O primeiro passo, por Janio de Freitas

O primeiro passo

Por Janio de Freitas

Da Folha de S. Paulo

A escolha de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, vista de fora, é uma decisão política, não econômica. Faz supor uma escolha de Dilma Rousseff por temor da voracidade com que os conservadores ambicionam a retomada do Poder perdido. Presenteia-os, parece, na suposição de aplacá-los.

De fora, ainda não há como saber –e muito menos crer– de algum entendimento prévio sobre linha de política econômica que possa tornar a escolha mais inteligível. Seja como for, coerente com o sentido da campanha de Dilma, não é.

A escolha não tem coerência nem com o momento em que é feita. Na manhã mesma em que fez uma reunião para definir a escolha, liberada não oficialmente à tarde, o caderno “mercado2” da Folha apresentava como manchete: “Desemprego recua em outubro e atinge 4,7%; renda bate recorde”. A seção “Economia” do “Globo”, com uma nota na primeira página, também dava como manchete: “Emprego em alta, renda recorde”.

Aos dois jornais não faltaram, claro, o “mas” e o “apesar de”. Ainda assim, das manchetes pode-se entender que a economia esteja mais para o massacrado Guido Mantega do que para o Joaquim Levy que bem poderia ser ministro em um governo de Aécio Neves.

O histórico de Joaquim Levy não deixa dúvida sobre o seu conservadorismo, posto em prática evidente ao menos desde que foi secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento no governo Fernando Henrique. Conservadorismo confirmado no governo Lula, quando foi um dos inspiradores da política econômica que consagrou Antonio Palocci nos setores do domínio financeiro. E conservadorismo consolidado como secretário do Tesouro, quando Levy foi o ponto de resistência a gastos e outras medidas de linha social pretendidas no governo Lula.

Caso o histórico não baste, o presente garante: se não fosse adepto de concepções do conservadorismo neoliberal, Joaquim Levy não seria diretor do Bradesco. O que prova não se tratar, até agora, de pessoa incoerente.

Também sem comunicação oficial quando escrevo, a apontada indicação da senadora Kátia Abreu para a Agricultura sugere, ou confirma, uma disposição incomum de Dilma Rousseff para incrementar problemas com as correntes não conservadoras. A senadora exerce com muita competência a liderança do agronegócio e dos grandes proprietários de terra. Mas nem todos os interesses que defende coincidem com o que deveriam ser objetivos do governo, de todo governo.

Dilma Rousseff entra no segundo mandato devendo muito para reparar os desempenhos deploráveis do seu governo em três capítulos da desgraça nacional: o problema indígena, sem as demarcações territoriais devidas e com o genocídio em progressão; a questão fundiária em geral, com imensos territórios tomados e explorados; e, ainda e sempre, a reforma agrária, pendente de correções e de avanços. Três assuntos em que o responsável pela Agricultura tem deveres e poderes muito grandes. Três assuntos em que os interesses representados pela senadora Kátia Abreu conflitam, em todos os sentidos desta palavra, com as vítimas e com as obrigações e as dívidas administrativas e sociais do governo Dilma.

O primeiro movimento para o novo governo parece feito em marcha a ré. 

Redação

Redação

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  • Nassif
    " Numa de suas

    Nassif

    " Numa de suas melhores intervenções na campanha presidencial, Lula disse que os tucanos só se lembram dos pobres em época de eleição. Visto o ministério que vai sendo montado por Dilma, talvez só possa dizer que hoje o PT só se lembra da militância em época de eleição" (do CB)

    Dizer mais o que?

    • Fácil falar

      Fácil falar, difícil fazer. Não somos nós comentaristas de blog que teremos que tocar um governo que, a partir do ano que vem, estará com bancada própria reduzida (PT perdeu representantes na Câmara e no Senado, PSB aliou-se à oposição), acossado dia-e-noite pela mídia e sob ameaça constante de um golpe judiciário à paraguaia/hondurenha.

      • Fácil falar II

        Allan,

        Isso os comentaristas e colegas não percebem o PT e a ala progressistas diminuiu de tamanho no Congresso. A Dilma venceu, mas a sociedade elegeu um ongresso extremamente conservador e fisiológico. Circo irá fechar com  a eleição de Eduardo Cunha para presidente da Camara, que acho ser o mais provavel. Assim o impedimento de Dilma estará garantido. Esse governo não tem força, e seus acessores, Mercadande e Cardoso ajudam a enfraquecer ainda mais esse inicio de governo. 

        • Parabéns George e ao Allan também.

          Concordo com os dois comentários.  Temos que unir forças para que Eduardo Cunha não seja eleito. Fiquemos de olho nos que o apoiam. Serão tão nefastos quanto ele. Eduardo Cunha  NÃO!! Não confiaria nessa criatura nem mesmo para síndico de meu prédio!  #EduardoCunha não. 

  • governo do PT a estibordo..

    o leme de dilma travou na direção estibordo, Levy, Kátia Abreu e Armando Monteiro são escolhas que estariam muito bem em um Governo de Aécio...vamos ver quem ela vai colocar no MDA e outros...será que nossa "coração valente" está sofrendo da Síndorme de Estocolmo? desse jeito teremos Eduardo Cunha como Presidente na Câmara e alguém conservador do PMDB no Senado..esperemos, quem sabe algum marinheiro desavisado coloca uma pouco de vaselina no leme e há correção de rumos/

  • Ficando apenas nos indígenas,

    Ficando apenas nos indígenas, foi de estranhar a todos que querem ver esse povo com seus problemas resolvidos, durante toda a campanha nenhum dos candidatos apresentar qualquer sinal de que os indígenas são parte da nossa sociedade, e, como tal, carecem de ter suas reinvindicações atendidas. O indígena era pra ser tratado com distinção pelo que representa para o Brasil e para o mundo. Aliás, temos visto que os estrangeiros tem muito mais apreço por esse povo que o próprio brasileiro. 

  • Uma aula de

    Uma aula de jornalismo.

    Equidistante e observando os motivos que a população escolheu Dilma e a incoerência com o histórico e a formação acadêmica de Joaquim Levy.

    Jornalismo sem torcida.

  • o primeiro passo... último passso

    Aqueles que, como eu e muitos milhares, dormiram mal naquela patética noite de sábado para domingo, sentem-se já sem forças para proezas de facebook, isto é, espalhar aos quatros cantos o golpe que se urdia... e que se urde. Não adianta!

    Vejamos: com menos de 1 mês do pleito, Aécio não assumiu porque perdeu. Mas sumiu porque não quer ficar perdido. Porquê? Porque o Lava a jato, não é tão a jato assim e já começa a espalhar cocô nos seus asseclas. Isso, pela filosofia brasileira, (se o adversário se enfraquece, eu me fortaleço!) deveria nos remeter ao momento azado para a presidente, mais do que ninguém, ir para televisão, colocar 54 milhões ao lado dela e NÃO VACILAR. Um mês de governo e ela só sabe trair.

    Historicamente, sempre foi assim. Desde Prudente de Morais, jamais tivemos um Presidente da República. Não passam de administradores. Oito milhões de quilômetros quadrados não é para qualquer um.

    Mais uma vez, me sinto traído. Nosso país se fortalece nos números mas se esfacela nas ruas. Matar virou esporte. Correr, uma necessidade! 

    Há de se mudar essa linguagem ou, os blogs de hoje, serão os PIGs de amanhã.   Claro, os tempos serão outros, mas quando, em que tempo, os tempos não foram outros?   

    O que queremos nós? Um/a presidente que não vacile. Se não convém, não faça. Se é mentira, não diga.

    Se me pediu o voto.. agora me respeite.

    Já não quero ser eleitor por um dia, para ser platéia nos outros.

    Assuma, Dilma!    

  • o primeiro passo... último passso

    Aqueles que, como eu e muitos milhares, dormiram mal naquela patética noite de sábado para domingo, sentem-se já sem forças para proezas de facebook, isto é, espalhar aos quatros cantos o golpe que se urdia... e que se urde. Não adianta!

    Vejamos: com menos de 1 mês do pleito, Aécio não assumiu porque perdeu. Mas sumiu porque não quer ficar perdido. Porquê? Porque o Lava a jato, não é tão a jato assim e já começa a espalhar cocô nos seus asseclas. Isso, pela filosofia brasileira, (se o adversário se enfraquece, eu me fortaleço!) deveria nos remeter ao momento azado para a presidente, mais do que ninguém, ir para televisão, colocar 54 milhões ao lado dela e NÃO VACILAR. Um mês de governo e ela só sabe trair.

    Historicamente, sempre foi assim. Desde Prudente de Morais, jamais tivemos um Presidente da República. Não passam de administradores. Oito milhões de quilômetros quadrados não é para qualquer um.

    Mais uma vez, me sinto traído. Nosso país se fortalece nos números mas se esfacela nas ruas. Matar virou esporte. Correr, uma necessidade! 

    Há de se mudar essa linguagem ou, os blogs de hoje, serão os PIGs de amanhã.   Claro, os tempos serão outros, mas quando, em que tempo, os tempos não foram outros?   

    O que queremos nós? Um/a presidente que não vacile. Se não convém, não faça. Se é mentira, não diga.

    Se me pediu o voto.. agora me respeite.

    Já não quero ser eleitor por um dia, para ser platéia nos outros.

    Assuma, Dilma!    

  • Bom artigo do Jânio. Nem sei

    Bom artigo do Jânio. Nem sei se ele hoje será elogiado no blog.

    Enfim, por via das dúvidas vou esconder a comida da minha mesa. Sei lá se ainda aparece um banco central independente.

  • Dilma está se acovardando ou

    Dilma está se acovardando ou está sendo ousada? Dificil dizer. O fato é que empossada ela poderá dar um pé na bunda deste ministério coservador no final de seu primeiro ano. E nos outros três retomar o curso depois que os conservadores fizeram merda, porque é só isto que eles tem feito sempre que chegam ao poder. 

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