a realidade sócio-econômica do país: o desemprego, a perda dos direitos sociais e a falta de perspectivas de toda uma geração.

 

Sem mocinhos ou bandidos

Das produções recentes sobre esse mal-estar espanhol, a série do canal Antena 3 é a mais contundente ao propor que no momento atual é impossível delinear a fronteira entre os mocinhos e os bandidos – como pensar a ilegalidade dos golpistas e falsários quando o próprio sistema global se funda na fabricação arbitrária de papéis, títulos, moeda e crédito? E mais: com as bênçãos de governos e grandes agências classificadores de risco como Moody’s, Standard & Pool e Fitch.

Na primeira temporada da série, a narrativa ficou mais concentrada no jogo de xadrez entre o Professor e a inspetora Raquel Murillo. O Professor, o cérebro que por meses planejou milimetricamente o que seria “o maior assalto da História”: invadir a Casa da Moeda da Espanha, fechar-se lá dentro com os reféns e imprimir mais de dois bilhões de euros, sem matar ninguém ou dar prejuízo aos contribuintes.

Simplesmente imprimir papel, assim como os governos fazem (“injeção de liquidez”) para salvar bancos insolventes, como ocorreu na crise de 2008. Só que dessa vez toda a liquidez impressa iria para um grupo de assaltantes com vidas miseráveis. Vidas arruinadas pela financeirização que tira a riqueza sociedade para dar ao sistema especulativo. 

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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  • Aprendi,

    nos meus mais de 40 anos de profissão que crítico é aquela galinha que cacareja enquanto as outras botam ovos.

  • A série é FRAQUÍSSIMA.
    A série é FRAQUÍSSIMA. Aceitem!. Eu li e concordei com todas as críticas que vcs citaram.

    • Fraquìssima?Se vc assistiu
      Fraquìssima?Se vc assistiu até o final é porque gostou neh??
      Estão com inveja do sucesso Wilma e esta sendo.

  • Belas mensagens

    A cena com o hino antifascista "Bella Ciao" já é um clássico. Jamais esquecerei!

    Bella Ciao Questa mattina mi sono alzatoO bella ciao, bella ciao, bella ciao, ciao, ciaoQuesta mattina mi sono alzatoE ho trovato l'invasor O partigiano, portami viaO bella ciao, bella ciao, bella ciao, ciao, ciaoO partigiano, portami viaChé mi sento di morir E se muoio da partigianoO bella ciao, bella ciao, bella ciao, ciao, ciaoE se muoio da partigianoTu mi devi seppellir E seppellire lassù in montagnaO bella ciao, bella ciao, bella ciao, ciao, ciaoE seppellire lassù in montagnaSotto l'ombra di un bel fior E le genti che passerannoO bella ciao, bella ciao, bella ciao, ciao, ciaoE le genti che passerannoMi diranno: Che bel fior! E quest' è il fiore del partigianoO bella ciao, bella ciao, bella ciao, ciao, ciaoE quest'è il fiore del partigianoMorto per la libertà E quest'è il fiore del partigianoMorto per la libertà  Querida, Adeus Uma manhã, eu acordeiOh, querida, adeus, querida, adeus, querida, adeus, adeus, adeusUma manhã, eu acordeiE encontrei um invasor Oh, membro da Resistência, leve-me emboraOh, querida, adeus, querida, adeus, querida, adeus, adeus, adeusOh, membro da Resistência, leve-me emboraPorque sinto que vou morrer E se eu morrer como um membro da ResistênciaOh, querida, adeus, querida, adeus, querida, adeus, adeus, adeusE se eu morrer como um membro da ResistênciaVocê deve me enterrar E me enterre no alto das montanhasOh, querida, adeus, querida, adeus, querida, adeus, adeus, adeusE me enterre no alto das montanhasSob a sombra de uma bela flor Todas as pessoas que passaremOh, querida, adeus, querida, adeus, querida, adeus, adeus, adeusTodas as pessoas que passaremMe dirão: Que bela flor! E essa será a flor da ResistênciaOh, querida, adeus, querida, adeus, querida, adeus, adeus, adeusE essa será a flor da ResistênciaDaquele que morreu pela liberdade E essa será a flor da ResistênciaDaquele que morreu pela liberdade  

     

  • Belas mensagens

    A cena com o hino antifascista "Bella Ciao" já é um clássico. Jamais esquecerei!

    Bella Ciao Questa mattina mi sono alzatoO bella ciao, bella ciao, bella ciao, ciao, ciaoQuesta mattina mi sono alzatoE ho trovato l'invasor O partigiano, portami viaO bella ciao, bella ciao, bella ciao, ciao, ciaoO partigiano, portami viaChé mi sento di morir E se muoio da partigianoO bella ciao, bella ciao, bella ciao, ciao, ciaoE se muoio da partigianoTu mi devi seppellir E seppellire lassù in montagnaO bella ciao, bella ciao, bella ciao, ciao, ciaoE seppellire lassù in montagnaSotto l'ombra di un bel fior E le genti che passerannoO bella ciao, bella ciao, bella ciao, ciao, ciaoE le genti che passerannoMi diranno: Che bel fior! E quest' è il fiore del partigianoO bella ciao, bella ciao, bella ciao, ciao, ciaoE quest'è il fiore del partigianoMorto per la libertà E quest'è il fiore del partigianoMorto per la libertà  Querida, Adeus Uma manhã, eu acordeiOh, querida, adeus, querida, adeus, querida, adeus, adeus, adeusUma manhã, eu acordeiE encontrei um invasor Oh, membro da Resistência, leve-me emboraOh, querida, adeus, querida, adeus, querida, adeus, adeus, adeusOh, membro da Resistência, leve-me emboraPorque sinto que vou morrer E se eu morrer como um membro da ResistênciaOh, querida, adeus, querida, adeus, querida, adeus, adeus, adeusE se eu morrer como um membro da ResistênciaVocê deve me enterrar E me enterre no alto das montanhasOh, querida, adeus, querida, adeus, querida, adeus, adeus, adeusE me enterre no alto das montanhasSob a sombra de uma bela flor Todas as pessoas que passaremOh, querida, adeus, querida, adeus, querida, adeus, adeus, adeusTodas as pessoas que passaremMe dirão: Que bela flor! E essa será a flor da ResistênciaOh, querida, adeus, querida, adeus, querida, adeus, adeus, adeusE essa será a flor da ResistênciaDaquele que morreu pela liberdade E essa será a flor da ResistênciaDaquele que morreu pela liberdade  

     

  • Já que os críticos
    Já que os críticos brasileiros estão falando que a série é ruim e tal, pq eles não fazem uma melhor, pq tds as séries e filmes que eu já vi de autores brasileiros nenhuma prestou, ai quando vem uma série boa eles vem falar mal a pelo amor de Deus, fazem melhor então...

  • Mas claro que a crítica vai
    Mas claro que a crítica vai falar mal, ainda mais a brasileira onde a nossa casa de papel e roubada todos os dias pelos trabalhadores do planalto.

  • Excelente matéria!

    A maioria dos críticos fazem exatamente isso com séries e filmes que não hollywoodianos.

    Parabéns pela matéria.

  • La Casa de Papel
    Assisti a primeira é a segunda temporada e o filme é ótimo.
    Espero que lancem outros filmes. Por favor...não liguem para estes idiotas que só gostam de assistir o Pablo VOMITAR. Kkkkkkkkkkk

      • Isso não é homofobia.
        Isso não é homofobia. Homofobia seria se se defendesse que não se pode ver um show ou ouvir música de um transformista, o que não foi o caso. Ele só canta mal mesmo! Não chega aos pés de um Cazuza ou Fred Mercury.

  • Até agora foi a única série do Netflix que vi

    até o fim. Foi meu filho de 25 anos que me indicou. Gostei muito.

    E na verdade, se eu subesse que os "críticos" dos ex-FSP e consorte não gostaram, aí que eu ia fazer questão de ver!

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