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Por que ninguém mais quer ser professor na escola pública?

O desinteresse dos alunos pelos estudos, aumento dos casos de indisciplina, violência e atos infracionais nas escolas preocupam os educadores. Além dos baixos salários e as más condições de trabalho, são as principais causas geradoras de angústia, insatisfação, medo, desestimulando-os ao exercício da profissão. Frase como, por exemplo: “os jovens de hoje não tem limites”, “não querem saber de nada”, “não estudam”, “são apáticos”, “sem educação”, tornaram-se comum. As escolas públicas são muito mais vulneráveis a esses problemas pelas suas características: plural, universalizada, composta por uma clientela heterogênea quanto à condição econômica, social e cultural.

A educação básica na escola pública vai mal. As universidades reclamam, dizem que os alunos que chegam as universidades tem informação, mas são incapazes de compreendê-las. De que será a culpa? Da escola? Dos educadores? Do Estado? Dos Jovens? A racionalidade nos indica que a culpa não é dos nossos jovens, afinal, eles não nasceram prontos, foram produzidos assim na configuração política e social em voga. Sabemos que desde que o “mundo é mundo” os jovens sempre manifestaram certa rebeldia. O que mudou foi à configuração da rebeldia. A indisciplina e a violência revelam-se cada vez mais cruel e perversa.

A indisciplina e a violência na escola é a reprodução da violência que ocorrem na sociedade. A escola não é desconectada da sociedade, faz parte dela. As condições políticas e sociais do país, má distribuição de renda, impunidade, corrupção, baixa escolaridade e de renda da maior parte da população são exemplos de problemas sociais que refletem na escola. Além disso, as mudanças sociais contemporâneas ocorridas no modelo de família refletem na formação dos jovens.  Atualmente os pais necessitam trabalhar, as crianças e adolescentes tem ficado cada vez mais aos cuidados de terceiros ou sós, numa fase da vida tão importante para a educação de valores indispensáveis à boa convivência humana. O pior é que, muitas vezes, a família não é referência. Esses problemas se agravam nas famílias de baixa renda, eles não podem pagar uma cuidadora capacitada ou colocar numa escola infantil de qualidade. Faltam vagas nas creches e de projetos alternativos que acolham essas crianças e adolescentes enquanto os pais trabalham.

Pois bem, esses jovens indisciplinados e violentos estão nas escolas, não é a maioria, mas são muitos. Não estão lá para estudar, estão ali porque a escola é um ambiente social deles ou porque são obrigados. No final dos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio os problemas se agravam. Aumentam à falta de respeito, alunos se recusam a fazer atividades e estudarem, atrapalham as aulas, brigas, xingamentos, palavrões, depredação do patrimônio público, bulling e ameaças são exemplos de ocorrências diárias no cotidiano das escolas. A figura do professor, que antes, e não faz muito tempo assim, talvez uns vinte ou trinta anos atrás, tinha a função de professar o conhecimento, hoje não é, mas assim. Hoje, ele tem que mediar conflitos, chamar atenção dos alunos, enfim, tentar primeiro manter a ordem para que a sala de aula tenha condições de fazer o que ele fazia antigamente.

 A questão é que manter a ordem da sala está cada vez mais difícil, os professore não obtém êxito. É humilhado, ameaçado e ofendido com palavrões. O bom aluno que tentar defender o professor e a ordem, também é ameaçado.  Outros, menos violentos quando é chamado atenção, olham para o professor com “cara” de deboche e respondem: “tô suave”; “não dá nada não professora”. Ah! Vai me mandar para a diretoria? Vai chamar meus pais? Conselho Tutelar? Boletim de Ocorrência? Fica a vontade “fessora”.  “Não dá nada não”. Suspensão? Que bom vou ficar uns dias em casa e ficar mais na internet, “na brisa”, vou curtir.

Os educadores trabalham em situações extremas de nervosismo, medo e angústia. Preparam aulas maravilhosas e não conseguem colocar em prática. Não é possível produzir se o ambiente e as condições não são favoráveis, o resultado é a baixa qualidade do ensino e não está pior porque muitos não desistem. A maioria é consciente de suas responsabilidades: transformar vidas, mudar a realidade caótica de muitas crianças e adolescentes, prepara-los para serem cidadãos críticos, conscientes, responsáveis e com uma formação moral e ética por uma sociedade melhor. O paradoxo é que eles são responsabilizados pelo fracasso e o insucesso escolar. Angústia dupla. Na hora de receber o salário, outra angústia.

Jovens, educadores e pais são vitimas do modelo educacional político social e histórico. A melhoria da qualidade da educação acontecerá na medida em que o país melhore a qualidade de vida da sua população, valorize a nossa cultura e desvincule do modelo de práticas curriculares eurocentrista, uniformizadora e colonizadora. Por enquanto, qualquer intervenção nas escolas é apenas um paliativo e isso não dispensa qualquer ação dos sistemas de ensino. Por exemplo, capacitar os educadores é muito importante, mas hoje não é esse o principal problema. O maior problema é tê-los. Ninguém quer ser professor com o salário que ganha e com as condições de trabalho vigente e se nada for feito a educação brasileira travará em breve.

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • correção

    Eu não desisti por falta de consciência da minha responsabilidade. Teu texto é perfeito, alás muitas das suas palavras já usei em meus próprios textos. Mas a questão da desistência dos professores, tem um pormenor que não sei se você não conhece, ou não se lembrou, que além de tudo isso há a questão ergonômica e a soma de tudo, pode provocar a SÍNDROME de BURNOUT, que é a síndrome da desistência laboral. O cérebro manda um comando de "desligamento"antes que o trabalhador tenha um AVC ou o coraçao tenha problemas irreversíves. Muitos professores já morreram em plena sala de aula, ou no dia seguinte, em casa.

    Estou aposentada por invalidez. Cinco meses antes do acontecido, eu regia 5 corais e flautistas que eu ensinei, para autoridades governamentais em comemoração ao Natal. Era extremamente dedicada ao meu trabalho. Sou a quarta geração de professoras da família.

    Se puder dar uma olhada a minha página, agradeço.

    Um abraço,

    Profesora Íria

    • Desconhecia essa síndrome

      Boa noite!

      Interessante você citar essa síndrome pois sou jovem mas tive esses sintomas, uma vez tive um stress tão grande que pensei que ia ter um enfarto, no outro dia eu estava com dores no peito. Vou ler sobre isso! Desconhecia! vou desistir da área, eu não aguento mais!

  • Comentários

    Oi Luiz Claudio

    Gostei muito do teu texto. Muito difícil achar na mídia alguém que fale a verdade. Agradeço,

    Só gostaria de falar que independentemente da responsabilidade em relação à educação, existe a SÍNDROME de BURNOUT. O cérebro manda uma ordem de "desligamento " do labor como auto defesa. Não fosse isso muitos morreriam de AVC durante a aula. Sou profesora de Música, quarta geração de professoras da família, amor total à educação, porèm aposentada aos 48 (hoje tenho 50 anos), com o título de INVÁLIDA, com 40% dos meus proventos.

    Cinco meses antes da desistência eu me apresentava às autoridades paranaenses com o meu e mais 5 corais de outras escolas ensaiados por mim, além do meu grupo de flautas, como se nunca nada fosse dar errado.

    Se puder entrar na minha página  quem sabe até curtir, seria um prazer e um privilégio meu.

    Um abraço.

     

  • Comentários do artigo.

    Excelente texto!!

    Sou professor de escola pública e confesso que realmente a situação nas escolas está insustentável.

    O Governo tem duas opções: valorizar ou valorizar a educação e o professor.

    Respeito agora, urgente !!

    O Brasil precisa de luz imediata!!

    Prof.Sérgio

  • Autoridades têm obrigação de

    Autoridades têm obrigação de valorizar e pagar melhor os professores não resta dúvida, mas nem que ganhassem 20 mil mensais dariam conta de educar criaturas que vêm de casa sem um mínimo de educação e respeito a quem está ali para ensinar, comportamento das crianças  e adolescentes, não importa a classe social, é deplorável. Quem vai se sujeitar a ser tratado como cachorro por alunos pobres e ricos sem nenhum interesse? E outro ponto crucial é a pedagogia, o sistema de ensino que não atrai nenhum adolescente, sistema falido, é preciso um esforço nacional entre vários setores para criar um sistema que desperte a vontade de aprender, de ficar na escola, que propicie descobertas, do jeito que está, não haverá professores e muito menos alunos ou os corpos estarão lá mas a mente... Pais devem acordar para a responsabilidade que têm com seus filhos, mesmo que tenham que trabalhar, a escola não tem obrigação de educar as criaturas sem nenhum limite que mandam para serem 'consertadas' quem pariu Mateus que o eduque para que possa receber ensinamentos na escola!

  • Responsabilidade

    Os governantes tem a sua parcela de culpa. Mas a sociedade também tem. Leciono na rede pública. Lá há canais que permitem a participação da comunidade - Os Conselhos de Escola. Mas quantos pais participam? Reuniões de pais e mestres, momento em que a escola pode discutir o desempenho individual do aluno com seu responsáveis, são vazias. Poucos comparecem e os que comparecem, são pais de alunos que geralmente apresentam um bom rendimento (alguns chegam e logo querem ir embora, alegando mil desculpas). Pais dos alunos que apresentam problemas de aprendizagem e de disciplina, raramente aparecem. Muitas vezes, governantes são como a personagem Geni da música do Chico Buarque. 

  •      Este é um dos poucos

         Este é um dos poucos textos que diz exatamente o dia a dia de uma sala de aula de uma escola pública onde situações de violência, abondono da responsabilidade dos pais, degradação da família entre outros está diretamente refletida e direcionada neste espaço (que é a sala de aula). Lugar onde muitos professores sofrem constantemente agressões verbais e até morais, enfrentando até passar do seu limite, trazendo angústias e dor. Algo difícil de mencionar, pois não há uma ferida visível, mas que sangra, levando com ela seu propósito, seu objetivo e seu entusiasmo.

     

  • Escola pública

    Seu texto documenta a tragédia cotidiana da vida dos professores e professoras da escola pública.

  • É justamente assim, esse

    É justamente assim, esse texto não poderia explicar melhor a situação dopofessor na escola pública.Sou professora da rede pública e é mesmo assim a situação.

    • Escolas privadas

      Infelizmente esta realidade não está apenas em escolas públicas...mas nãs escolas privadas também, o que acaba sendo pior, pois ainda tem a pressão dos pais ignorantes "estou pagando", então quero resultados...mas não veem que o filho também precisa de orientação e limites em casa, então o culpado acaba sempre semdo o professor, que ora não é bom profissional, ou ora não domina a turma...que fim teremos?

  •  O pior de tude é que a

     O pior de tude é que a escola é uma instituição especializada, na transmissão do comhecimento e hoje é forçada a fazer coisas, para as quais não foi criada e nem tem condições físicas e humanas para dar respostas.

      O judiciário é cretino quando cobra coisas absurdas das escolas e de diretores. Exemplo aqui no RS, gente do SOE, tem que fazer serviço de oficial de justiça , indo atrás de menores, a preços de salários de professores. A escola tem que ser hoje creche, centro psicológico, reeducadora de deliquentes, assistência social, etc.

      Os diretores são pressionados principalmente pelo judiciário, de forma direta , ou atravé dos governos estaduais e municipais.

       O direito de punir, parece não existir mais. Só existem deveres para professores e diretores.

        O judiciário que vá cuidar da inflação de processos no Brasil, que não dão conta, mesmo com seus altos salários e regalias. Deixem a educação com os educadores.

  • Essa leitura me caiu bem

    Essa leitura me caiu bem hoje. Vejo os absurdos do nosso sistema e lamento a situação e a inapetência das pessoas em tentarem mudar esse quadro, e o pior que é me enquadro nesses. Vejo adolescentes se transformando em futuros delinquentes e a sociedade apenas assiste a perpetuação do caos. Não há medidas efetivas. É tudo muito teórico. A educação não se dá só com professores, nem com tecnologia, é preciso um sistema justo, inteligente e eficaz. Não temos. Os jovens não tem limites, ninguém dá. Os profissionais tem medo, medo porque a lei não é aplicada, não funciona. Quando o jovem começa a delinquir não vejo um acompanhamento sério de assistentes sociais, psicólogos. Somos omissos, mas o mundo do crime não. No futuro esses casos deixados pra lá serão os bandidos que depois de fazer suas vítimas serão "reeducados" no nossos humanitário sistema penitenciário. É tudo engodo. A educação precisa melhorar, mas não só ela, mas todo o sistema. Infelizmente as palavras não mudam nada.

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Luis Nassif

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