O impasse do Podemos e os limites da “nova política”, por João Telésforo

Manuela Carmena, prefeita de Madri, e Pablo Iglesias, líder do Podemos: agora, rompidos

No Outras Palavras

O impasse do Podemos e os limites da “nova política”, por João Telésforo

Cinco anos depois de surgir, partido-movimento tem dificuldades de formular programas e estratégias para Espanha em crise. Por isso, pode dividir-se. Eleições de maio parecem decisivas.

Por João Telésforo

O Podemos e o “Ahora Madrid” — “plataforma cidadã” integrada pelo partido e outras forças políticas, que elegeu a ex-juíza Manuela Carmena para a prefeitura da cidade, em 2015 — romperam de vez, na capital da Espanha.

Os Anticapitalistas — corrente mais de esquerda do Podemos, que o antecede e foi importante para vertebrar o partido em sua fundação — já tinham anunciado no ano passado que não apoiariam a candidatura da Prefeita à reeleição, acusando-a de não governar nos marcos de um municipalismo efetivamente democrático.

Agora, Carmena e Íñigo Errejón — ex nº 2 do Podemos, que vem em disputa encarniçada com o Secretário-Geral do partido, Pablo Iglesias, faz cerca de três anos — lançaram uma carta com uma nova “marca”, a plataforma “Más Madrid”, para aglomerar cidadãos “além das legendas” (mesmo discurso de fundação do Podemos e do Ahora Madrid, há cinco e quatro anos respectivamente). Em reação, os Anticapitalistas pressionam a direção do Podemos (isto é, Pablo Iglesias e seu núcleo) a não se juntarem a essa nova plataforma, e se engajarem na construção de uma candidatura alternativa, “verdadeiramente coletiva, democrática e participativa”. Iglesias anunciou ontem (17/1) que, com efeito, o Podemos lançará, com seus aliados (Izquierda Unida, notadamente), uma candidatura alternativa à de Manuela e Íñigo, em Madri, dada a ruptura unilateral protagonizada por estes. As eleições municipais ocorrerão, em toda a Espanha, em 26/5 — junto com a escolha de deputados para o Parlamento Europeu.

Além das disputas de egos e aparatos, há também políticas distintas. Errejón e Carmena são mais moderados do que a direção do Podemos, mais simpáticos a possíveis alianças com o PSOE e mais focados na disputa de sua base social (PSOE é uma centro-esquerda domesticada, que há muito acatou postulados neoliberais e a tutela da Troika [FMI-Banco Central Europeu-Comissão Europeia], ainda que seu atual líder, Pedro Sánchez, tenha feito uma leve inflexão progressista).

Já Pablo Iglesias, depois de irromper como uma vociferante figura anti-sistema (ainda que sem usar essa expressão) com apelo para além da esquerda, tem dificuldades de manter esse discurso depois de ter se integrado, com o Podemos, ao Parlamento (em alguma medida, portanto, à “casta” que confrontava). Forjou aliança com a Izquierda Unida, o partido que sempre foi a alternativa minoritária à esquerda do PSOE, mas enfrenta o desafio de não ficar restrito a esse espaço ideológico, pouco dotado da tão decantada “transversalidade”. Como retomar o projeto de criar uma esquerda com vocação de aglutinar maiorias e ser alternativa de poder?

O Podemos não tem dado conta desse desafio, e enquanto isso vai crescendo a extrema-direita (o partido “Vox” que tem crescido no legislativo e se coloca principalmente anti-imigração e antifeminista — qualquer semelhança não é mera coincidência), alimentando-se da crise sistêmica, em seus componentes social, econômico, político e territorial (conflito sobre a Catalunha, notadamente).

Na era do “capitalismo de plataforma”, a crise já não é somente mais da forma partido, mas também da forma “plataforma cidadã”. A política institucional segue no ritmo alucinante do capitalismo financeirizado e digitalizado — líquido, pra quem gostar da metáfora do Bauman. A crise já não é mais uma circunstância, e sim parte da governabilidade. As “novas plataformas” também espelham isso.

Uma “nova política” é necessária, mas o apelo vago ao “novo” não nos levará longe. Até pode servir para se inserir no jogo, ao se amparar no sedutor fetiche da ideologia dominante com a “inovação”. Na primeira esquina, porém, a vida real traz dificuldades e desafios que exigem muito mais substância de organicidade e inteligência coletiva, enraizamento social, estratégia e programa.

Não se trata de jogar fora as experiências do Podemos e das plataformas municipalistas na Espanha, nem de se refugiar numa postura tão arrogante quanto derrotista, de desprezo a tudo que é tentado. Trata-se justamente de aprender com essas experiências, com o que têm de potências e limites. Menos deslumbramento e oba-oba, mais armas da crítica e pé no chão. Espero que os(as) companheiros(as) na Espanha encontrem os melhores caminhos para fazer frente à ordem neoliberal e à extrema-direita que começou a ganhar força. O fortalecimento do movimento feminista no país – inserido numa onda internacional — é uma bússola fundamental para isso.

¡Sí, se puede!

João Telésforo – Professor de Direito Constitucional. Pesquisador do novo constitucionalismo latino-americano e entusiasta da criatividade política das lutas sociais, acredita na atualidade da consigna de Simón Rodriguez: “o inventamos o erramos”

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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  • O capitalismo naufraga e não há nada para substituí-lo

    O capitalismo está fazendo água em toda parte, mas está enraizado demais nos corações e mentes. Não se consegue pensar nem muito menos por em prática outra concepção de sociedade.  Toda tentativa de contestar/melhorar/domar o capitalismo pela via política acaba sendo apenas administração de crise: vide PT, Podemos, Syriza e similares.

    "O velho já está (quase)morto e o novo ainda não nasceu. E se nascer o novo, quando nascer será muito estranho para todos nós, velhas mentes capitalistas:

    - a primeira coisa a cair será o trabalho, que só existe nas sociedade capitalista

    - outra, será a política, o direito e a democracia, que só existe por conta das subjetividades abstratas (1 indivíduo, 1 voto, direitos formais) meramente quantitativas, em tudo semelhante à forma capital (mensurável como unidade de valor-trabalho)

    - o estado nacional moderno e sua teia jurídica, não mais necessários numa sociedade emancipada

    - o dinheiro também desaparrecerá, sem valor,-trabalho, não mais será necessria a mercadoria-geral de troca universal

    Mas como seria uma sociedade assim, que ainda absorveria todo o avanço técnico-científico construído até o momento? Não conseguimos imaginar, pois para nós, ainda é impossível voar para fora da atmosfera capitalista e conceber outra forma de viver.

    Aos que acham impossível uma sociedade sem as instituições acima citadas, a humnidade têm milhões de anos e a amior parte dela foi vivida sem trabalho, política, direito, estado e dinheiro.

  • Depois de muitos debates

    Depois de muitos debates encarniçados, criticas e respostas, balanços, autocríticas arrependidas ou piedosas, acusações de "traição" e "quinta colunismo", depois de tudo isso nossa esquerda vai "descobrir" que o PT como partido e movimento político foi o melhor instrumento de luta desenvolvidos pela velha, nova, ex querda, novíssima ou vir a ser esquerda futura. Os golpistas e a "direita" descobriram isso faz algum anos quando decidiram varrer definitivamente essa experiência política da vida brasileira nem que para isso destruisse o país.  E continuamos a olharmos uns para os outros com cara de Lenin perguntando o que fazer? Nossos inimigos e adversários podem durmir tranquilos.

  • Perfeito seu comentário.

    Perfeito seu comentário. Minha dúvida fica por conta do que virá após o colapso do sistema capitalista. Se a humanidade voltar às condições anteriores ao mercado, talvez se construa um outro modo de vida. Se permanecerem as bases do atual sistema, este poderá ser relançado.

  • Em certo sentido, Podemos

    Em certo sentido, Podemos cresceu rapidamente mas de modo um tanto precoce. Logo na primeira eleição, quase emparelhou com o PSOE. Havia por detrás disso uma conjunção de fatores. De um lado, o desgaste do PSOE entre os eleitores mais progressistas (sobretudo entre os jovens). E um grande número desses eleitores costumavam se afastar da eleicao - a abstençao, na Espanha, mas não apenas lá, atinge com mais força precisamente a esquerda. A direita raramente se abstem. O partido conservador (PP) não cresce nem diminui - fica sempre nos seus 10,5 milhoes de eleitores, um poucoquinho a mais, um pouquinho a menos. A abstencao castiga os socialistas, em geral. Quando isso muda (como em 2004, por conta de um monumental atentado e um desastre politico do PP), o PSOE ganha. Esse fator - o desgaste do PSOE e, portanto, do bipartidismo de fato - foi importante para o resultado do Podemos em sua primeria experiencia de urnas. O outro fator que o alavancou (e em parte ainda alavanca) foi a soma de diversos movimentos sociais relevantes, reflexos de diferentes crises da sociedade espanhola - a maré da educação, da saude, dos atingidos pela crise das hipotecas, etc. 

    O desafio do Podemos é "concertar" tudo isso sem virar mera "caixa de ressonancia" dos movimentos, o que seria insuficiente para dar aos proprios movimentos o que eles querem e precisam, um passo adiante. Lembro-me de que algo parecido (em contexto bem diferente) ocorreu com o Bloco de Esquerda, cuja votacao registrou algumas pesadas oscilacoes. Chegou a 10% e numerosos deputados, caiu pela metade, voltou aos 10%, configurando-se como terceira força partidária em Portugal (disputa com o PCP). Em certo momento, de baixa e de muitas polemicas internas, houve quem decretasse a morte do Bloco. Não foi o que aconteceu. O partido se reestruturou, reviu sua linha de atuação e encarou o que chamam de "geringonça", um arranjo politico em que apoiam um governo do PS (um partido bem moderado, para dizer o minimo), mas sem participar do governo, isto é, sem "cobrar cargos". 

    As lideranças de Podemos vão ter que rever suas táticas. Mas há terreno para eles. Há duas coisas a considerar - as condições de sua emergencia (podemos chamar de demanda de oposicao) e as condicoes de sucesso (a capacidade de responder pela oferta de politicas coerentes e credíveis). Se consegurem, mudam o cenário do país.

  • partidarismo!!!

    O Podemos cresceu com a ideologia que não era necessario partido poltiico e que todo poltiico era igual. Os movimentos apartidários podem mudar a poltiica e a economia sem necessidade de patidos polticos. Na Espanha deu o poder a direita, e no Brasil Bolsonaro.

    Temos de defender a volta ou crescimento da poltica partidária.

  • Podemos?

    Acho que não. A concepção de acabar com estabelecido sem ter a transição modelada só beneficia aqueles que detem os poder ( os meios de produção, o financiamento da máquina, as raposas políticas, o velho e batido 1% do total). " O velho já está (quase) morto e o novo ainda não nasceu." é apenas um clichê que mascara , a favor do 1% , a condução a um estado de anomia e "inércia improdutiva acelerada" ; que permite que a mesma fração dominante a manutenção do status quo. Como Lampedusa magistralmente escreveu: "Se vogliamo che tutto rimanga come è, bisogna che tutto cambi" dito pelo sobrinho do principe de Salina, Tancredi.

    A metamorfose dos partidos reformista ao longo dos anos de sua existencia explica a sua decadência e sua necessidade de constante reinvenção . A sintese dessa observação pode ser exemplificada pelo PRI mexicano, que existe desde 1929 como Partido Nacional Revolucionário (PNR), transmutou-se sob Cardenas em Partido da Revolução Mexicana (PRM) e em 1946 atingiu a atual condição de Partido Revolucionário Institucional (PRI) ( pequena questão como um partido pode ser revolucionário e institucional simultaneamente?).

    A realidade na Espanha é  amplificada para pior , pois surgiu de um processo de acomodação pós-Franco ( o Pacto de Moncloa, o sonho dourado de boa parte da intelectualidade tupiniquim , pois era contemporanea do inicio do processo de redemocratização em Pindorama), e não de um processo revolucionário como no vizinho Portugal.

    Finalmente , o sabor deste nascente novo após degustado por algum tempo é , na esmagadora maioria das situações, tão similar ao antigo que , independente de parecer ou não com o que sucede , na sua essencia materializa-se no próprio antigo.

     

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