Meu corrupto de estimação, por Francy Lisboa

A avalanche de análises sobre o cotidiano político brasileiro nos faz cair no mesmo dilema em que vive os compositores. Alguns dizem que não há mais nada para cantar sobre amor, quanta frustração. Agora, no espectro político, não há mais nada a falar sobre as arruaças dessa condição humana chamada política, haja vista que mesmo as circunstâncias, antes pedra-base para possíveis ineditismos, novos pontos de vista, apresentam-se repetitivas.

O fim chegou, e o debate parece ter morrido na seara do ódio político que grassa pelo Brasil gerando o senso comum de que apenas os malfeitos de um grupo político merecem ser punidos judicialmente e “manchetisticamente”. Talvez, e não mais que talvez, haja ainda espaço para um último olhar com vernizes de ineditismo.

Considerando que o sebastianismo é próprio do brasileiro, e que todos nós tendemos a escolher um lado, é plausível assumir que cada brasileiro quando se posiciona politicamente está delineado o que se pode chamar de “seu corrupto de estimação”. Como assim?

O corrupto de estimação é aquele que exibe maior concordância com seu eleitor em termos de retórica e prática. Não é o ato ilícito em si, e o seu acumulado,  que faz com que um político A ou B seja rejeitado, odiado. Na verdade, existe um fino balanço entre o quanto ideologicamente o eleitor se assemelha com o político e a quantidade de denúncias, comprovadas ou não, que o parlamentar tem nas costas. Caso fosse possível quantificar um ponto intermediário, poderíamos criar uma medida, uma espécie de índice para o famoso “rouba, mas faz”, que por hora chamaremos de RMF.

O RMF seria então a divisão no espectro do sentimento da população em relação a determinado político. Nesse espectro, as extremidades seriam: a) o ódio viceral, com desejos de morte; e b) a admiração irrestrita, uma idolatria que cega .  No ponto zero do RMF as pessoas idealmente olhariam o político como um “so so”, ou seja, sabem que o dado homem público participa de maracutais, mas tais potenciais ilícitos são ponderados pela capacidade do político em atender anseios de curto prazo, principalmente.

O desafio aqui é saber quais são estes anseios, se existe ordem de prioridade nas demandas da massa em relação ao político. Tomando como base que a maioria dos brasileiros pede sempre o mesmo: saúde, educação, segurança, é possível afirmar categoricamente que nenhum político está perto da admiração irrestrita, da idolatria cega. Afinal, ainda temos muito que caminhar para melhorar tais setores.

 Contudo, não é aí que quero chegar. Quando se trata de saúde, educação e segurança a noção de “corrupto de estimação” desaparece, pois nesse ponto surge a ideia de que todos os políticos são iguais.  Tal noção só aparece quando o posicionamento político tem relação com a corrupção. O bradar contra a corrupção, contra a natureza humana, faz com que surja a famosa relativização. Tal relativização posiciona determinado político dentro do espectro do RMF e é dependente de cada eleitor.

Atualmente, há eleitores cujos anseios se resumem em acabar com Partido A. Caso o político tenha potencial para isso, ele fatalmente terá seus malfeitos relativizados, podendo ser colocado no lado do espectro mais próximo à idolatria. “Somos milhões de Cunha”, lembra?

É por isso e, somente por isso, que  não há como acreditar em indignação no Brasil, venha de quem for. Todos nós posicionamos políticos dentro de um espectro que tem o ódio e o amor como extremos. A posição muda com as circunstâncias e com os desejos de longo prazo. Quando esse político atende desejos de curto prazo tendemos a ponderar as denúncias contra ele. Isso é o que ocorre com Cunha e os antipetistas brasileiros. Cunha, para eles, nada mais é que um corrupto de estimação, pois bate de frente com o que eles  mais odeiam ou foram aliaciados a odiar: o PT.

Redação

Redação

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  • Francy, a primeira

    Francy, a primeira constatação que se deve fazer é que a democracia é, ainda, uma utopia, tanto no Brasil, como no resto do mundo. Entendido que não há democracia em sua real acepção de participação do cidadão nas decisões políticas de sua nação, nem direta, nem indireta (pois corrompida pelo poder financeiro ao ponto da alienação, chamada de grau zero da política por Baumann), o que resta é um estado de natureza relativo, onde cada um, ou cada grupo, busca a melhor parte da caça em benefício próprio. É nesse cenário, segundo penso, que se inicia a opção pelo que você inteligentemente denominou de "corrupto de estimação", que será aquele que melhor atender aos objetivos individuais ou de classe. A solução passa por uma reforma política profunda, que altere o atual desequilíbrio de forças no exercício da cidadania. Aparentemente, poucos observam isso como paliativo, tanto para a corrupção, como para o empoderamento do cidadão. Isso, repito, não é um problema brasileiro, mas de toda a civilização humana, em maior ou menor grau dependendo do país. Parabéns pelo texto.

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