Da Carta Capital
Aloízio Mercadante: “Na educação no Brasil, o que não evolui é retrocesso”
Rodrigo Martins
O fraco desempenho do ensino médio brasileiro despertou o Ministério da Educação. Além da estagnação no Ideb, a última etapa do ensino básico enfrenta problemas históricos, como o atraso e o abandono escolar. A CartaCapital, o ministro Aloizio Mercadante defendeu o redesenho curricular e a escola em tempo integral como soluções, além de propor a substituição da Prova Brasil pelo Enem no cálculo do Ideb. “Os alunos se empenham mais no exame”. Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista.
CartaCapital: A evolução do Ideb no ensino médio está estagnada e foi bem menor do que a observada no fundamental. Por quê?
Aloizio Mercadante: O Ideb é um indicador que considera o fluxo, aprovação e proficiência em matemática e português. No caso do ensino fundamental, ele é quase censitário, apenas 1,6% das escolas públicas não fez a Prova Brasil. No ensino médio, são avaliados 69 mil estudantes de um universo de 1,8 milhão de concluintes. Mas é uma amostra com critérios estatísticos e validade. Portanto, há significado no resultado do Ideb: não houve melhora em português e matemática ou no fluxo. É uma advertência. Em educação no Brasil, o que não evolui é retrocesso. Só que temos outra avaliação, o Enem, com mais de 1,5 milhão de inscritos. E neste exame houve melhora importante nos últimos quatro anos. Os alunos empenham-se mais, pois sabem que o Enem é um passaporte para o futuro. Com a nota do exame, os estudantes podem receber bolsa do ProUni, do Fies, disputar vagas em universidades federais.
CC: O senhor pretende substituir a Prova Brasil pelo Enem no cálculo do Ideb para o ensino médio?
AM: Nos próximos 60 dias, o Inep vai fazer um estudo detalhado para verificar se é possível fazer essa substituição sem perder a série histórica do Ideb. Nós manteremos a Prova Brasil pelo tempo que for necessário para não perder a referência dos últimos anos.
CC: O Enem serve de inspiração para as mudanças curriculares que o MEC propõe?
AM: Exatamente pela importância estruturante do Enem, vamos fazer um redesenho curricular. Ele está sendo construído com o Consed (Conselho dos Secretários Estaduais de Educação). Montamos um grupo de trabalho, em que participarão reitores das universidades federais e a Academia Brasileira de Ciências. O redesenho curricular seguramente terá de dialogar com o Enem, porque é para onde os alunos estão olhando e estão motivados a estudar. Os secretários estaduais de Educação são os grandes responsáveis pela rede de ensino médio no Brasil, 86% da rede é deles. A União só tem 1%, então tudo o que podemos fazer tem que ser em parceria com eles.
CC: Qual é o problema com o atual formato?
AM: Hoje, o ensino médio tem uma estrutura curricular enciclopédica. São no mínimo 13 disciplinas obrigatórias, que podem chegar a 20 se incluirmos as optativas. Com apenas quatro horas de aula por dia é muito difícil para o aluno integrar esse conteúdo, sistematizar essas informações. Quando a organizarmos por área, o estudo será mais integrado. Com isso, a compreensão fica facilitada e pedagogicamente mais eficiente. Um professor do ensino médio tem em torno de 800 alunos e dá aulas em várias escolas. Com o trânsito, o tempo que eles perdem é muito grande. Se eles puderem passar mais tempo em apenas uma escola, eles ganham e os alunos também, porque se cria uma relação pessoal, mais íntima, com os estudantes. Essa reestruturação também olha no sentido de permitir aos professores concentrar a vida profissional nas escolas.
CC: O ensino médio deve apenas preparar os alunos para a universidade?
AM: O Brasil ainda não é um país rico, mas, com o aumento de recursos, poderemos dar um passo importante historicamente: escola em tempo integral, em se trabalhe a questão cientifica e acadêmica, e também profissionalizante. Além da educação regular, podemos oferecer ensino tecnológico, formação para o trabalho e cultura.
CC: Quantas escolas tem ensino médio em período integral?
AM: É heterogêneo. Alguns estados avançaram muito e outros, muito pouco. Todas as escolas federais funcionam em tempo integral, com ensino regular e profissionalizante, mas elas representam 1% do universo.
CC: Existe alguma meta para aumentar o número de escolas em período integral?
AM: Queremos aumentar. Tínhamos apenas 300 escolas com o projeto Ensino Médio Inovador, que aumenta a carga de estudo para 5 horas diárias. Chegaremos a 2 mil esse ano. São escolas com uma jornada maior. Não é tempo integral, mas é um avanço.
CC: Mas existe alguma meta, alguma projeção?
AM: O grupo de trabalho foi formado exatamente para desenhar essas metas. Vamos trabalhar em parceria para saber qual é a velocidade que eles conseguem imprimir para a gente construir esse caminho, mas uma das diretrizes é que precisamos avançar em direção à escola em tempo integral. Agora, qual foi a resposta do governo Dilma a essa demanda de ensino técnico e profissionalizante? Foi o Pronatec. Estamos com 1,4 milhão de matriculas. No Pronatec, você tem o ensino concomitante, ou seja, regular e profissionalizante, na mesma instituição. O aluno faz, por exemplo, o 2º ano do ensino médio, mas faz técnico em contabilidade, em construção, em tecnologia da informação. Se ele for para a universidade, já chega com uma formação diferenciada. Existe também o ensino intercalado, em que ele cursa o ensino médio regular em uma instituição e em outra, por exemplo, o Senai, um curso técnico. Nós fizemos uma parceria forte com o Senai e estamos construindo centros de alta tecnologia com eles.
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CC: O que explica as elevadas taxas de reprovação e abandono no ensino médio?
AM: Estamos melhorando, mas em ritmo inferior ao desafio que temos. O primeiro desafio é o peso do ensino noturno, que corresponde a 32,5% do total. Em geral, é um aluno com atraso na vida escolar, mais velho, trabalha o dia todo, oriundo de família pobre e que precisa estudar à noite. O ensino noturno precisa de um tratamento especial. Quando olhamos para os jovens de forma geral, o quadro é mais grave, pois temos 10,5 milhões na faixa etária de 15 a 17 anos no País, ou seja, na idade-série adequada para o ensino médio. Desses 10,5 milhões, 978 mil não frequentam escola nenhuma, 167 mil são analfabetos e 3,9 milhões estão no ensino fundamental, atrasados nos estudos. Somente metade dos jovens de 15 a 17 anos estão no ensino médio com a idade adequada. É um desafio brutal.
CC: Mas o investimento por aluno no ensino médio é bem inferior ao do ensino fundamental.
AM: Os estados precisam investir mais no ensino médio, porque a responsabilidade é deles. O MEC está reconhecendo essas deficiências, não só no volume de investimento, mas também nos resultados. Nós precisamos fazer uma busca ativa desse 1 milhão de jovens que estão fora da escola, acelerar esses 4 milhões que estão no Fundamental e melhorar a qualidade do ensino, por isso queremos aumentar o aporte de recursos. Montamos esse grupo de trabalho para fazer um pacto pela valorização do ensino médio com os secretários responsáveis pelo Ensino Médio nos estados.
CC: O senhor defende a proposta de reservar os royalties do petróleo para a educação. A presidenta Dilma Rousseff concorda?
AM: Ela apoiou essa iniciativa. Queremos uma distribuição mais equilibrada dos royalties entre os estados e municípios e que eles sejam integralmente vinculados à educação. E também a vinculação de metade do fundo social do regime de partilha, que deve começar a render a partir do ano que vem. A visão é que o petróleo é uma riqueza não renovável e que o Brasil tem que ter prioridade estratégica para pensar a nação na era pós-petróleo. E essa prioridade é a educação. É isso que vai preparar o Brasil para a sociedade do conhecimento, o que falta para virar um país desenvolvido. Porque não é só o PIB e o combate a pobreza. Um país desenvolvido é um país que tem qualidade de educação.
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