Mobilização e enfrentamento por mais recursos para o SUS marcam propostas em seminário

Mobilização e enfrentamento por mais recursos para o SUS marcam propostas no primeiro dia de seminário

A crise política brasileira, as fontes de recursos para o financiamento adequado à garantia do direito universal à saúde e o enfrentamento aos obstáculos que cercam esse objetivo estiveram no centro das discussões do primeiro dia do seminário Saúde sem dívida e sem mercado, em 21/6/2017. Resultado de parceria entre o Centro de Estudos da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ceensp/Ensp/Fiocruz) e o Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE-Fiocruz), o evento reuniu no Salão Internacional da Ensp os pesquisadores Áquilas Mendes, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, Maria Lucia Fatorelli, coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida Pública, e Carlos Ocké-Reis, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), na mesa Saúde: fontes de financiamento em disputa.

Abrindo as exposições, o professor Áquilas Mendes contextualizou o processo de construção do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Seguridade Social para discutir a viabilidade política de uma proposta de financiamento para o setor Saúde. “A saúde vem sendo construída num cenário de contradições, de tensões, embates. O nosso Sistema Único de Saúde e a Seguridade Social emergiram em meio a um quadro bastante problemático, em termos de ataques aos estados sociais, em um mundo atravessado por uma nova ideologia neoliberal”.

Segundo Áquilas Mendes, os últimos quarenta anos marcaram um período do capitalismo contemporâneo conformado por uma lógica específica de correlação de forças. “O capital financeiro está cada vez mais presente e vem abocanhando o orçamento público”, afirma. “Parece que não conseguimos mais viver sem dívida, ou melhor, sem o custo do financiamento dessa dívida cada vez mais elevada”, observa o professor, que afirma ser impossível pensar a saúde universal no Estado tal como se apresenta hoje, em meio a uma crise política institucional.

Essa via de construção institucionalizada está quase esgotada. Torna-se necessário caminhar nessa luta por fora, por embate, em uma política de enfrentamento (Aquilas Mendes)

“Precisamos ter clareza de que essa via de construção institucionalizada tem mostrado, cada vez mais, limites muito claros, está quase esgotada”, afirma Áquilas. “Nesse sentido, considerando os problemas do SUS e a limitação do espaço de atuação dos profissionais do setor da Saúde, torna-se necessário caminhar nessa luta por fora, por embate, em uma política de enfrentamento. Nossa luta hoje pela saúde universal é, acima de tudo, anticapitalista”.

A coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida Pública, Maria Lucia Fatorelli, defende que há uma discrepância entre os recursos que o país possui e aqueles de que a população usufrui. “Nossa realidade é de riqueza, é de abundância, mas vivemos em um cenário de escassez, com crise para todo lado. Não há dinheiro para nada, 90% da população brasileira são pobres ou miseráveis, a classe média está diminuindo brutalmente, e os meio por cento mais ricos concentram 43% do patrimônio declarado”, analisa a pesquisadora, que questiona a opção do governo pelos ajustes fiscais. “A justificativa usada para todas essas reformas é a necessidade dos ajustes fiscais, que cortam os gastos sociais, os financiamentos em toda estrutura do Estado, para sobrar mais dinheiro para chamada dívida pública”, aponta.

Nossa realidade é de riqueza, é de abundância, mas vivemos em um cenário de escassez, com crise para todo lado (Maria Lucia Fatorelli)

Segundo Maria Lucia Fatorelli, a separação entre a realidade de abundância e o cenário de escassez deriva da adoção de um modelo econômico planejado para ser concentrador de renda e riqueza. “Temos uma política monetária suicida realizada pelo Banco Central, um modelo tributário regressivo que tributa, principalmente, o salário dos trabalhadores e o consumo. Temos o sistema da dívida que exige ajustes fiscais, privatizações, contrarreformas e novos esquemas que não param de gerar mais dívida. Isso é diferente do endividamento público legítimo – que pode existir”, observa.

O economista e pesquisador do Ipea Carlos Ocké-Reis, por sua vez, aponta que o sistema de saúde brasileiro passou a funcionar de forma duplicada. “Esse é um ponto importante da discussão, visto que houve uma privatização da Seguridade Social no Brasil”, diz. Segundo Ocké, a clientela do seguro social migrou para o seguro privado, sem mediação pelo modelo de seguridade. “O Estado deveria ter concentrado seus esforços em fortalecer o SUS ou a esfera pública, nesses 25 anos. Entretanto, o setor não contou com financiamento estável, enquanto os planos de saúde contaram com incentivos governamentais, favorecendo-se o crescimento do mercado e a estratificação da clientela”, observa Ocké-Reis, acrescentando que “o SUS, não foi capaz de superar o que eu chamo de processo de americanização perversa, ao qual o sistema de saúde brasileiro foi submetido”.

O setor Saúde não contou com financiamento estável, enquanto os planos de saúde contaram com incentivos governamentais, favorecendo-se o crescimento do mercado e a estratificação da clientela (Carlos Ocké-Reis)

De acordo com o pesquisador o fato de o Brasil ter definido em sua Constituição a saúde como dever do Estado e direito do cidadão, independentemente de capacidade de pagamento, inserção no mercado de trabalho, ou condição de saúde, não é uma questão menor. “É um avanço muito importante para construção de uma sociedade soberana no Brasil”. No entanto, destaca Ocké-Reis, o SUS está sendo desmontado. “Existe um projeto orgânico e estratégico de fortalecimento do setor privado por esse governo ilegítimo que deu um golpe parlamentar nesse país, atacando a constituição, atacando a democracia”, analisa. “Na atual conjuntura as instituições e entidades que lutam pela Constituição e pelo fortalecimento do SUS precisam se mobilizar em caráter permanente, em torno de um projeto de desenvolvimento sustentável, em defesa da democracia, do emprego e dos direitos sociais e ambientais”. (Luiza Medeiros e Daiane Batista/CEE-Fiocruz)

Redação

Redação

View Comments

  • Dilma vetou !

    A Dilma esteve com a faca e o queijo na mão para fazer a Auditoria da Dívida, mas vetou !

    Neste dia, confesso que chorei !

    #auditoriadadividaja

     

Recent Posts

Petrobras reduz preço do gás natural para as distribuidoras

Potencial de queda chega a 35%, a depender dos contratos e volumes movimentados; queda no…

11 horas ago

Medida provisória viabiliza importação de arroz

Para evitar especulação e manter preço estável, governo federal autoriza a compra de até 1…

12 horas ago

Governo do RS levou meses e milhões para projeto climático; UFRGS o faz em dias

Governo de Eduardo Leite levou mais de 7 meses e R$ 2 milhões para projeto…

12 horas ago

O discurso conservador e ultra-ideológico de Javier Milei em política exterior

Os “libertários” desconfiam da política exterior ativa, não acreditam em regimes internacionais e aspiram a…

13 horas ago

As tragédias das enchentes, por Heraldo Campos

As tragédias das enchentes não são de agora, mas as atuais são mais graves, comprovadamente,…

13 horas ago

Ministério das Mulheres recebe denúncias de abusos em abrigos no RS

Relatos foram apresentados em reunião online; Prefeitura de Porto Alegre anuncia abrigos exclusivos para mulheres…

13 horas ago