O melhor amigo dos mercados

Enviado por Sério T.

Da Carta Maior

Quem dá mais?

Por Saul Leblon

O que de pior poderia acontecer ao Brasil nesse momento seria reduzir a eleição de outubro a uma gincana para a escolha do melhor  amigo dos mercados. Esta  semana Eduardo Campos abriu o seu baú e mostrou  um pedaço dos dotes que pretende oferecer à praça.

Em troca de apoio e indulgência dos mercados, o neto que envergonharia o avô quer entregar um mandato fixo ao BC,  com metas plurianuais de inflação e superávit fiscal.

Uma espécie de outro país dentro do Brasil. 

Ao lado de um Presidente da República escolhido pelo voto direto, teríamos um presidente da republica do dinheiro. Com autonomia, e dotado de ferramentas calibradas e com abrangência suficiente para induzir e condicionar o destino do desenvolvimento, os limites da democracia, a sorte da sociedade.

Assessores do tucano Aécio Neves, sendo o economista Edmar Bacha o mais loquaz entre eles, não deixam por menos.

Um revival do PSDB no poder faria tudo isso  e muito mais, asseguram pregoeiros de bico longo.

Por exemplo:  deflagraria um choque de ‘eficiência’ com a derrubada  em série de tarifas sobre importações.

O que sobrasse da indústria local e do emprego seria de primeira linha, garantem.

Outro arquiteto de países paralelos, o tucano Pérsio Arida, acha pouco  a independência do BC.

Para ir além, sugere a independência da própria moeda nacional em relação ao governo.

Seu projeto, antigo fetiche do neoliberalismo verde-amarelo, é assegurar a conversibilidade automática do Real em relação ao dólar.

Viraria um anexo do dólar.

Terceirizar a moeda de uma nação é o equivalente econômico a renunciar ao monopólio da força por parte do Estado:  abdica-se de um dos instrumentos cruciais na defesa do interesse público para  entregar a  sua gestão  ao apetite privado.

A politica  monetária  vira uma espécie de Ucrânia nas mãos dos francos atiradores dos mercados.

O governo Dilma, sob as turquesas das agências de risco e da guerra de expectativas da mídia e do capital financeiro, falou a língua que eles entendem  na última 5ª feita.

A oito meses das eleições, o governo cortou R$ 44 bi em investimentos, rebaixou a expectativa de crescimento do PIB  para 2,5% e fixou o superávit fiscal em 1,9% do PIB.

O monólogo que anuncia ‘tempos difíceis’ vai impondo a sua ordem unida na frente da produção, do dinheiro, do emprego e da própria política.

Por tempos difíceis entenda-se a ampliação da margem de manobra dos capitais especulativos, que passam a ter na cambaleante recuperação das economias ricas um ponto de fuga adicional.

Graças a ele, amplificam seu já robusto poder  chantagem sobre nações, governos e candidatos do mundo em desenvolvimento.

Ninguém sabe exatamente qual o fôlego ou a consistência da dita  recuperação.

Depois de quase sete anos de colapso da ordem neoliberal, os indicadores mostram um saldo de terra arrasada no emprego e nos índices sociais e saneamento financeiro.

Por exemplo: hoje os fundos  de investimento e de pensão tem 31% mais dinheiro do que o saldo anterior à crise. Com uma bolada equivalente a 75% do PIB mundial, eles detém um poder de comando apreciável sobre bolsas, moedas, governos  e economias carentes de capitais, de um modo geral.

A narrativa conservadora faz o resto ao festejar o poder coercitivo adicional dessa alavanca , a  cada suspiro na ‘recuperação’ das economias ricas.

O cheiro da virada de ciclo já basta.

Massas monstruosas de capitais se movimentam pelo mercado, ou apenas ameaçam faze-lo, ‘precificando’ hoje  um amanhã que ninguém tem a certeza de quando virá nem como será.

Não importa: a incerteza é a água dos cardumes especulativos.

Governos, povos e nações precisam de chão firme:  planejamento, regulação, metas de investimento, planos de crescimento de longo prazo.

O dinheiro grosso e os magos da arbitragem, ao contrário,  respiram melhor debaixo do oceano da incerteza.

Ao não se confrontar as duas lógicas sanciona-se um esbulho.

O do jornalismo econômico, por exemplo, que mantém intacta a fé nas virtudes do laissez faire , como se 2007/2008 nunca  tivessem existido no calendário econômico mundial.

A crítica  cerrada ao Brasil por ‘ter abandonado’ as reformas amigáveis abafa uma pergunta básica: ‘Onde estaria o país  hoje se a sua condução na crise tivesse sido obra dos sábios tucanos, por exemplo?’

O espelho europeu oferece  a inquietante pista de que seríamos agora um grande Portugal.

Ou uma dilatada  Espanha – um superlativo depósito de desemprego, ruína fiscal e sepultura de direitos sociais, com bancos e acionistas solidamente abrigados na sala VIP do Estado mínimo (para os pobres).

Incorporar os imperativos das agencias de risco, sem abrir uma discussão com a sociedade  sobre os desafios da transição em curso no desenvolvimento brasileiro, pode gerar no imaginário social o efeito de uma  gigantesca empresa demolidora.

Marretas  sabidas golpeiam dia e noite a confiança erigida ao longo de uma década de construção negociada da democracia social no país.

O desafio progressista  é fazer o contraponto  desse desmonte.

Mesmo ao ceder no varejo –quando inevitável–  é crucial reafirmar as linhas de passagem no atacado e distinguir um projeto de desenvolvimento da mera contabilidade pró-mercados.

O quadro latino-americano e mundial sinaliza  uma inflexão de tempo histórico.
Não por acaso o site de O Globo desta 5ª feira editava como irmãs siamesas as imagens dos conflitos em Caracas e em Kiev.

A mensagem é nada sutil: afrontar o mainstream  leva ao caos.

Não por coincidência, no mesmo dia, Obama emitia ordens imperativas a Maduro e ao governo da Ucrânia.

Mitigada a crise no front interno das nações ricas, cuida-se de restabelecer a ordem nos quintais  indóceis.

É nesse ponto que o timming das ações do governo – de qualquer governo – faz enorme diferença na reordenação em marcha da correlação de forças.

Cada gesto, cada decisão, cada anúncio adquire uma dimensão estratégica; a forma como as providências são comunicadas, ademais de sua projeção e  escopo mais geral, sobre o qual não pode pairar dúvida , ganha  importância decisiva na disputa pelos corações e mentes da sociedade.

Uma crise de incerteza tem um tempo certo para ser abortada, ou derrotará o governo –a produção,  o emprego e o imaginário social.

Os tempos são outros; a globalização tornou tudo mais difícil, alega-se.

E é verdade.

Mas é verdade também que a lógica dos mercado não vai resolver os problemas que ela mesma criou.  

Não se pode amesquinhar  o único espaço no qual esse poder imperial se defronta com um outro de igual para igual: a luta política na democracia.

O governo Dilma disse aos mercados nesta 5ª feira  como pretende zelar pelos seus interesses.

É preciso que diga, a partir de agora — e de forma contundente na campanha—  como um novo mandato progressista vai construir hegemonia dos interesses sociais mais amplos na travessia para o novo ciclo de desenvolvimento brasileiro.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

Recent Posts

Senado aprova decreto de ajuda ao Rio Grande do Sul

Texto acelera o repasse de verbas ao estado, que deve permanecer em estado de calamidade…

56 minutos ago

Alunos da USP iniciam acampamento pela Palestina

Estudantes pedem fim de relações acadêmicas com universidade de Haifa; ocupação ocorre no prédio de…

2 horas ago

Familiares de vítimas de violência investigadas por Rivaldo Barbosa pedem reanálise dos casos

Envolvimento no caso Marielle levou parentes a questionar quantas investigações foram arquivadas indevidamente pelo ex-chefe…

2 horas ago

Lula defende troca de dívida externa de países pobres por investimentos

Em entrevista, presidente discutiu propostas que serão encaminhadas até o final da presidência brasileira no…

3 horas ago

Como antecipado pelo GGN, quebra na safra gaúcha pode levar governo a importar grãos

Nesta terça-feira, presidente Lula também destacou necessidade de financiar produção de grãos em outros estados…

4 horas ago

Parlamentares poderão destinar mais de R$ 1 bilhão ao RS com emendas

Governo federal mapeou que R$ 1,3 bilhão podem ser destinados ao Rio Grande do Sul,…

4 horas ago