Por um ajuste fiscal via reestruturação tributária

Por Róber Iturriet Avila

Do Brasil Debate

O Brasil Debate tem abordado a relação entre a necessidade de um ajuste, a estruturação tributária brasileira e seu papel nos níveis de concentração de riqueza. Em que pesem as controvérsias acerca do nível da carga tributária no Brasil e o tamanho do Estado, há consenso entre os diversos matizes que os impostos no Brasil devem ser simplificados. Contudo, um tema mais candente é quem contribui mais ao erário.

Para além de financiar os serviços públicos, a arrecadação de impostos tem o papel de rearranjar as dotações dos agentes no mercado, uma vez que há assimetria de condições e a dinâmica da economia pode proporcionar disparidades.

A arrecadação dos tributos no Brasil está centrada no consumo e na folha de salários. Como os dados tributários mais recentes ainda não foram sistematizados, é aqui analisada a estruturação de 2013. No referido ano, 51,28% dos impostos recolhidos nas três esferas tiveram origem no consumo de bens e serviços, 24,98% na folha de salários, 18,10% na renda e 3,93% na propriedade.

Face à necessidade de ajuste das contas públicas, algumas reformas poderiam ser implementadas com potencial de dar sequência às políticas inclusivas.

Castro (2014) efetuou um exercício com três hipóteses de alteração de impostos, quais sejam: i) tributação sobre a distribuição de lucros em 15% e em 20% – o Brasil é um dos poucos países que não tributa dividendos; ii) criação de novas alíquotas de Imposto de Renda para Pessoa Física (IRPF): 35% e/ou 40% e; iii) extinção de deduções de imposto de renda.

Os dados utilizados são da Receita Federal do Brasil, de acesso restrito. As informações públicas mais recentes são de 2012. Por esse motivo, a análise fica restrita a esse ano, podendo apenas os valores monetários serem atualizados pelo IPCA.

O autor demonstra que, caso fosse criada uma tributação de 15% sobre a repartição de lucros, haveria uma elevação de 175,33% do IRPF Capital, o que representa uma elevação total de 24,63% na arrecadação de IRPF. Em 2012, isso representaria R$ 31 bilhões a mais, R$ 36,5 bilhões a preços de maio de 2015.

A segunda hipótese do autor é uma alíquota de 20% sobre os dividendos. Nesse caso, a arrecadação aumentaria R$ 41,5 bilhões em 2012, R$ 48,9 bilhões a preços de maio de 2015. Uma elevação de 233,80% do IRPF capital e 32,84% de arrecadação total do IRPF.

Caso a tributação sobre os lucros fosse idêntica ao imposto sobre rendimento do trabalho, incluindo faixa de isenção e progressividade, a arrecadação ampliaria R$ 50 bilhões em 2012, R$ 58,9 bilhões a preços correntes. O que representa uma ampliação de 282,14% em IRPF Capital e 39,64% em IRPF total.

Com uma nova alíquota de 35% sobre o rendimento do trabalho, a nova faixa seria para renda a partir de R$ 59.100,00 anuais em 2012 e, aproximadamente, R$ 67.439,00 em 2015, dado o reajuste da tabela ocorrido. Nessa situação, a arrecadação de IRPF sobre o trabalho obteria incremento de 17,15%, 14,67% de IRPF total, equivalendo a R$ 18,5 bilhões, em 2012 e R$ 21,8 bilhões a preços atuais.

A quinta hipótese do autor é a constituição de duas alíquotas de imposto de renda sobre o trabalho: 35% e 40%. A alíquota de 40% seria a partir de R$ 69.200,00, em 2012, e, aproximadamente, R$ 78.964,12, em 2015. Essa situação elevaria em 26,79% o IRPF sobre o trabalho, 22,98% sobre o IRPF total e R$ 29 bilhões, em 2012, R$ 34,2 bilhões a preços correntes.

Nesse sentido, o maior potencial arrecadatório e distributivo seria a implementação de impostos sobre os dividendos. De acordo com o autor, os três primeiros tipos de alteração reduziriam em torno de 10% o índice de Gini.

Há, entretanto, a opção de criar um imposto sobre dividendos e ampliar o imposto sobre a renda do trabalho. Ou seja, a terceira e a quinta hipótese não são autoexclusivas, o que abriria uma possibilidade de arrecadar R$ 93,1 bilhões a preços de 2015. Essa situação abriria espaço para redução de impostos sobre consumo, mitigando, nesse caso, a regressividade tributária brasileira. Essa transformação, potencialmente, ampliaria o acesso a bens e dinamizaria a economia.

Além da simplificação de tributos, a criação de uma nova faixa de imposto de renda sobre o trabalho e a implementação de impostos sobre os dividendos teriam impactos fiscais e sociais melhores do que as escolhas do ministro Joaquim Levy. Esse preferiu elevar PIS/COFINS e a CIDE. Outra opção aventada é a criação de um imposto federal sobre herança e a regulamentação do imposto sobre grandes fortunas. Cabe relembrar que o Brasil figura dentre os países com menores impostos sobre heranças.

A tributação sobre dividendos corrigiria uma distorção que ocorreu com a lei que isentou esse rendimento (9.249/95). Desde então, houve expressiva migração de profissionais liberais para inscrição como pessoa jurídica, com o objetivo de reduzir a contribuição ao fisco. A isenção de impostos sobre dividendos se justificaria para evitar a bitributação. Entretanto, na maior parte dos países há bitributação.

É preciso ponderar que aumento de imposto tem efeitos sobre a renda agregada, sobretudo se o governo não utilizar o recurso para ativar a economia. A redução da demanda total deprime a arrecadação. Tal consideração limita a previsibilidade da capacidade arrecadatória. De toda forma, ampliar impostos sobre os mais ricos e reduzir aos mais pobres pode ter um efeito positivo sobre a demanda, já que os primeiros têm propensão marginal a consumir menos.

Algumas das alterações tributárias nesse início de 2015 reforçam o quadro atual, indicando que caminhamos de encontro aos países que estão em patamares de desenvolvimento mais elevado. Aprofundar e clarificar essa temática não apenas informa o cidadão como instrumentaliza a pauta da justiça social.

Referências

BRASIL. Receita Federal do Brasil. Carga Tributária no Brasil: análise por tributos e bases de incidência. Disponível AQUI. Acesso em 15 de maio de 2015.

CASTRO, Fábio Avila.  Imposto de renda da pessoa física: comparações internacionais, medidas de progressividade e redistribuição. 2014.115f. Dissertação (Mestrado) ― Departamento de Economia, Universidade de Brasília, Brasília, 2014.

Redação

Redação

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  • eis aí um elemento essencial de projeto de desenvolvimento
    Sempre realçando que quando se pensa em projeto de desenvovimento, é importante er em conta que o Brasil não é apenas desigual, mas também pobre, de forma que uma reforma progressista aumenta imposto sobre dividendos, lucros e salários altos do ponto de vista da distribuição funcional de renda e também dominui impostos sobre a produção e sobre o investimento, em particular em setores e atividades de maior conteúdo tecnológico.

  • Porque será que quando ouço

    Porque será que quando ouço reestruturação tributária eu já penso em aumento de impostos?

  • IRPF, ICMS? Mãos ao alto!

    Algumas barbaridades sobre nosso sistema tributário: ICMS de 25% sobre as tarifas de energia elétrica, telefonia e gás encanado, TV a cabo, etc. Ainda não sei se a internet é isenta, pois minha tarifa telefônica,  TV a cabo e banda larga vêm na mema fatura. Abatimento no imposto de renda para cirurgias plásticas não reparadoras (botar silicone nos peitos e bumbum, mudar o nariz, etc.), abatimento no imposto de renda dos gastos com educação privada. Os miseráveis com professores em greve (estado de São Paulo) financiando as escolas chiques das crianças e jovens que tiveram a boa sorte de nascer em famílias bem de vida. ICMS sobre o II (imposto de importação) e outras aberrações, outras indecências tributárias. Inventaram isso na Ditadura, mas na Constituinte, os integralistas eram maioria, formaram o Centrão e impuseram sua opinião.

  • É só nisso que pensam esses

    É só nisso que pensam esses idiotas: aumentar impostos. Reduzir o tamanho da máquina pública, adequar os mega-salários (do Judiciário, por exemplo, além da Receita Federal e Banco Central), reduzir ao mínimo os cargos de nomeação (sem concurso), aumentar a eficiência do funcionalismo, reduzir salários, verbas indenizatórias e verbas de gabinete do Legistativo, de tudo isso ninguém fala. Mais fácil aumentar os impostos para os trouxas como eu.

  • por que a discusssão sobre

    evasão fiscal nunca é levantada para valer? Mais do que mudança nos impostos, nós precisamos garantir que aqueles que ganham mais também paguem ao invés de mandar seus gordos salários para a Suíça.

  • Enquanto o governo tira 25

    Enquanto o governo tira 25 bilhões para financiamento de habitação ,o Congresso aumenta a despesa do Judiciário em...25 bilhões .Como diria um engenheiro "famoso" :

    -Que país é esse ?

  • IVA Federal

    Fundir todos os impostos indiretos federais em um único IVA, não-cumulativo, fácil de calcular, que não incida sobre exportações, já seria um bom começo, mesmo que a carga tributária seja mantida.

    Mais para frente, o governo poderia ir aumentando impostos sobre o patrimônio e usando os recursos para diminuir a alíquota do IVA federal.

    Estados poderiam fazer o mesmo, aumentando o imposto sobre heranças e o IPVA de veículos de valor elevado, e utilizar os recursos para reduzir o ICMS.

    Prefeituras poderiam fazer o mesmo: reduzir o ISS e aumentar o IPTU dos mais abastados.

    Esses aumentos também poderiam ser usados para custear serviços que hoje são bancados por taxas: inspeção veicular, emissão de passaporte, etc. Há uma porção de taxas, todas elas demandam sistemas e burocracia para serem coletadas.

     

  • Por um imposto inflacionário único, com despesas votadas semestr

    Que se crie um imposto inflacionário único, com despesas votadas semestralmente por um congresso aparelhado para tal finalidade.

    Afinal, o que é preciso é custear as despesas do Estado, o dinheiro sempre sai da sociedade, que saia da forma mais econômica, harmônica e equilibrada possível.

    Afinal se os que votam as despesas acham que a inflação está alta, que se diminuam-as.

  • Para enriquecer o debate vaõ

    Para enriquecer o debate vaõ aí os gráficos abaixo, mostrando que a carga tributária atual do Brasil é injusta, regressiva e preventiva (priorizando a arrecadação sobre o consumo, ao invés de sobre a renda e propriedade). Os que ganham menos pagam a metade do que os ganham mais . E por aí vai...

    Fonte: https://brasilfatosedados.wordpress.com/

     

      

     

     

      

     

     

             

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