Prefeitura e União disputam terreno da Favela do Moinho

Prefeitura e União disputam terreno da Favela do Moinho

Por Lilian Milena, do Brasilianas.org

Em 15 anos de existência, a favela do Moinho, localizada na região do Viaduto Orlando Murgel, no centro de São Paulo, passou por dois incêndios de grandes proporções. O primeiro, no dia 22 de dezembro de 2011, destruiu 380 barracos; o segundo, no dia 17 deste mês, cerca de 80 foram totalmente queimados, deixando 300 pessoas desabrigadas.

O que poucos sabem é que o espaço de 30.107 metros quadrados, entre duas linhas de trens da CPTM, e onde vivem, segundo a prefeitura de São Paulo, mais de 800 famílias, é disputado tanto pela prefeitura quanto pela União.

Em março de 2008, um juiz da 17ª Vara Federal deferiu liminarmente o direito de posse da área do Moinho aos moradores por usucapião, mandando suspender uma ação civil pública que corria na justiça federal, de reintegração de posse. O processo tramita na Justiça Federal de Primerio Grau de São Paulo, com o número 00064283120084036100.

A advogada Julia Azevedo Moretti, do Escritório Modelo “D. Paulo Evaristo Arns”, núcleo jurídico da PUC-SP, que orienta os moradores da favela do Moinho, explica que além da ação por usucapião, existe outro requerimento por parte da prefeitura de São Paulo, de reintegração de posse de dois particulares que arremataram em leilão o terreno, retirado da extinta Rede Ferroviária Federal, por dívidas de IPTU.

“A União, por sua vez, antiga responsável pela Rede Ferroviária Federal, reclama que o valor pago na arrematação dos dois particulares foi um valor muito baixo”, aponta Julia.

Implosão do prédio

Logo após o primeiro grande incêndio, em dezembro de 2011, um juiz estadual concedeu posse de parte do terreno do Moinho para a prefeitura demolir o prédio localizado dentro do terreno. Alegava-se que o incêndio, iniciado no prédio, teria abalado as estruturas da construção a ponto de ameaçar os trens da linha da CPTM.

A operação de implosão foi considerada um fiasco. Foram colocados 800 quilos de dinamite em mais de dois mil furos de 260 pilares da construção e, ainda assim, a implosão não conseguiu levar o prédio abaixo, dando indícios de que a estrutura ainda estava boa, ao contrário do que a Defesa Civil afirmava. Foi necessária uma segunda operação para o prédio cair.

Desde então, a prefeitura manteve a propriedade cercada por um muro. Com isso, os moradores do Moinho perderam uma parte do terreno que haviam conquistado pela liminar.

“Temos um conflito de instâncias, da mesma forma que aconteceu no Pinheirinho. Um juiz estadual deu posse para a prefeitura e um juiz federal deu a posse para os moradores. Duas decisões formalmente válidas, sendo que a União pode intervir nos dois processos, por ser parte de ambos”, completa a advogada.

Políticas descontinuadas

Em 2006, a prefeitura de São Paulo tinha como projeto transformar a área do Moinho em parque. Max Muratório de Macedo, ator que realiza trabalhos sociais desde aquele ano na comunidade, explica que, na época, os moradores apresentaram uma contra proposta para que o local fosse transformado numa espécie de bairro ecológico “voltado para a população que vive, basicamente, da coleta de materiais recicláveis”.

A ideia não foi levada adiante por interesse da prefeitura. Em 2008, a Associação da Comunidade do Moinho, entrou com pedido de posse por usucapião, concedida pela 17º Vara Federal. Max lembra que, em outubro de 2011, depois de uma série de pedidos de negociações envolvendo os moradores e a Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB), a prefeitura se comprometeu em retirar os moradores da região, apenas após a entrega de moradias na região central da cidade. Em dezembro ocorre o incêndio que destruiu 368 barracos e, em seguida, é apresentada aos moradores a proposta de transformar o local numa estação de trem da CPTM.

Julia destaca que a área do Moinho integra parte da Zona Especial de Interesse Social (ZEIS), do Plano Diretor de São Paulo de 2002. “Após o primeiro incêndio fizemos uma série de reuniões e até se chegou a fazer um Termo de Compromisso de Atendimento Habitacional assinado pela SEABH, pela Escola Modelo da PUC, Ministério Público do Estado e Defensoria Pública”, revela.

O documento assegurava o direito emergencial do pagamento de auxílio aluguel às famílias que perderam suas casas, no valor de R$ 300 reais. Por pressão dos moradores, a bolsa passou a ser de R$ 450, subsidiada por uma empresa contratada pela prefeitura para construção de um empreendimento que atenderia os desalojados na Ponte dos Remédios, há cerca de 12 km do Moinho.

A prefeitura se comprometeu a pagar o aluguel no período necessário para o atendimento definitivo habitacional e antes de três meses da finalização do empreendimento de convocar os moradores para optarem entre o apartamento próximo à ponte dos remédios, ou se aguardariam por mais tempo até que outro empreendimento fosse concluído na região do Moinho.

Nove meses depois, o empreendimento na Vila dos Remédios não saiu do papel.

“Na época chegaram a falar em dez meses, até que as primeiras unidades da Vila dos Remédios fossem entregues, mas esse período dependeria do aporte de recurso de outras instâncias, federal e estadual. Mas não sei dizer onde foi que travou”, observa Julia.

Procurada pela reportagem, a assessoria da SEHAB também não soube explicar, até o fechamento desta matéria.

Parte dos moradores do Moinho, especialmente aqueles que não tinham perdido suas casas no primeiro incêndio, reivindicava o direito de continuar morando na região próxima da favela.

Chegaram a levantar terrenos na área e encontraram um na Rua do Bosque. Os advogados do Moinho entraram com um decreto de interesse social, no começo deste ano (nº 52.910, de 9 de janeiro de 2012) pedindo para a prefeitura utilizar a área, que compreende um quarteirão nas imediações da favela, no plano de construção de moradias para população de baixa renda.

“Foi nos dito, numa primeira reunião, que o terreno [da rua do Bosque] estava contaminado. Depois, numa outra reunião, que já existia um projeto para o terreno. E, na última negociação, que o projeto seria uma PPP (Parceria Público Privada) para a construção de habitações, mas, não para a população do Moinho e sim para outra faixa de renda”, conta Julia.

A SEHAB realizou parceria com a Brookfield Incorporações para a construção de apartamentos de 26 a 120 metros quadrados. Cerca de 20% dos apartamentos serão destinados ao aluguel social da prefeitura, e o restante, para a Brookfield recuperar seus investimentos.

O Viaduto e o segundo incêndio

O incêndio do dia 17, segunda-feira, começou em um barraco abaixo do Viaduto Orlando Murgel. Júlia destaca que o espaço, meses antes do segundo incêndio, estava sendo objeto de discussão entre moradores e prefeitura, por se tratar de área pública. “De fato justificável, pois estamos falando de um viaduto”, pondera a advogada.

As famílias com barracos debaixo do viaduto se recusavam a sair em troca do pagamento do bolsa-aluguel. “O que discutimos era a troca de chave por chave”, destaca Max. Após o segundo incêndio, a prefeitura cercou com tapumes a área que perfaz o alinhamento do viaduto, inicialmente para reparações decorrentes dos danos do incêndio. Nove dias depois, apesar de liberada a parte de cima para o tráfego dos carros, o local continua isolado.

Luis Nassif

Luis Nassif

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