Nova Economia: Debate sobre privatização está defasado há 40 anos

O programa Nova Economia da TV GGN recebeu, nesta quinta-feira (9), o pesquisador do Grupo de Economia da Energia do Instituto de Economia da UFRJ, Ronaldo Bicalho, para falar sobre o processo de desmonte do setor elétrico no País.

E uma das principais constatações do pesquisador é a qualidade do debate sobre a venda de estatais de serviços essenciais para a iniciativa privada. 

“É imensamente grave ter de discutir a agenda de privatização, que é uma agenda de 40 anos atrás do setor elétrico. Somos obrigados a discutir uma agenda que foi feita, na melhor das hipóteses, para resolver problemas dos anos 1970 e 1980. Você dizia que o problema do setor elétrico é o estado, que é ineficiente. Na agenda de hoje você vai dizer que o problema do setor elétrico do mundo e do Brasil é o estado? Não. É a falta de competição? Não”, comenta o entrevistado. 

No cenário atual, segundo Bicalho, os problemas são muito mais complexos, tendo em vista a transição do modelo energético baseado em combustíveis fósseis para alternativas renováveis, além de novas possibilidades de produção energética, como a energia fotovoltaica. 

“O setor elétrico enfrenta o maior desafio que ele já teve no mundo desde que foi criado. Não temos a menor ideia para onde vai o setor elétrico no mundo hoje, porque é extremamente complexo. Os desafios são gigantescos e é uma bobagem achar que estamos fora disso”.

Como se já não bastassem as questões tecnológicas e de distribuição da energia para todo o território nacional, os brasileiros enfrentam mais um obstáculo: o desmonte do estado a partir de 2016, com o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) e as gestões posteriores de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL). 

“Hoje você não tem uma burocracia estatal que seja capaz de assumir o seu compromisso histórico dentro deste exato momento. A perda da Eletrobras foi um erro gigantesco, imenso. Como um país comete um erro tão grotesco como esse? Você não tem instituições, não tem burocracia estatal, esse é o problema”, revolta-se o entrevistado.

Reestatização?

Uma das justificativas usadas pelas autoridades paulistas a respeito dos mais de cinco dias em que a população ficou sem luz após um vendaval foi a de que o processo de privatização no Estado foi mal feito, enquanto se discute a privatização da Sabesp.

Porém, as áreas atendidas pela Eletrobras, vendida em junho de 2022, também estarão expostas a sucessivos apagões, segundo o pesquisador da UFRJ, pois o modelo de privatização segue a mesma lógica financeira das demais vendas, em que a hegemonia do capital financeiro e a terceirização do setor ditam a operação e as prioridades na administração da empresa.

“O que importa é o preço da ação. Para o preço da ação, o importante é o preço do dividendo que você paga e recompra de ação. Para isso, você tem de fazer caixa. Para fazer caixa, você tem de cortar custo e ponto. Então, você corta manutenção, corta investimento, corta pessoal, faz caixa, paga dividendo e aí os acionistas ficam satisfeitos e mantém você na diretoria como CEO”, resume Bicalho. 

O pesquisador ressalta ainda a falta de capacidade do governo e agência reguladora em tomar a frente da situação, pois hoje ambos se tornaram um guichê da iniciativa privada, que traz suas exigências para o balcão e estas são atendidas por quem deveria fiscalizá-las. Neste cenário, Bicalho acredita que o Brasil não está preparado para negociar a renovação das concessões entre 2025 e 2031.

Na contramão do mundo

“O que caracteriza o setor elétrico brasileiro é uma grande necessidade de coordenação, o que no sistema nosso é muito complexo. Temos um grande sistema, em que operamos por todos os reservatórios interligados, conectados. Isso leva a operação do setor ao nível de complexidade muito grande. No setor elétrico, quando você cresce o sistema, cresce as escalas e essa complexidade entra pesadamente da coordenação”, explica Ronaldo Bicalho.

A partir desta definição, a França, que estatizou a Électricité de France (EDF) este ano, é o país que tem um sistema tão complexo quanto o nosso e que poderia servir de exemplo para o Brasil. 

No entanto, apesar da privatização, o entrevistado do Nova Economia comentou que enquanto os brasileiros mantém a percepção sobre a ineficiência do Estado, entregando assim as estatais ao mercado, os franceses nunca perderam o controle sobre a EDF, pois entendem que a segurança energética é uma questão de segurança nacional.   

Acompanhe a discussão na íntegra:

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Camila Bezerra

Jornalista

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