Bioengenheiro pode desenvolver coração artificial no Brasil

Uma das maiores carências de nosso país pode ser duramente revelada quando procuramos engenheiros bem formados aptos para atuação nas mais diversas áreas de tecnologia.

Um engenheiro bem capacitado não é algo simples de se encontrar  por aqui e, ainda mais difícil, é conseguir mantê-lo atuando dentro das universidades ou em empresas de alta tecnologia, pois quase todas essas pessoas e mentes brilhantes acaba sendo contratada por bancos ou grandes empresas com interesses distintos daqueles que buscamos para o desenvolvimento de nossos parques tecnológicos e empresas inovadoras.

O impacto que um engenheiro pode causar na área da saúde no Brasil é gigantesco. Nós ainda importamos quase 90% dos produtos e dispositivos médico-hospitalares utilizados cotidianamente em consultórios, clinicas e hospitais, uma vergonha que é quase que estimulada pela vergonhosa, onerosa e desgastante  “burocracia” imposta pelas agências reguladores nacionais, especialmente na área de saúde.

Apesar desse cenário pouco convidativo aos empreendores em tecnologia da saúde, temos produzido avanços com nossos centros ainda incipientes e posso citar um bom exemplo desses profissionais atuando na produção de dispositvos médicos em São Paulo, um médico e engenheiro que fez doutorado no Japão estudando coração artificial. Seu nome é Pai Chi Nan, um dos mais novos reforços da USP no campo da Bioengenharia.

Com formação longa e complexa, Pai Chi Nan nos mostra sua trajetória e descreve brevemente alguns de seus projetos, o que deixa ainda mais patente que a carência de profissionais bem capacitados não pode ficar a mercê apenas de medidas apressadas de marketing degradante com fim estritamente eleitoral.

Pai Chi Nan,

Como foi a decisão estudar engenharia para atuar na área de saúde?

O conhecimento que adquirimos na área de saúde tem se aumentado juntamente ou devido a evolução tecnológica. Muitos diagnósticos e tratamentos só são possíveis hoje em dia com o desenvolvimento de equipamentos biomédicos. A existência destes equipamentos auxilia o trabalho dos profissionais de saúde de forma a melhorar cada vez mais a saúde da população. Isto pode ser observado com o aumento da expectativa de vida no nosso país e no mundo. Como um médico eu poderia ajudar, ao longo da minha carreira, um número limitado de pessoas. Mas se eu desenvolver um equipamento que é utilizado por vários médicos, eu posso multiplicar o número de pacientes que são salvos por mim, mesmo que de forma indireta. Durante os seis anos de graduação em medicina, eu pude perceber essa evolução tecnológica e a sua contribuição para a saúde e decidi fazer parte dela.

Qual foi o tempo de sua formação antes de começar a atuar?

O desenvolvimento de equipamentos biomédicos é feito por uma equipe multidisciplinar, envolvendo tanto profissionais de saúde, como médicos, dentistas, fisioterapeutas, etc, e profissionais da área tecnológica, como engenheiros, tecnólogos, físicos, etc. Atualmente existem também cursos de graduação especialmente voltados para esta área, como cursos de Engenharia Biomédica e de Física Médica.

No final da década de 90, quando eu decidi seguir este caminho, pouco se conhecia sobre esta área e poucas eram as opções. Dessa forma, acabei seguindo um caminho mais longo, fazendo 6 anos de Medicina, 4 anos de Engenharia Mecatrônica e mais 3 anos de doutorado direto no Japão. Caso alguém resolva fazer o mesmo caminho, contando os tempos normais de formação em cada curso, levaria 6 anos de Medicina, 5 anos de Engenharia, 2 anos de mestrado e 3 anos de doutorado, num total de 16 anos.

Atualmente existem caminhos mais curtos para isso e o mercado está mais flexível também. Quem tem interesse em desenvolvimento de tecnologia voltada a área de saúde pode optar uma graduação tanto em exatas como em biológicas e realizar uma pós-graduação na área de interesse.

As combinações são as mais variadas possíveis, dependendo da afinidade da pessoa. Como o desenvolvimento dos equipamentos envolve uma equipe multidisciplinar, existe necessidade de profissionais de todas as áreas, sejam eles com formação em exatas, em biológicas ou até em humanas. Dessa forma, atualmente é possível participar de uma equipe de desenvolvimento com apenas 5 anos de graduação. Obviamente quanto maior a formação, mais capacitada a pessoa é e mais importante se torna para a equipe.

 Profissionais com sua formação são comuns fora do Brasil?

Pessoas com formação em medicina e em engenharia são raras, mesmo fora do Brasil. Entretanto, no resto do mundo, a formação de equipes multidisciplinares para desenvolvimento de equipamentos biomédicos começou já há algumas décadas, e lá podemos encontrar profissionais com diferentes tempos de formação em diferentes áreas atuando no ramo de Engenharia Biomédica ou de Bioengenharia.

Como é o mercado de trabalho?

Nos últimos anos a profissão de Engenheiro Biomédico tem sido classificada entre as três melhores profissões nos E.U.A., não apenas em termos salariais, mas também em termos de satisfação profissional. Afinal, quem trabalha com Engenharia Biomédica está ajudando os profissionais de saúde a salvarem vidas. Aqui no Brasil, de acordo com a Guia do Estudante, a carreira de Engenheiro Biomédico é a mais promissora até 2020.

 Qual a vantagem você trouxe com sua formação médica para a engenharia(e vice-versa)?

Um dos grandes problemas de uma equipe multidisciplinar é a comunicação. Cada área utiliza uma linguagem técnica diferente, e perde-se muito tempo explicando para um profissional de outra área as suas reais necessidades e descobertas. Pelo fato de eu possuir dupla formação, tenho facilidade para trabalhar tanto com profissionais da área de saúde como da área de engenharia. Além disso, a dupla formação me permite analisar um problema de medicina com a mente de um engenheiro, dando uma nova perspectiva para o problema, o que ajuda muito na busca das soluções.

 Que medidas estimulariam a formação de outros?

Profissionais com dupla formação são sempre bem-vindos. Entretanto, não vejo mais a necessidade disso. Um curso de graduação bem feito, seguido de uma pós-graduação sólida é o suficiente para alguém participar do desenvolvimento de um equipamento biomédico. O grande estímulo para seguir esta carreira seria o prazer de poder ajudar, juntamente com os profissionais de saúde, as pessoas.

Qual a principal barreira para a formação e a atuação na área?

A carreira de Engenharia Biomédica é bastante nova, mesmo no exterior. Como qualquer carreira nova, existem as dificuldades iniciais para quem quer entrar nesta área, como, por exemplo, o desconhecimento das indústrias desta nova carreira, o que leva a “pouca oferta” de empregos. Esta “pouca oferta” na verdade é imaginária, causada pelo desconhecimento das indústrias da existência deste tipo de profissional. Ou seja, existe a demanda por engenheiro biomédico, porém as indústrias, por desconhecimento, abrem processos seletivos apenas para engenheiros elétricos, mecânicos ou mecatrônicos. Porém, este quadro está melhorando a cada dia e hoje observamos empresas grandes dando preferência para contratação de engenheiros biomédicos.

Quais os projetos que você já desenvolve e quais você pretende desenvolver?

O meu doutorado no Japão foi na área de coração artificial, que é uma bomba de sangue utilizada dentro do corpo para ajudar o coração enfraquecido a bombear sangue e manter o paciente vivo. Estou continuando este projeto no Brasil.

Tenho projetos também na área de ultrassom, como o aparelho de ultrassom com tecnologia nacional que estamos desenvolvendo juntamente com outras universidades. Além disso, pretendo, no futuro próximo, desenvolver dispositivos ligados à área de urologia e à reabilitação neuromuscular. 

Uma brevíssima descrição do projeto do coração artificial:

As doenças cardiovasculares são as principais causas de óbito hoje em dia. Em muitos casos os pacientes precisam fazer transplante cardíaco para poderem voltar a ter uma qualidade de vida minimamente aceitável. Entretanto, há falta de coração disponível para transplante no mundo inteiro. Para minimizar este problema, estão em desenvolvimento dispositivos denominados corações artificiais para auxiliar a função de bombeamento do coração doente.

A versão do coração artificial que estou desenvolvendo aqui no Brasil é uma bomba centrífuga com mancal magnético. A bomba possui um rotor no seu interior com pás que, ao ser girado por um motor, gera força centrífuga que impulsiona o sangue para fora.

O mancal é uma estrutura da bomba que mantém o rotor no lugar durante a rotação do mesmo. Na bomba em questão utilizamos o mancal magnético para manter o rotor rodando numa mesma posição. Como o mancal magnético utiliza forças magnéticas, não existe contato entre o rotor e outras partes da bomba.

Em outras palavras, ele fica levitado dentro da bomba, o que aumenta a durabilidade do coração artificial. Se o coração artificial pode durar algumas décadas, o paciente pode então ter a opção de não realizar mais o transplante, diminuindo dessa forma a fila de espera do transplante, além de eliminar o risco de passar por uma nova cirurgia de grande porte. Este projeto está sendo desenvolvido por uma equipe de médicos, engenheiros e alunos da Escola Politécnica da USP, da Universidade Federal do ABC, do Hospital Israelita Albert Einstein e também do Tokyo Institute of Tecnology, no Japão.

Redação

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